Artigo do Padre José do Vale: Näo as Tragédias da Vida e Sim a Vida


03.02.2011 -  Tsunami na Indonésia, furacão Katrina nos Estados Unidos, terremoto no Haiti, desmoronamento de casas no Brasil, derramamento de poluente nos mares são desastres ambientais que nos recentes surpreenderam o mundo por conta dos danos humanos e materiais causados.
A natureza ferida, agredida e arrombada, reage com uma tamanha violência jamais prevista pela inteligência humana.
Quando o mundo acabou no Haiti, ás 4 e 53 da tarde de terça-feira, de janeiro de 2010 o mais terrível foi que, por algum tempo, os mortos viveram. Com a força infernal de trinta bombas atômicas, o terremoto aconteceu no pior lugar possível. Seu coração de terrível poder, o epicentro, praticamente coincidiu com as ruas e encostas esquálidas de Porto Príncipe, a capital. Pouca coisa resistiu. Os casebres, os prediozinhos precários, os escassos edifícios mais imponentes. O topo da catedral, com suas torres, desapareceram. O arcebispo morreu. O Congresso ruiu, com o presidente do Senado lá dentro. Hospitais, escolas, hotéis. Uma universidade inteira tragou 1000 viventes. No palácio presidencial em pomposo estilo francês, foi como se uma foice gigante tivesse ceifado o prédio na horizontal, e ele se reacomodasse, alguns metros mais abaixo. ”Estou andando sobre corpos“, disse Elisabeth Préval, a mulher do presidente, depois de escapar do choque mortífero que tudo engolfou. Zilda Arns, uma campeã da humanidade na luta para salvar crianças da desnutrição, não conseguiu escapar, da mesma forma que quase duas dezenas de militares brasileiros da força da ONU no Haiti. O prédio ocupado de cinco andares de funcionários civis da ONU também veio abaixo, com mais de 200 pessoas dentro, entre as quais o segundo no comando, o carioca Luiz Carlos da Costa (1).

A enxurrada que devastou áreas inteiras em Petrópolis, Nova Friburgo, e Teresópolis levou também parte de uma geração. Um levantamento preliminar feito pelo GLOBO mostra que cerca de 32% dos mortos da Região Serrana erma menores de idade. O mais novo deles tinha apenas cinco anos de vida, e morreu soterrado em Friburgo. Nas três cidades, as crianças com até 12 anos representam 21% do total das 601 vitimas que tiveram sua idade identificada. Nesse universo, 8% eram de meninos e meninas com no máximo 5 anos. A tragédia atingiu com maior força os moradores na faixa etária de 18 a 64 anos, justamente aqueles que formam a base de mão de obra das cidades. Do total, 59% dos mortos estavam nesse grupo. Os idosos, ou seja, aqueles com mais de 65 anos, somam 10% das vitimas. O mais velho deles, com 90 anos, morreu também em Friburgo. O baixo percentual de idosos e o grande número de jovens fez com que a media de idade dos mortos na Região Serrana se concentrasse nos 33 anos. Houve mais vítimas mulheres (51%) do que homens (49%).
A enxurrada que arrastou cidades da Região Serrana do Rio, há uma semana, já provocou mais mortes que um dos terremotos de maior magnitude da história: o sismo de 8.8 graus na escala Richter, que atingiu o Chile em fevereiro do ano passado. Até a noite de sábado, o número oficial de mortos na serra chegava a 794, quase três centenas a mais que a catástrofe do Chile (521). O número de desaparecidos também surpreende. No Chile, 56 corpos não foram encontrados. Na Região Serrana, segundo o Ministério Público, existem 430 desaparecidos. A quantidade de óbitos e o grau de devastação, sobretudo em Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, fazem com que a maior tragédia climática do Brasil seja equivalente a um terremoto, segundo especialistas e profissionais envolvidos nos resgates das vítimas das chuvas. Para o coordenador do Grupo Tecnológico e Ambiental da Coppe/UFRJ, Moacyr Duarte, que passou três dias nas cidades serranas, a enxurrada e os deslizamentos de terras formaram um cenário de terror somente comparável ao de fortes tremores de terra. “Ele se assemelha a um terremoto de grande magnitude ou a uma tsunami”, disse Duarte (2).

Bomba-Relógio

A expansão urbana sobre áreas naturais promove a perda de funções reguladoras do ciclo das águas. Assim, o excesso de água favorece a liquefação do solo com escorregamentos desastrosos. A retirada silenciosa da cobertura vegetal promovida por políticas e legislações equivocadas promove a perda desses serviços ambientais que nos protegem. A impermeabilização do solo urbano despreza sua porosidade, que propiciaria a absorção da água em excesso.
Já o parâmetro exposição é potencializado quando se permite a permanência de edificações em encostas, várzeas, margens de rios e lagoas e próximas à linha d’água das praias arenosas. Devemos agir preventivamente e não reativamente. Agir reativamente é reconstruir e contabilizar as vítimas de todo evento que se repete e cujo custo é no mínimo 17 vezes maior que os recursos necessários para as medidas preventivas. Preventivamente é agir antes que o gatilho ambiental exploda a bomba-relógio urbana que o homem vem montando.
“Para agilizar a recondução das estratégias preventivas, são necessárias ações como: monitoramento dos eventos climáticos; mapeamento de áreas perigosas para alertar a ocupação inadequada e a remoção; crescente participação dos governos federal e estadual nas obras de infraestrutura urbana e maior rigor no licenciamento da ocupação e uso do solo”, afirma David Zee é professor de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) (3).

Gordon Brown o ex-primeiro-ministro do Reino Unido, escreveu: “Para os paises pobres, a crise climática não é um problema abstrato, visto como algo para as futuras gerações, mas uma realidade severa, perigosa e urgente. A catástrofe ecológica já mata mil pessoas todos os dias, e uma nova onda de fome mundial se aproximam. E, embora a derrocada do clima tenha se estabelecido lentamente, os efeitos da tempestade financeira forma súbitos e severos. Atribuindo números á tragédia, teme-se que 400.000 crianças a mais morrerão anualmente, e que milhões em idade escolar crescerão sem a oportunidade de aprender a ler e escrever” (4).
“Muito gás carbônico, pouco gás carbônico: as duas situações são potencialmente desastrosas entre todos os seres vivos, somos os únicos que dispõe de ciência para entender esses perigos e nos contrapor a eles, teremos de guiar as mudanças no planeta e na biosfera se quisermos continuar aqui por milhões de anos a chance de manutenção da vida humana no planeta está no aprimoramento da ciência e da tecnologia”, afirma o paleontólogo americano Peter Ward, da Nasa e da Universidade de Washington (5).

Não é só a vontade política, o conhecimento da ciência e da tecnologia, mas o amor e o respeito pela dignidade da pessoa humana. Tudo é valido, tudo deve ser feito para proteger e salvar uma vida. A vida está acima de tudo. A vida é o dom mais precioso que temos. Não há nada mais belo do que o tesouro da vida.
Disse o grande dramaturgo alemão Bertolt Brecht: “Todas as artes contribuem para a maior de todas as artes, a arte de viver”.
Vamos amar, proteger e defender ardentemente o próximo, a natureza e tudo que é arte...

Pe. Inácio José do Vale
Escritor e Conferencista
Especialista em Ciência Social da Religião
E-mail: [email protected]

Notas

(1) Veja, 20/01/2010, p. 65.
(2) O Globo, 23/01/2011, p.16.
(3) O Globo, 23/01/2011, p.7.
(4) O Globo, 24/01/2010, p.7.
(5) Veja, 27/01/2010, p.17 e 21.

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