Coube à bondade de Deus reparar por seu Filho a natureza humana corrompida


28.01.2010 - Hoje é dia de Santo Tomás de Aquino, doutor angélico. Aproveito a oportunidade para deixar o excerto de um documento desse grande santo da Igreja, chamado De Rationibus Fidei, cujas partes estão sendo publicadas em partes pelo padre Elílio em seu blog. No capítulo V do documento Santo Tomás fala da encarnação de Nosso Senhor. Por que se encarnaria o filho de Deus? É recomendada também a leitura do texto em que Santo Tomás expõe as cinco vias para se chegar ao conhecimento de Deus, também publicado aqui no blog. Nesse dia, invoquemos a intercessão de Santo Tomás para que possa nos ensinar a amar sempre mais a Igreja, ele, que foi exemplo de sabedoria e obediência.

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Qual foi a causa da encarnação do Filho de Deus

Tradução: Blog do Pe. Elílio

São Tomás de Aquino

Com semelhante cegueira de espírito, impugnam a fé cristã por confessar que Cristo, Filho de Deus, morreu, não entendendo a profundidade de tão grande mistério. E para que a morte do Filho de Deus não seja perversamente entendida, antes é preciso dizer algo sobre a sua encarnação. Não dizemos que o Filho de Deus esteve sujeito à morte segundo a natureza divina, pela qual é igual ao Pai e que é a fonte de toda vida, mas segundo a nossa natureza, que assumiu na unidade da pessoa.

Para considerar o mistério da divina encarnação, é preciso advertir que tudo o que age pelo intelecto opera pela concepção do intelecto, concepção que chamamos verbo, como é claro a respeito do construtor e de qualquer artífice, que opera exteriormente segundo a forma que concebe na mente. Sendo o Filho de Deus o próprio Verbo de Deus, conseqüentemente Deus fez todas as coisas através do Filho.

Qualquer coisa é feita e reparada pela mesma razão: se, portanto, uma casa for danificada, será reparada pela mesma forma de arte através da qual foi construída. Entre as criaturas feitas por Deus através de seu Verbo, a criatura racional ocupa o principal lugar, sendo que todas as demais criaturas servem-na e lhe parecem estar ordenadas; tal se dá de acordo com a reta razão, pois que somente a criatura racional tem domínio de seu ato pela liberdade de arbítrio. As outras criaturas, na verdade, não agem a partir do livre juízo, mas são levadas a agir por uma espécie de força da natureza. Quem é livre está acima do servo, e os servos são ordenados ao serviço dos livres e pelos livres são governados.

A falta da criatura racional, desse modo, segundo uma avaliação verdadeira, deve ser mais considerada do que o defeito de qualquer criatura irracional. Nem é duvidoso que, de acordo com o juízo de Deus, as coisas sejam julgadas segundo a verdadeira avaliação. É conveniente, portanto, que a sabedoria divina repare principalmente a falta da criatura racional, e isso mais do que se os céus fossem abalados ou outra coisa nas coisas corpóreas pudesse acontecer.

Há, contudo, dois tipos de criatura racional ou intelectual: uma separada do corpo, denominada anjo; outra unida ao corpo, que é a alma humana. Em ambas pôde dar-se a falta devido à liberdade de arbítrio. Digo falta não como deficiência do ser, mas como deficiência da retidão da vontade. A falta, ou defeito, é considerada principalmente em relação àquilo através do qual uma coisa opera, como quando dizemos que o artífice erra se houver deficiência naquilo através do qual ele deve operar; também dizemos que uma coisa natural é deficiente e danificada se a virtude pela qual age estiver corrompida, como quando há deficiência no poder de germinação da planta ou no poder de frutificação da terra. Aquilo através do qual a criatura racional opera é a vontade, na qual está a liberdade de arbítrio. Portanto, a falta da criatura racional está relacionada à deficiência da retidão da vontade, o que se dá pelo pecado.

