EUA: De adolescentes encrenqueiros a suspeitos de terrorismo


14.06.2010 - Um foi um garoto mimado era tão propenso a acessos de raiva – brigas, xingamentos, ameaças – que seus pais começaram a levá-lo a psiquiatras aos 6 anos de idade e a medicá-lo em uma luta em vão para controlar seu humor. Segundo o relato deles, seu pavio curto e língua incendiária o forçaram a mudar de escola 10 vezes.

O outro foi preso três vezes em menos de quatro meses por crimes menores e parecia um jovem sem rumo – até desenvolver uma paixão por uma versão rígida do Islã que chocou e alienou sua família dominicana. Em poucos anos, ele estava postando posições extremistas na internet e atacando os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que previa a queda do país.

As histórias deles começam como milhões de outras: adolescentes problemáticos que assustam e desconcertam seus vizinhos; problemas com a polícia enquanto ainda estão no colégio; pais que não conseguem competir com o senso de entrosamento ou propósito que seus filhos encontram em outro lugar.

“É claro que tentamos tudo o que podíamos”, disse Nadia Alessa, mãe de Mohammed M. Alessa, aquele que tinha acessos de fúria. “Nós não conseguíamos mantê-lo em casa”.

O capítulo seguinte dessas histórias frequentemente traça um mergulho nas drogas ou gangues, mas Mohammed Alessa, 20 anos, e Carlos E. Almonte, 24 anos, ambos criados nos subúrbios de Nova Jersey, aparentemente tinham outros planos. Eles foram presos na semana passada enquanto se preparavam para voar separadamente para o Egito – e, segundo as autoridades, se juntarem a um grupo militante na Somália para matar não-muçulmanos.

Como passaram de encrenqueiros a suspeitos de terrorismo poderá nunca ser entendido. Mas conversas com muitas pessoas que os conheciam – incluindo as primeiras entrevistas dadas pelos pais de Alessa desde a prisão – deixam claro que ambos enfrentavam problemas há anos, constantemente em choque com as autoridades e com seus pais imigrantes. As autoridades os observam há quase quatro anos.

Revolta guardada

Muitos de seus pares os desprezavam como convencidos infelizes, mais patéticos do que perigosos; amigos disseram que eles gostavam de jogar tênis de mesa ou ir ao restaurante Halal em Manhattan. Mas em transcrições de conversas secretamente gravadas, eles falavam em atirar e decapitar pessoas e em enviar as tropas americanas para casa “cortadas em mil pedaços”.

Os pais de Alessa, imigrantes palestinos, são muçulmanos, mas Nadia Alessa não sabe explicar a recente transformação de seu filho único. Ela lembrou de ter perguntado a ele por que estava deixando crescer a barba: “Ele disse que homens de verdade deixam crescer suas barbas”.

Após anos construindo uma vida nos Estados Unidos –um apartamento em North Bergen, uma lanchonete próxima de Bergen County, onde o pai de Mohammed Alessa, Mahmood, sempre concede crédito aos clientes, que o chamam de “Pops” – os pais agora veem tudo isso ameaçado por um filho que não entendem.

“Nós moramos dezesseis anos naquela rua”, disse Nadia Alessa. “Todos nos amavam. Agora todo mundo nos odeia.”

Um vizinho que conheceu Mohammed Alessa por grande parte de sua vida, Wilmer Precilla, disse que o jovem alternava entre o desejo de confrontação e aceitação, fazendo comentários pejorativos sobre os latinos em um bairro de maioria latina, então tentando sem sucesso entrar para uma gangue dominicana chamada Patria.

“Ele sempre tentou ser mais gângster do que todos os demais”, disse Precilla.

Amigos da família já viram Mohammed Alessa gritar com sua mãe, bater o carro de seu pai e, enraivecido, derrubar os alimentos da prateleira da lanchonete. Quando seus pais abalados tentaram levá-lo a terapeutas, ele gritava: “Eu não sou louco”.

Às vezes ele tomava medicação para controle da raiva, mas há cerca de três anos, disse sua mãe, ele parou de tomá-la e parou de ir aos terapeutas.

Os amigos de Mohammed Alessa, que conheciam seu temperamento, disseram para ele que ele precisava de ajuda médica –uma ideia que ele rejeitava. Seus pais lhe davam as roupas e celulares da moda, lembraram amigos e vizinhos. Um disse que ele agia como um típico “garoto rico americano”, apesar de seus pais não serem ricos.

“Ele foi um garoto mimado”, disse Nadia Alessa. “Ele agia como um adolescente. Ele se achava um rei.”

