13.12.2010 - Bento XVI, testemunhas do Holocausto e novos livros dizem que o papa acusado de colaborar com o nazismo teria, na verdade, salvado milhares de judeus.
No mesmo livro em que se revela mais flexível sobre o uso do preservativo, “Luz do Mundo: O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos”, lançado no mês passado, Bento XVI toca em uma ferida que não cicatriza há mais de meio século. A autoridade máxima da Santa Sé conta que uma investigação sobre a vida de Pio XII (1876-1958) confirmou “aspectos positivos” daquele papa durante o período marcado pelo extermínio de seis milhões de judeus nas mãos de nazistas. Sumo Pontífice entre 1939 e 1958 e responsável, portanto, por conduzir a Igreja Católica durante a Segunda Guerra, Pio XII ganhou a pecha de Papa de Hitler por, supostamente, se omitir enquanto os judeus eram levados aos fornos de Auschwitz sob as ordens do Führer. Mas, além do próprio Joseph Ratzinger, livros e uma associação de judeus saem em defesa do controverso religioso de origem italiana.
No mês passado, Bento XVI reuniu-se no Vaticano com o judeu Gary Krupp, fundador da Pave the Way Foundation (Ptwf). Essa organização, que trabalha para eliminar os entraves entre religiões, havia conseguido, no início do ano, uma autorização para digitalizar e publicar cinco mil documentos dos arquivos secretos do Vaticano, datados entre 1939 e 1945. Até agora, a fundação já disponibilizou 40 mil páginas de documentos, artigos e vídeos com testemunhos de pessoas que contam como elas ou seus familiares teriam sido salvos por intervenção de Pio XII.
Um dos depoimentos foi feito pelo americano Robert Adler, membro da Comissão do Alabama para o Holocausto. De acordo com ele, seu pai, Hugo Adler, passou entre cinco e seis semanas escondido no Vaticano, em 1941, onde teria se encontrado com o papa Pio XII em várias ocasiões. Chegara até lá vindo de Viena, na Áustria, graças a uma rede da Santa Sé que atuava discretamente na Europa. “Meu pai teria morrido não fosse a intervenção de Pio XII”, diz Robert em vídeo disponível no site da Ptwf. Ao todo, Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, membro da nobreza italiana que mais tarde viria a se tornar Pio XII, “salvou pelo menos 700 mil judeus da morte certa pelas mãos dos nazistas”, segundo escreve o ex-cônsul de Israel em Milão Pinchas Lapide em seu livro “Três Papas e os Judeus”.
Apesar de famosos como o físico Albert Einstein e a ex-primeira-ministra israelense Golda Meir terem manifestado a sua gratidão pelos feitos de Pio XII durante a Segunda Guerra, muitos judeus tacham de covarde sua postura. “Pesa contra ele o fato de não ter sido ousado em desafiar o nazismo publicamente”, afirma o sociólogo Luiz Alberto Gomes de Souza, da Universidade Cândido Mendes. “Ele era diplomático, foi prudente em excesso. Ao passo que seu antecessor, Pio XI, fez críticas agudas ao nazismo e ao fascismo.”
Católicos defensores de Pio XII argumentam que ele agiu nos bastidores e preferiu não provocar Hitler para que judeus e católicos não sofressem retaliações maiores. Alguns dos documentos disponíveis no site da Ptwf mostram a atuação do bispo de Campagna, na Itália, Giuseppe Palatucci. Ele e dois irmãos teriam salvado cerca de mil judeus, seguindo instruções de Pio XII. Em Roma, 155 conventos e mosteiros abrigaram cinco mil judeus.
Faz um ano que Bento XVI proclamou venerável Pio XII, cujo processo de beatificação se arrasta desde 1965 – a controvérsia sobre sua atuação no período do Holocausto prejudicou o trajeto rumo à santidade. Das mãos de Krupp, da Ptwf, Bento XVI recebeu um exemplar de “Hitler, a Guerra e o Papa”, de Ronald Rychlak. Foi presenteado, também, com “O Contexto do Papa Pio XII”, ainda não publicado, escrito por Rychlak e pelo general Ion Mihai Pacepa. Ex-membro da inteligência que desertou do bloco soviético, Pacepa foi recrutado para pintar Pio XII como colaborador do nazismo. Ele conta no livro que o Kremlin queria difamar a Igreja por sua postura anticomunista. Em 1960, Nikita Kruchev aprovou um plano secreto para destruir a moral da Santa Sé.
Escolhido como alvo, o Papa Pio XII, que servira como núncio papal em Munique e em Berlin entre 1917 e 1929, época em que os nazistas ascendiam, deveria ser tachado de antissemita. Sob o disfarce de um agente romeno, Pacepa negociou um acordo que promovia a retomada das relações entre o Vaticano e a Romênia em troca do acesso aos arquivos da Igreja. Trono-12 era o nome dessa operação, que resultou, segundo ele, na peça “O Vigário”, de 1963. Traduzida para 20 idiomas, a obra retrata Pio XII como uma pessoa distante das mazelas da guerra, mais preocupada com as finanças da Santa Sé.
Neste ano, o Vaticano informou que a totalidade dos arquivos secretos sobre o pontificado de Pio XII – aproximadamente 16 milhões de textos – estará disponível em até cinco anos. Será a hora de descobrir se, nesse extenso roteiro, Pio XII encontrará a tão almejada absolvição, já cantada por muitos judeus.
Fonte: Revista ISTOÉ, dezembro 2010.
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