O título do texto, que está na página 134 da edição do dia 28 de julho de 2010, é O maior legado de João Paulo II (e já está disponível no acervo digital da Veja). No texto, é lembrado o fato do papa ter confessado a importância de se deplorar os erros cometidos pelos filhos da Igreja no passado. “Assim, quando o segundo milênio já se encaminha para o seu termo, é justo que a Igreja assuma com maior consciência o peso do pecado dos seus filhos, recordando todas aquelas circunstâncias em que, no arco da história, eles se afastaram do espírito de Cristo e do seu Evangelho, oferecendo ao mundo, em vez do testemunho de uma vida inspirada nos valores da fé, o espetáculo de modos de pensar e agir que eram verdadeiras formas de antitestemunho e de escândalo” (Tertio Milennio Adveniente, n. 33).
Admitir que os filhos da Igreja, ao longo da história da humanidade, erraram, é uma atitude que, na modernidade, vem sendo praticada no contexto de uma condenável tentativa de se atacar a moral e a doutrina católicas. É preciso, portanto, se lembrar da recomendação dada pelo mesmo João Paulo II aos cientistas participantes no Simpósio sobre a Inquisição: “O Magistério eclesial não pode, certamente, propor-se a realizar um ato de natureza ética, como é o pedido de perdão, sem antes ter-se informado com exatidão acerca da situação daquele tempo. Mas nem sequer pode apoiar-se nas imagens do passado veiculadas pela opinião pública, uma vez que estão com frequência sobrecarregadas de uma emotividade passional, que impede a diagnose serena e objetiva. Se não tivesse isto em consideração, o Magistério faltaria ao dever fundamental do respeito pela verdade. Eis por que o primeiro passo consiste em interrogar os historiadores, aos quais não é pedido um juízo de natureza ética, que ultrapassaria o âmbito da sua competência, mas oferecer uma ajuda à reconstrução, a mais precisa possível, dos eventos, dos usos, da mentalidade de outrora, à luz do contexto histórico da época” (n. 4).
Normalmente, ao falarmos de assuntos históricos como as Cruzadas e a Santa Inquisição, os debatedores que defendem um ponto de vista muitas vezes maquiado pelo anticlericalismo comum nos discursos dos professores de história modernos apontam o “pedido de perdão” do Papa João Paulo II pelos erros dos filhos da Igreja como uma amostra de que, “realmente, a Igreja foi cruel e desumana no passado”. É sempre importante destacar que a análise do contexto histórico em que um determinado fato se deu é fundamental para que se possa fazer um julgamento deste teor. E é o próprio João Paulo II quem o afirma.
Voltemos, no entanto, ao texto que nos oferece a revista Veja:
“Durante 27 anos de papado e mais de 100 pedidos de desculpas, João Paulo II criticou o obscurantismo científico do clero, que perseguiu, entre outros, Galileu Galilei e Charles Darwin.”
Podemos classificar o trecho acima como um ponto negativo do artigo. João Paulo II nunca se referiu aos fatos polêmicos que se deram na história da Igreja como sendo frutos do “obscurantismo científico do clero”; essa visão tendenciosa da história é formada por aqueles que ainda acreditam que haja realmente uma contradição entre a ciência e a fé. Nem é preciso falar, por exemplo, dos grandes avanços científicos que foram obtidos nos últimos séculos graças ao árduo trabalho dos sacerdotes da Companhia de Jesus.
Quanto ao caso Galileu, recomendo que assistam ao vídeo extraído do programa apresentado nos EUA por Thomas Woods e divulgado aqui no blog; indico também a leitura de um artigo escrito pelo jornalista Marcio Campos: Afinal, o que aconteceu com Galileu Galilei? Os historiadores modernos estão cada vez mais cientes de que pensar que o caso Galileu foi a demonstração de um conflito entre a ciência e a Igreja é uma ideia sem fundamentos sólidos.
Apesar dessa péssima observação, o artigo da Veja traz uma conclusão realmente incrível, que tenho o prazer de transcrever abaixo:
“Em nenhum momento os papas reconheceram que a Igreja errou. (…) Como manifestação direta de Deus na terra, a Igreja Católica, como instituição, nunca erra. Quem erra são os homens que ocasionalmente ocupam cargos no seio da Igreja. Em muitas ocasiões, os pecados dos homens serviram de poderoso elemento de defesa retórica da instituição. Como explicar Alexandre VI (1492-1503), o papa Bórgia, dissoluto, (…) que comprou o voto decisivo de sua indicação para o trono de Pedro com quatro mulas carregadas de prata? Ter resistido a Alexandre VI pode ser tomado como a prova definitiva de que a Igreja Católica é sagrada. Fosse produto dos homens, ela teria perecido sob a avalanche de pecados do libertino papa Bórgia.”
A Igreja não é produto dos homens. Os ventos que tentaram, sem sucesso, derrubá-la são provas convincentes dessa realidade. Império Romano, Reforma Protestante, Napoleão Bonaparte, ditaduras socialistas… Nada destruiu e nada poderá destruir a Igreja. Ecoa, através dos séculos, a promessa de Nosso Senhor a Pedro: As portas do inferno não prevalecerão.
Graça e paz.
Salve Maria Santíssima!