Remover o defeito do pecado, que não é senão a perversidade da vontade, convém principalmente a Deus, e isso através de seu Verbo, pelo qual fez o universo das criaturas. Para o pecado dos anjos não há remédio, uma vez que, de acordo com a imutabilidade de sua natureza, não são passíveis de penitência em relação àquilo em que uma vez se convertem. Os homens, todavia, segundo a condição de sua natureza, têm a vontade mutável, de modo que não somente podem escolher o bem ou o mal, mas também, depois de escolhido um, podem arrepender-se e voltar-se ao outro; e essa mutabilidade da vontade do homem permanece tanto tempo quanto estiver unido à variação do corpo. Quando, porém, a alma estiver separada do corpo, terá a mesma imutabilidade da vontade que, naturalmente, tem o anjo; donde a alma humana não ser passível de penitência após a morte, não podendo converter-se do bem ao mal ou do mal ao bem.

Assim, coube à bondade de Deus reparar por seu Filho a natureza humana corrompida. O modo da reparação devia ser tal que conviesse à natureza a ser reparada e à desordem. À natureza a ser reparada porque, sendo o homem de natureza racional e ordenado pelo livre-arbítrio, devia ser reconduzido ao estado de retidão, não por coação externa, mas pela própria vontade. À desordem também porque, consistindo ela na perversidade da vontade, foi preciso que a reparação fosse feita por algo que reduzisse a vontade à retidão. A retidão da vontade humana consiste na ordenação do amor, que é a principal afeição. O amor é ordenado quando amamos, como Sumo Bem, a Deus sobre todas as coisas e referimos-lhe, como ao fim último, tudo o que amamos, e, ainda, quando, para que a justa ordem seja preservada, preferimos as coisas espirituais às temporais.

Nada pode ser mais eficaz para provocar nosso amor a Deus do que o fato de o Verbo de Deus, pelo qual todas as coisas foram feitas, ter assumido nossa própria natureza, de modo a ser Deus e homem, para nossa reparação. Primeiro, porque isso demonstra maximamente quanto Deus, que quis fazer-se homem para a salvação do homem, ama o homem. Nada mais provoca tanto o amor do que o fato de alguém saber-se amado. Depois, porque, tendo o homem o intelecto e o afeto voltado para as coisas corporais, não teria podido elevar-se facilmente ao que está acima de si. É fácil a qualquer homem conhecer e amar outro homem, mas considerar a altitude divina e a ela se dirigir pelo reto afeto do amor não é próprio de qualquer homem, mas daqueles que, pelo auxílio divino, com grande empenho e labor, se elevam das coisas corporais às espirituais. Portanto, para que a todos os homens se mostrasse fácil o caminho que conduz a Deus, quis Deus fazer-se homem, para que também os pequenos (os menos dotados) pudessem pensar em Deus e amá-lo como sendo-lhes semelhante, e, assim, por aquilo que podem apreender, pouco a pouco fossem levados ao que é perfeito. Por isso também, já que Deus se fez homem, é dada ao homem a esperança de participar da perfeita bem-aventurança, que só Deus possui naturalmente.

O homem, conhecendo sua enfermidade, mal poderia esperar pela posse da bem-aventurança, de que apenas os anjos são capazes e que consiste na visão e fruição de Deus, se tal posse lhe fosse prometida, a não ser que, de outra parte, lhe fosse mostrada a dignidade da natureza humana, tão estimada por Deus a ponto de ele querer fazer-se homem pela sua salvação. E, assim, pelo fato de Deus ter-se feito homem, foi dada ao homem a esperança de unir-se a Deus por beata fruição. O conhecimento de sua dignidade, que foi possível pelo fato de Deus ter assumido a dignidade humana, é também importante ao homem para que ele não submeta seu afeto a alguma criatura, cultuando pela idolatria os demônios ou quaisquer criaturas, nem se submeta às criaturas corporais por afeto desordenado. É indigno do homem, que possui tão grande dignidade e está tão próximo de Deus a ponto de Deus ter querido fazer-se homem, submeter-se desordenadamente a coisas inferiores a Deus.

Santo Tomás de Aquino
De Rationibus Fidei, cap. V

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Santo Tomás de Aquino,
rogai por nós!

Fonte: http://beinbetter.wordpress.com/

 


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