Bélgica: Fora o Padre, queremos nos encarregar dos batismos e da comunhão


Adicionado ao  www.rainhamaria.com.br  em  19.11.2010 -

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A trivialidade contra o sagrado na Bélgica: “Chegamos a uma fase da história em que não aceitamos que o padre tenha que ser o intermediário. Queremos nos encarregar dos batismos e da comunhão”.

Willy Delsaert (foto acima) é um ferroviário aposentado com dislexia que praticou muito antes de enfrentar a paróquia católica suburbana Dom Bosco para celebrar os rituais da Missa Dominical com os quais ele cresceu.

A reportagem é de Doreen Carvajal, publicada no jornal The New York Times, 16-11-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

“Quem toma este pão e come”, murmurou ele, quebrando uma hóstia com a sua esposa ao seu lado, “declara o desejo de um mundo novo”.

Com essas palavras, Delsaert, 60 anos, e seus amigos paroquianos, discretamente, estão sendo os pioneiros de um movimento de base que desafia séculos de doutrina da Igreja Católica Romana acerca do culto divino e da distribuição da comunhão sem um sacerdote.

Dom Bosco é uma das cerca de dez igrejas católicas alternativas que surgiram e cresceram nos últimos dois anos nas regiões de língua holandesa da Bélgica e da Holanda. Elas são uma reação inquietante a uma combinação de forças: uma escassez de padres, o fechamento de igrejas, a insatisfação com as nomeações do Vaticano de bispos conservadores e, mais recentemente, a consternação diante do encobrimento de abusos sexuais cometidos por padres.

As igrejas são chamadas de ecclesias, palavra derivada do verbo grego para “convocação”. Cinco delas começaram no ano passado na Holanda por católicos que se afastaram de suas paróquias existentes, e outras estão sendo planejadas, disse Franck Ploum, que ajudou a iniciar uma ecclesia em janeiro, em Breda, na Holanda, e está organizando uma conferência em rede para os grupos dos dois países.

Nestas igrejas do sudoeste de Bruxelas, os homens e mulheres são treinados como “condutores”. Eles presidem missas e os marcos da vida: casamentos e batismos, funerais e ritos finais. Os membros da Igreja assumiram-na há mais de um ano, quando o seu pároco se aposentou, sem deixar um sucessor. Na Bélgica, cerca de dois terços do clero tem mais de 55 anos, e um terço tem mais de 65 anos.

“Estamos resistindo um pouco como Gandhi“, disse Johan Veys, ex-padre casado que realiza batismos e recrutas os recém chegados para outras tarefas na paróquia de Dom Bosco. “Nossa intenção não é criticar, mas viver corretamente. Nós pressionamos quietamente, sem muito barulho. É importante ter uma comunidade onde as pessoas se sintam em casa e possam encontrar paz e inspiração”.

No entanto, eles parecem estar em rota de colisão com o Vaticano e a Igreja Católica da Bélgica. A Igreja belga foi surpreendida por um escândalo de abusos sexuais com 475 vítimas, e pela renúncia do bispo de Bruges, Roger Vangheluwe, que em abril passado admitiu ter molestado um menino durante anos, que depois se descobriu ser seu sobrinho.

Na visão de Roma, apenas padres ordenados podem celebrar missa ou presidir a grande maioria dos sacramentos, como o batismo e o casamento. “Se há pessoas ou grupos que não observam essas normas, os bispos competentes – que sabem o que realmente acontece – têm que ver como intervir e explicar o que está em ordem e o que está fora de ordem, se alguém pertence à Igreja Católica” disse o Pe. Federico Lombardi, diretor da Sala de Imprensa do Vaticano.

“Práticas inaceitáveis”

O primaz da Bélgica, o arcebispo André-Joseph Léonard, de Malines-Bruxelas, já levantou objeções aos serviços alternativos, chamando-os de “práticas inaceitáveis”. Mas se recusou a responder às perguntas, mantendo o compromisso de manter silêncio até dezembro. Ele foi envolvido em uma polêmica neste mês depois de ter criticado o julgamento civil de sacerdotes idosos por atos de pedofilia como uma “vingança” e ter descrito a Aids como “uma espécie de justiça inerente” para atos homossexuais promíscuos.

Para alguns católicos do movimento das ecclesias e acadêmicos da Universidade Católica de Louvain, Dom Léonard representa uma Igreja remota desconectada de um rebanho que anseia por rituais mais relevantes e participação ativa.