Ela disse que seu filho frequentou a escola primária pública local, duas escolas católicas, um internato em Connecticut, uma escola para jovens problemáticos, três escolas muçulmanas e dois colégios públicos, repetidamente se envolvendo em problemas por brigar ou xingar.

Nos dois colégios públicos, North Bergen e KAS Prep, Mohammed Alessa fez uma série crescente de ameaças contra estudantes e funcionários em 2005 e 2006, dizendo que explodiria a escola, mutilaria os gays e puniria as mulheres que não fossem submissas aos homens, segundo funcionários que falaram sob a condição de anonimato, por estarem discutindo assuntos confidenciais. Ambas as escolas alertaram o Departamento de Segurança Interna.

Em seu último ano do colegial em North Bergen, ele teve que receber suas aulas na biblioteca pública local, sob o olhar de um segurança, segundo Paul Swibinski, um porta-voz da escola, porque “os administradores sentiam que sua presença na escola representava uma ameaça à segurança dos demais estudantes e funcionários”.

Naqueles anos, disseram vizinhos, a polícia foi chamada várias vezes à casa de Alessa. A polícia de North Bergen se recusou a dar detalhes, notando que ficha criminal juvenil não é pública, mas o tenente Frank Cannella disse: “Nós o conhecíamos; isso eu posso lhe dizer”.

Destinos cruzados

Por volta de 2005, quando tinha 14 ou 15 anos, Mohammed Alessa conheceu Almonte, que morava em Elmwood Park, mas passava grande parte do seu tempo em North Bergen, a 16 quilômetros de distância. Os dois andavam com um grupo de jovens que chamavam a si mesmos de P.L.O. Mohammed Alessa não era particularmente religioso na época, mas Almonte, um recém-convertido ao Islã, estava se tornando muito mais.

Criado em uma família de imigrantes dominicanos, Almonte teve uma infância menos turbulenta. Mas aos 18 anos, ele também já tinha problemas com a lei.

Em maio de 2004, restando um mês para concluir o ensino médio no Elmwood Park High School, Almonte, um cidadão naturalizado, foi preso por levar uma faca ao campus. Em agosto daquele ano, ele foi preso por bater em outro jovem no estacionamento de um supermercado. Duas semanas depois, ele foi pego bebendo cerveja em um parque.

Foi naquela época, disseram amigos da família, que Almonte se converteu ao Islã. Ele contou a Priscilla Caicedo, uma jovem que conheceu no ano passado, que seu interesse começou quando ele ouviu alguém pregando em um shopping local. Ele visitou as mesquitas locais em Paterson e Union City e começou a chamar a si mesmo de Omar.

A conversão de Almonte, sua compulsão por proselitismo e sua amizade com Mohammed Alessa alienaram sua família, apesar dele ter continuado morando com ela. O atrito culminou na sala de estar da família em 23 de maio de 2009, quando, segundo um relatório da polícia, Carlos Almonte começou a pregar sobre o Islã para seu irmão mais novo, Elvin, que fez objeção, e “Carlos ficou furioso e eles começaram a brigar”.

A mãe deles tentou separá-los e Elvin mordeu o braço dela, pensando ser o de seu irmão. Carlos então acertou a parte posterior da cabeça de Elvin com uma moldura de foto.

Um jovem que foi amigo de ambos os suspeitos disse que Carlos Almonte era mais tranquilo e apoiador, uma pessoa que gostava de ler e usar computadores. Outro, Martin Robert, um estudante universitário, disse que às vezes quando jogavam tênis de mesa e basquete na casa de um amigo em comum, Carlos Almonte tentava mudar a conversa para o Islã, mas não insistia. “Ele parecia um cara legal e pacato”, disse Robert.

Outro estudante que os conhecia casualmente, Mostafa Higazi, disse que a dupla era “muito voltada para política”. Ele disse que Mohammed Alessa “realmente falava muito, apenas se gabando”, enquanto Carlos Almonte era quieto. Ele disse não se lembrar de coisas específicas que Mohammed Alessa tenha dito, mas que nada daquilo lembrava as ameaças na queixa-crime.

Caicedo conheceu Carlos Almonte há mais de um ano, quando ela levou seu computador para conserto na loja onde ele trabalhava, perto da casa dele. Mesmo na loja, ele lembrou, ele começou o proselitismo e lhe deu um livro sobre o Islã, que ela disse que nunca leu.

