Sem Deus, o homem e a civilização perdem luz e alimento


29.01.2010 - Homilia proferida por mim na festa de Santo Tomás de Aquino em Missa celebrada no Instituto Cultural Santo Tomás de Aquino, de Juiz de Fora, MG, do qual sou membro.

Pe. Elílio de Faria Matos Júnior

Prezados irmãos e irmãs na santa fé católica,

Ao celebrarmos a memória de Santo Tomás de Aquino, patrono de nosso instituto, desejo reportar-me às palavras que o santo doutor, tomando-as emprestadas de Santo Hilário, escreveu logo no início de uma de suas mais importantes obras, a Summa contra gentes, e que bem representam a profunda espiritualidade do Aquinate e a vida mística que envolvia sua alma. Sim, Santo Tomás, além de filósofo e teólogo, homem das especulações profundas e áridas, era também um santo e um místico, homem da união com Deus. São estas as palavras: “Ego hoc vel praecipuum vitae meae officium debere me Deo conscius sum, ut eum omnis sermo meus et sensus loquatur”, isto é, “Estou consciente de que o principal ofício de minha vida está relacionado a Deus, a quem me sinto obrigado, de modo que toda palavra minha e todos os meus sentimentos dele falem”.

A vida mística, irmãos e irmãs, não deve ser vista como um luxo espiritual reservado a poucos cristãos; ao contrário, deve ser considerada como o termo natural de uma vida batismal fundamentalmente orientada pelas virtudes sobrenaturais da fé, esperança e caridade. Santo Tomás nunca fala de si mesmo ou de sua vida pessoal em seus escritos, que são abundantes. Mas, com a citação acima, deixou transbordar, como que não podendo impedi-lo, algo da rica torrente que irrigava o profundo de sua alma. Santo Tomás, com efeito, não só como estudioso e profundo conhecedor da condição humana, mas também por experiência própria, tinha a clara consciência de que o homem não pode ser autenticamente homem se prescinde de Deus, a fonte de seu ser, de sua vida.

O apelo à vida mística, fim da existência cristã, encontra hoje muitos desafios. Desde os fins da Idade Média, passando pelo Renascimento, a Revolução Científica, o Iluminismo, a Revolução Industrial, as ideologias de esquerda e de direita, até a vida contemporânea, assinalada pelo relativismo, consumismo e hedonismo, a cultura da nossa civilização ocidental tem se secularizado cada vez mais, e a fé em Deus, em muitas partes, comporta-se como uma chama que corre o risco de apagar-se por não encontrar mais alimento. A secularização da cultura é o movimento de volta para o mundo e para os valores do mundo. Existe um sentido positivo do termo secularização: aquele que reconhece a relativa autonomia das realidades temporais. Mas se se quer afirmar uma autonomia absoluta do mundo, que o desligue definitiva e irrevogavelmente de Deus, seu Criador, então caímos no secularismo, o modo negativo de entender o movimento de volta para o mundo. O mundo e o homem, meus irmãos e irmãs, se gozam de uma autonomia, esta só pode ser relativa, jamais absoluta. Em última análise, a novidade do mundo não está no mundo, mas fora dele, como ensina Santo Tomás. O mundo e o homem são realidades contingentes, cujo ser é recebido d’Aquele que é o próprio Ser subsistente – Ipsum Esse Subsistens.

A vida e os escritos do Aquinate, que a Igreja proclamou seu doutor comum – Doctor Communis Ecclesiae -, tem muito a nos ensinar hoje. Se almejamos um autêntico humanismo, não podemos deixar Deus de lado. Há quem diga que quem vive da fé, vive de forma alienada, e distancia-se da realidade. Mas a esses devemos perguntar: que é a realidade? É apenas o mundo material? São apenas as realidades temporais? Não. A realidade que vemos com os olhos da carne não é tudo nem é o mais fundamental. Em virtude do dinamismo de nosso espírito, podemos reconhecer uma realidade transcendente ao mundo e ao próprio homem, realidade fundamental, que é a causa primeira da realidade mundano-humana. Aquele, pois, que encaminha sua vida a Deus não vive fora da realidade; ao contrário, edifica sua vida sobre o fundamento inconcusso da “realidade mais real”, a Realidade primeira.

As sórdidas conseqüências da negação de Deus são bem conhecidas: falta de sentido para a vida; relativismo gnosiológico e também moral; disponibilidade da vida humana, pois que o homem passa a ser visto apenas como um ser mundano, considerado fruto do acaso ou das leis cegas da natureza; deficiência metafísica, pois que não se chega à explicação última do ser, contentando-se com as explicações científicas, que apenas dizem “como” as coisas se comportam, não podendo jamais ensaiar uma resposta para a questão das questões, segundo a formulação de Leibniz, vulgarizada por Heidegger: “Por que existe o ente ao invés do nada?”; enfim, sem Deus, o homem e a civilização perdem luz e alimento.

A missão precípua da Igreja nos tempos atuais – e porque não dizer: em todos os tempos? – é, como recentemente recordou Sua Santidade o Papa Bento XVI, abrir aos homens acesso a Deus. Não a qualquer Deus, mas ao Deus que fala por se Unigênito, Jesus Cristo, de cuja mensagem a Igreja é, por disposição divina, depositária e mensageira. Devemos encaminhar-nos ao Deus que se deixa encontrar, de maneira singular, nas ações litúrgicas da Igreja. Na belíssima homilia da noite de Natal de 2009, Bento XVI disse: “A liturgia é a primeira prioridade. Todo o resto vem depois”. E convidou a “colocar em segundo plano outras ocupações, por mais importantes que sejam, para nos encaminhar para Deus, para deixar que Ele entre em nossa vida e em nosso tempo”. Aliás, creio que a grande chave interpretativa do pontificado de Bento XVI seja a “primazia de Deus”, primazia que se deve manifestar na ações sagradas da liturgia e também em nossa vida pelo testemunho da fé, da esperança e da caridade.

Deixemos que o Doutor Angélico, neste dia em que celebramos sua memória, inspire-nos atitudes e palavras a fim de que Deus seja de fato a prioridade da nossa vida. Os escritos de Santo Tomás, sua experiência pessoal e, de modo especial, sua intercessão alcancem-nos a graça de sermos, neste mundo secularizado de hoje, testemunhas de que o homem é de Deus e para Deus, o Princípio e o Fim de todas as coisas.

Padre Elílio
Memória de Santo Tomás de Aquino

Fonte: http://beinbetter.wordpress.com/

 

 


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