04.07.2010 - Ó, Deus Pai! Alguém pode estar pensando que quero comprar um lotinho no céu, destes que são vendidos por algumas igrejas aos incautos deste mundo. Como se fosse possível adquirir mesmo um terreno lá na morada do Altíssimo.
O pior é que muita gente acha que sim. Que tem terreno à venda no céu e que se pode comprá-lo com dinheiro da terra, a suaves prestações... Para construir lá a casa eterna. Ah, as moradas do Senhor! Bom sabermos que há muitas delas por lá. E que merecer habitá-las tem a ver com os nossos atos nesta vida.
Quem manda para lá um material precioso, vai encontrar uma linda morada. Que manda coisa de péssima qualidade, ou nem manda, não pode esperar algo de encher os olhos, quando São Pedro vier atender na porta de entrada. “E aí, São Pedro, onde vou morar?”. O santo mostra uma casinha mixuruca, e a alma diz: “Mas eu fui muito rico na terra, não aceito essa coisinha simples, não”. São Pedro é obrigado a responder: “Nós construímos com o material que você nos enviou...”.
A moeda do céu é a caridade. E o material enviado para a nossa morada eterna deve ser do melhor: sacos e sacos de justiça, paciência, bondade, santidade, amor. Essas práticas fornecem a base de uma lindíssima mansão celeste. Se a gente vai enviando, aos poucos, o pessoal lá vai construindo nosso lugarzinho na eternidade.
Pueril, piegas, bobinho? Tá bom. Eu também achava. Até que, um dia, comecei a levar a sério e mandar para lá cimento do bom, tijolo de primeira, cal, argamassa, saibro e areia no capricho. Ferro, madeira, prego, telha, tubos e conexões de acordo com as especificações, que é para não ter surpresas desagradáveis pela frente...
No céu não tem aquele mico no ombrinho de ninguém. A propaganda das Alturas tem outra linguagem. Não tem marca, nem grife, nem estilo. Ninguém desfila. O céu não é fashion. É lugar de gente santa, lindos do meu coração! A Palavra diz que a “porta é estreita” – e larga é a porta da perdição. Temos de nos decidir entre uma e outra. Não tem meio termo, não dá para ser morno. Ou se é quente, ou se é frio. Sim, sim; não, não. Sabe como é? Então.
À nossa frente há sempre uma bifurcação. Pode notar. Estamos eternamente numa dúvida mortal. O que fazer? Que rumo tomar? Direito ou Gastronomia? Declaro meu amor a ele ou sofro calada? Troco de carro ou vou viajar? Caso ou desmancho tudo? Tenho um filho agora ou deixo para depois dos 30? Compro o sofá ou reformo a cozinha? Vendo tudo e vou morar numa praia ou num barco? E assim a vida vai seguindo o seu curso, o planeta azul vai girando em torno do Sol e os ciclos se cumprem, precisos e implacáveis.
Na encruzilhada à frente, temos de tomar outras espécies de decisões, muitas relacionadas à nossa vida espiritual. Quase sempre, há dois caminhos a seguir e eles se chamam “luz” e “trevas”. Está em nossas mãos decidir. Deus não obriga ninguém. Ele nos deu plena liberdade para fazer a nossa escolha final.
Bom, o terreninho que cobiço é aqui na Terra mesmo e fica num lugar privilegiado. Pelo menos, para mim. Está localizado no bairro onde nasci e cresci, onde vivi minha infância querida, na aurora da minha vida, que os anos não trazem mais. É um dos últimos naquela região. Fica na rua por onde passei a minha vida toda e continuo passando. Tem nome de santo, do qual sou devota: São Francisco de Assis. Fica a um quarteirão da igreja que amo tanto, a do Sagrado Coração de Jesus, dos frades capuchinhos, na qual fiz minha primeira comunhão e onde me casei.
É muita coisa, né? Estas doçuras nunca vêm até as nossas mãos. Só acontecem nos livros e nos filmes. Um terreninho no jeito, uma joia preciosa. Numa rua encantadora com nome de santo e que me faz sonhar. Mas a dona do terreno não o vende por nada. Já liguei, insisti. “Dona L. pretende construir nele, senhora Marisa”. “Está bem, obrigada pela informação”.
Ah, dona L., a senhora já é tão afortunada e mora numa mansão maravilhosa, bem na rua detrás do terreno. A senhora já mora no céu, pertinho da igreja do coração. Deixe este pedacinho de terra e de sonho para mim, dona L.! Seria lindo demais construir ali a minha “casinha de Nazaré”, pertinho da igreja amada. Da igreja que é como se fosse minha segunda casa, de tanto que a amo.
Tenho de me conformar. Este terreno, que seria um céu na terra para mim, não será meu jamais. Vejo os anos passando e dona L. nunca que começa a construir nele. Vai ver, desistiu. E pensando assim, crescem minhas esperanças.
Um lote no céu. Bem aqui, na Terra. Quando estou na cidade e vou embora para casa, dou um jeito de passar em frente dele. É caminho mesmo. Paro o carro, fico namorando o lote e faço uma prece. Minha mãe dizia: “o que é do homem, o bicho não come”. Digo baixinho ao meu pobre coração: o que tiver de ser, será.
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Marisa Bueloni mora em Piracicaba, SP. Formada em Pedagogia e Orientação Educacional