Eles conversavam e trocavam mensagens instantâneas, e saíram juntos uma vez, como amigos, em dezembro. Ele a levou a um serviço religioso em língua espanhola em uma mesquita em Union City, e então a um jantar no TGI Friday’s. Quieto e sério, ele disse para ela que queria encontrar uma esposa que soubesse que seu papel seria permanecer em casa, cozinhar e lavar. “Ele era como um daqueles homens que precisam ser dominadores”, ela disse.

Recentemente, disse Caicedo, ele lhe disse que estava de mudança para a Carolina do Norte e conversou para que ela ficasse com o emprego dele na loja de computadores. Horas antes dele ser preso no aeroporto, eles estiveram na loja, com Carlos Almonte a treinando para assumir sua função.

Terrorismo

Mas outros viram um lado mais sombrio nos suspeitos e em sua amizade. Em outubro de 2006, o FBI recebeu uma denúncia de que Mohammed Alessa e Carlos Almonte falavam sobre guerra santa e matar não-muçulmanos, de forma que as autoridades começaram a vigiá-los. Desde o início, as autoridades estiveram em contato com a família de Carlos Almonte.

“Eu tinha um bom relacionamento com o pai”, disse o detetive Anthony DiPasquale, de Elmwood Park. “Eu obtinha informação e a repassava ao FBI”.

Em fevereiro de 2007, enquanto Mohammed Alessa estava no último ano do colégio, ele e Carlos Almonte viajaram para a Jordânia; o FBI disse que foi na vã esperança de serem recrutados por um grupo militante jihadista.

Em uma página do Facebook iniciada em outubro de 2008, Carlos Almonte postou longas citações de eruditos islâmicos medievais e radicais atuais como Abu Qatada, considerado por muitos países como sendo um terrorista, e o clérigo jihadista Abu Hamza al Masri.

Carlos Almonte também ficou ultrajado com o tratamento dado aos prisioneiros muçulmanos acusados de terrorismo. Ele postou um comentário online a respeito de Omar Khadr, dizendo que ele sofreu abusos por parte dos interrogadores americanos. Khadr é acusado de ter ingressado na Al Qaeda quando tinha 15 anos e de ter atirado uma granada que matou um soldado americano. Ele escreveu: “Nós sentimos por nossos irmãos presos injustamente, apesar do Afeganistão não representar uma ameaça na época para a América para que ela o atacasse por causa de 2 torres, mas o final dela provavelmente será igual ao final da Pérsia, Roma e da União Soviética”.

Ele postou uma foto de si mesmo no protesto de 28 de dezembro de 2008 em Manhattan, segurando uma placa pedindo a morte de todos judeus. Carlos Almonte rejeitava a religião dos muçulmanos americanos, dizendo: “Na verdade, não é o Islã”. Ele demonstrava uma fixação particular pelas ideias de que todos os homens muçulmanos deveriam ser barbados e deveriam segurar as mãos uns dos outros.

No último ano ou dois, Mohammed Alessa também começou a falar às pessoas sobre Deus e deixou crescer a barba. Um novo amigo, Bassem, se tornou um companheiro frequente dele e de Carlos Almonte. Amigos e parentes de Mohammed Alessa agora acreditam que Bassem, que ofereceu receber os jovens na casa que ele disse que tinha no Egito, era o policial disfarçado de Nova York citado na queixa-crime e que gravou suas conversas.

“Ele os incitou”, disse Mahmood Alessa. Nadia Alessa disse que Bassem “queria ser um herói, à custa desses garotos estúpidos”.

Recentemente, Mohammed Alessa disse aos seus pais que planejava ir ao Egito para estudar árabe; ele falava a língua, mas não lia e nem escrevia muito bem.

Há cerca de duas semanas, Nadia Alessa tirou uma foto de seu filho que ela mantém em seu celular, uma lembrança de um momento sereno na casa da família. Ela mostra Mohammed deitado sobre uma colcha de retalhos com estampa florida, afagando a Princesa Tuna (atum), sua gata.

Ele disse que planejava levar a Princesa Tuna consigo para o Egito, mas ele deixou a gata e seguiu para o aeroporto com um saco grande de doces, que ele pegou na lanchonete de seus pais. O FBI confiscou os doces, disse sua mãe.

Um vizinho que conheceu Mohammed Alessa por grande parte de sua vida, Wilmer Precilla, disse que o jovem alternava entre o desejo de confrontação e aceitação, fazendo comentários pejorativos sobre os latinos em um bairro de maioria latina, então tentando sem sucesso entrar para uma gangue dominicana chamada Patria.

Fonte: UOL noticias


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