“Alguma coisa está começando a rachar”, disse o Pe. Gabriel Ringlet, ex-vice-reitor da Universidade Católica de Louvain, que está pensando em abandonar o termo “Católica” de seu nome. “Acho que a Igreja Católica belga está começando a sentir algo de excepcional, pela primeira vez em 40 anos. Muitos católicos estão acordando e se manifestando”.

Em Bruges, cidade no centro do escândalo da pedofilia da Igreja, um grupo católico alternativo chamado De Lier aborda os escândalos da Igreja em seus serviços semanais. De Lier – A Lira, em holandês – realiza cultos semanais em uma capela escolar com uma rotação de dois homens, duas mulheres e um padre. Nos serviços recentes, os membros da igreja leram trechos de um relatório de uma comissão da Igreja belga que examinou o estado das vítimas de abusos sexuais de menores. Eles manifestaram a vergonha de uma Igreja que silenciou as denúncias de abuso sexual e que usou uma linguagem advocatícia para evitar pedir desculpas.

Eles também simplificaram e personalizaram os rituais, enfatizando a importância da comunidade. Normalmente, eles se reúnem em torno de uma mesa com taças de cerâmica para o vinho e um pão redondo, e os membros são convidados a contar a história de suas alegrias e tristezas da semana anterior.

“Estamos procurando formas de viver a fé de uma forma moderna”, disse Karel Ceule, membro do Lier. “Se você olhar para a crise atual com o arcebispo Léonard, ele é um símbolo de uma Igreja velha e conservadora. Em Flandres, isso não funciona mais. Chegamos a uma fase da história em que não aceitamos que o padre tenha que ser o intermediário. Queremos nos encarregar dos batismos e da comunhão”.

Alguns bispos na Holanda e na Bélgica estiveram discretamente coletando informações sobre as Igrejas alternativas e reunindo-se com alguns dos seus membros. Pedro Rossel, porta-voz de Jozef De Kesel, o novo bispo de Bruges, disse que o prelado tinha conhecimento dos grupos, mas não os visitaria em breve. “Agora, ele tem outras prioridades. Ele tem muitos problemas com a questão dos abusos sexuais”, disse Rossel.

Enquanto isso, membros desses grupos dizem que não guardam segredo do que estão fazendo, especialmente se acontecerem mudanças por causa da falta de padres. “Se você perguntar para a diocese oficialmente sobre isso, eles vão lhe dizer que você não pode fazer isso”, disse Bart Vanvolsem, membro da paróquia Dom Bosco. “Eles dizem que se não há padre, não há missa. Mas Cristo está aqui”.

Nos estágios iniciais da Dom Bosco, algumas pessoas reclamaram que os serviços demoravam muito. Outros se incomodavam com a intimidade da reunião ao redor de uma longa mesa de madeira. Alguns membros não queriam liderar um culto. “Eu ainda sou muito tradicional para fazer isso”, disse Barbara Birkhölzer-Klein. “O que está acontecendo aqui é totalmente natural, mas eu ainda não posso fazer isso”.

Delsaert não tinha esses receios. Ele vestia uma estola com as cores do arco-íris e trazia suas anotações. “É a segunda vez”, disse ele. “Para mim, é muito intenso. Ler é muito difícil para mim, porque eu tenho dislexia”.

Quase 150 pessoas se reuniram ao seu redor para um encontro organizado por membros adolescentes que escolheram o tema da paz e da música de John Lennon e de Paul McCartney.

Delsaert fez um sermão simples que remontou aos seus anos como ferroviário, exortando os paroquianos a promover a paz, conversando com as pessoas em suas vidas diárias. Ao dizer “oi” para um usuário diário dos trens, disse Delsaert, “esse homem se abriu para conversar sobre os atrasos dos trens”. “Ele parecia muito mais feliz”, contou.

Durante o serviço, os adolescentes ficaram ao redor da mesa, enquanto uma declaração paroquial foi lida em voz alta: “Lamentamos a dor causada pelos padres e pelos responsáveis da Igreja. Lamentamos os danos às vítimas, à comunidade e à nossa Igreja”.

Depois, uma moça acendeu uma vela com as cores do arco-íris no centro da mesa. A trêmula chama foi acesa em memória às 475 vítimas belgas de abuso sexual.

Fonte: http://fratresinunum.com

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