Artigo do Padre José do Vale: A Fé e a Razäo


20.02.2011 - “É ilusório pensar que, tendo pela frente uma razão débil, a fé goze de maior incidência; pelo contrario, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstição”. “Da mesma maneira, uma razão que não tenha pela frente uma fé adulta não é estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do ser”.
Papa João Paulo II  -  Carta encíclica Fides et Ratio, nº 48.

“A fé é a negação da razão”, escreveu o filosofo britânico A. C. Grayling. Essas palavras resumem os sentimentos de inúmeros escritores e filósofos que, no decorrer dos séculos, afirmaram que a fé e a razão são incompatíveis.
Algumas crenças religiosas realmente negam toda razão. Mas pense nisto: ficou provado que muitas crenças científicas defendidas com veemência estavam erradas. No entanto, será que isso quer dizer que todas as crenças cientificas estão erradas ou não se baseiam na razão? Então, por que achar que seria diferente com as crenças religiosas? A fé descrita na Sagrada Escritura não existe sem conhecimento. De fato, ela é firmemente baseada no conhecimento e na razão.
Por exemplo, a Escritura diz que, para nossa adoração ser “aceitável a Deus”, ela deve ser “um serviço sagrado” prestado com a “faculdade de raciocínio”. Em outras palavras, devemos adorar o Senhor Deus “de uma forma digna de seres racionais”. (Romanos 12,1; BJ) Assim a fé descrita na Bíblia não é cega e irracional, como se fosse um tiro no escuro. E não é credulidade. É algo que você analisou bastante – resultando em confiança em Deus e em sua Revelação pela palavra escrita, que é firmemente baseada na razão.
É claro que a razão exige informações exatas. Até mesmo os melhores programas de computador projetados com base em princípios lógicos apresentarão resultados muito estranhos se forem alimentados com dados incorretos. Do mesmo modo, a qualidade de sua fé depende bastante do que você ler e ouve ou da confiabilidade das informações com as quais você alimenta sua mente.
Um requisito fundamental para a fé é “um conhecimento exato da verdade”. (1 Tm 2,4) Segundo a Sagrada Escritura, apenas “a verdade” liberta – isso incluiu libertação de crenças enganosas, tanto cientificas como religiosas. (Jo 8,32).
O bom Deus promete recompensar com conhecimento, discernimento e raciocínio as pessoas que sinceramente buscam a verdade. – Pr 2,1-12. A fé fundamentada nos ensinamentos da Sagrada Tradição, Sagrada Escritura e do Sagrado Magistério é compatível com a razão.

RELIGIÃO E FÉ

“Para mim a noção de um cristianismo sem religião é contraditório e irrealista. A fé precisa expressar-se também como religião, porem não se pode reduzir a ela”.
Papa Bento XVI (1).

O ínclito Doutor Angélico Santo Tomás de Aquino de forma magistral faz a distinção entre Religião e Fé.
A Religião cai no âmbito da justiça, que é uma virtude cardeal; a Religião é, de fato, a justiça no exercício do culto devido a Deus. Portanto, a Religião é a mais excelente das virtudes morais, mas não é uma virtude teologal. A fé, ao invés, é virtude teologal, enquanto é emanação da Graça santificante, havendo Deus como objeto direto e como motivo.
As virtudes cardeais são o aperfeiçoamento natural da Pessoa Humana; as virtudes teologais constituem um aperfeiçoamento posterior, atuado pela Graça no homem que sabe acolhê-la. Exatamente porque a Religião é uma virtude moral, humana, há a própria medida na “mediedade”; de fato, todas as virtudes humanas se realizam no “justo meio”, isto é, na justa medida entre o excesso e o defeito (por exemplo, a coragem está no justo meio entre covardia e a temeridade); existe, portanto, um vício por “defeito”, ou seja, a não-religiosidade, e também um vício por excesso, que Tomás distingue segundo o modo (idolatria) e segundo o objeto (idolatria, divinação, vã observância). (Cf. Summa theol., II- qq. 92-100).
Santo Tomás de Aquino especifica que nada é “excessivo” para Deus, portanto, a natureza do excesso não está na proporção de Deus, que é infinito, mas relativamente ás realidades do culto, que podem cair no supérfluo. As virtudes teologais, ao invés, não se deixam medir. Em relação á Fé não se dão excessos; se dá negação, resistência, rejeição, de uma parte, e possibilidade indefinida de crescimento de outra (a fé, de fato, pode ser superior pelo número dos artigos cridos, pela firmeza do intelecto, pela prontidão da vontade).
Isto estabelecido ocorre esclarecer um outro termo muito importante, isto é, “crer”. Na Quaestio disputada XIV De fide, Tomás de Aquino, partindo da reflexão de Santo Agostinho argumenta com precisão a natureza do crer como ato do intelecto. Ele explica que, às vezes, o intelecto, não é determinado pelos princípios ou pelas conclusões conhecidas, mas pela vontade, que escolhe de dar o consentimento a uma proposição como motivo de qualquer coisa que é suficiente a mover a faculdade apetitiva, mas não a faculdade cognoscitiva. De fato, lá onde o conhecimento é intelectualmente seguro, não existe necessidade de crer para conhecer. Ás vezes, ao invés, se conhece um conteúdo crendo a um testemunho; não se trata de um ato cego, porque é fundado sobre o conhecimento da testemunha e sobre a avaliação da sua credibilidade. Se conhece crendo, toda vez que é o testemunho de um outro a fazer-me conhecer conteúdos que não posso acessar.
Portanto, “crer” é um ato do intelecto, cujo objeto é o “verdadeiro”, mas é movido ao assentimento (isto é, á afirmação: “sim, isto é verdadeiro”) pela vontade. Esta disposição em relação ás afirmações dos homens é muito mais forte em relação á Revelação Divina, onde a promessa da vida eterna constituiu um fortíssimo movente para a vontade. Na dinâmica do crer humano, que implica, seja o intelecto, seja à vontade, se enxerta o ato de Fé teologal, cujo principio é Deus mesmo. No intelecto, como Sujeito, reside o ato de crer, de que a Fé é o próprio principio. Portanto, a Fé implica um homem capaz de conhecer racionalmente. Afirma a doutora Lorella Congiunti, professora da Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano-Roma-Itália: “Fé e razão, corretamente entendidas, estão em recíproca harmonia e se implicam reciprocamente” (2).

CONCLUSÃO

Recebemos a fé como dom de Deus (Ef 2,8), e o apóstolo São Judas nos exortam a lutar por ela. Belo é a expressão de São Judas na sua Epístola sobre a fé: “A santíssima fé que foi dada aos santos” (Jd vv. 3 e 20).
Também recebemos do Criador a capacidade intelectual para o nosso governo e a ciência que é conhecer o Deus verdadeiro e a vida eterna (Gn 1,26-28; 2,20; Jo 17,3).
A razão iluminada pela graça de Deus, faz conhecer profundamente a ciência e a transcendência.

Pe. Inácio José do Vale
Professor de Historia da Igreja
Especialista em Ciência Social da Religião
E-mail: [email protected]

Notas

(1) Ratzinger, Joseph. Fé, verdade, tolerância – O cristianismo e as grandes religiões do mundo, São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciências Raimundo Lúlio, 2007, p. 49.
(2) Ecclesia, dezembro de 2010, p.15.
Papa João Paulo II, Carta Encíclica Fides et Ratio, 14 de Setembro de 1998.
Tomás de Aquino, In Div. Nom, c.7, l. 5. Q.81, a. 8.

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