21.02.2011 - Fala-nos Dom Silvano Tomasi, observador da Santa Sé na ONU.
“Governance”, “partner”, “gender”, “saúde reprodutiva” são alguns termos de um novo vocabulário utilizado nas instituições internacionais, substituindo conceitos como “governo”, “esposo(a)”, “homem/mulher”, “anticoncepção”.
Isso, combinado com uma visão extremista da “não-discriminação”, tornou-se uma ferramenta utilizada para impor ideologias contrárias ao pensamento católico e que acaba incidindo em nossa vida diária; e quando o percebemos, já pode ser tarde demais.
Este foi o tema central da conferência de Dom Silvano Tomasi – “O poder da palavra. Verdade e ideologia nos organismos internacionais” -, realizada ontem em Roma, na sede do Centro Internacional de Comunhão e Libertação.
O problema foi exposto pelo próprio arcebispo Tomasi, núncio apostólico e observador permanente da Santa Sé junto às Nações Unidas em Genebra, e pela professora de direito constitucional na Università degli studi di Milano-Bicocca, Marta Carabia. O evento foi moderado pelo diretor do Centro Internacional, Roberto Forlan.
“Genebra é um lugar onde se gera cultura diariamente”, afirmou Dom Tomasi, lembrando que lá residem 30 mil funcionários de organismos internacionais, que realizam mais de 9 mil conferências por ano.
Para focalizar o problema, o prelado recordou o pensamento de Bento XVI sobre a ditadura do relativismo: “Uma boa parte das filosofias contemporâneas afirma que o homem não é capaz de conhecer a verdade. E, por conseguinte, o homem que não é capaz disso não poderia ter valores éticos”.
Assim, “acaba aceitando, como única referência, a opinião da maioria. No entanto, a história demonstra quão destrutivas podem ser as maiorias”, como no caso “das ditaduras impostas pelo nazismo e pelo marxismo”.
“Há duas interpretações das experiências humanas – continuou: uma baseada na realidade e outra uma baseada na construção de conveniências de uma realidade desejada. Esta é muito estimada pelos manager das organizações internacionais.”
Em contraste, “outras palavras, provenientes da tradição judaico-cristã, são excluídas e tendem a desaparecer: verdade, moral, consciência, razão, pai, mãe, filho, mandamento, pecado, hierarquia, natureza, matrimônio etc.”
Ou seja, é “um novo vocabulário, uma mistura”, que “representa uma ideologia individualista levada ao extremo e que inspira linhas condutoras dos funcionários da governance global”.
“A aspiração das Nações Unidas é criar uma nova ordem internacional e, para conseguir isso, cria uma nova antropologia”, como quando se fala de gênero, “não o dado pela natureza, mas o que o indivíduo escolhe”. Assim, “atinge-se a própria estrutura da sociedade no que diz respeito à família”, disse.
Dom Tomasi afirmou que a visão tomista, que requer “a conformidade do intelecto com a realidade”, é substituída “por um conceito de realidade como construção subjetiva e social, na qual a verdade e a realidade não têm um conteúdo estável”.
Assim, a “aliança entre ideologia e pragmatismo é um desafio para a sabedoria cristã, que deve propor sua mensagem de humanismo integral”, ainda que, a longo prazo, disse Dom Tomasi, “não se poderá subestimar ou simplesmente ignorar o realismo antropológico da tradição cristã”.
O moderador então perguntou sobre quem trabalha nessa linha de afastamento: “São homens malvados que se reúnem à noite, como nos filmes de James Bond?”.
Dom Tomasi afirmou que este é um processo muito complexo, “que vai além dos próprios protagonistas”. E o problema surge precisamente porque, devido ao relativismo, com uma linguagem ambígua, as pessoas buscam “conclusões e tentativas para chegar a um consenso, ‘pelo bem de todos’, dizem”.
No entanto, ele explicou: “Dizer que uma pera não é uma maçã não é uma discriminação”.
“E estas soft law – indicou – são transformadas em normas jurídicas. Depois, há uma nova convenção e se torna lei; e se aplica até mesmo em uma cidade pequena.”
A professora Marta Cartabia, reafirmando o que foi dito por Dom Tomasi, recordou a importância da linguagem no Direito e como, hoje, o tema “direitos humanos” domina a agenda das agências. E também lembrou o sucesso desse tema, juntamente com o de “não-discriminação”, como uma alternativa condividida sobre o relativismo.
Assim, com este conceito, visa-se a “criar uma moral superior. Além disso, usa-se o naipe dos direitos humanos como um ás na manga e aqui o dissenso se torna impossível.” E isso se transforma em “um atalho sedutor para grupos que não conseguem encontrar aprovação em espaços normais da política”, afirmou.
Depois, existe a ambiguidade da linguagem, desde a Conferência de Pequim, com a “discriminação de gênero”, que não teria a ver com um fato biológico, mas apenas com a interpretação de um papel que a pessoa quer protagonizar.
Nesta linha, recordou como, hoje, na Espanha e na Alemanha, “podem solicitar uma mudança de sexo garantida pela lei – independentemente das características físicas -, com um procedimento tão banal como ir a um cartório”.
E se perguntou: “Como se pode defender a mulher, se o papel é apenas opcional?”.
“Ainda que às vezes isso não pareça frustrante, é essencial mostrar a mentira”, especialmente “se podem ser usados caminhos positivos.” E visto que “essa ideologia se separa da realidade”, concluiu que “provavelmente a única via transitável é citar a experiência como um argumento válido”
Fonte: http://www.comshalom.org/blog/carmadelio