Reportagem da Revista ISTOÉ: Dez mil abortos e um suicídio


05.12.2009 - Ediçäo de Dezembro 2009

Médica acusada de interromper gestações é encontrada morta. Segundo a polícia, há evidências de que ela tirou a própria vida.

Quando a ex-médica mineira Neide Mota Machado foi denunciada em 2007 por praticar abortos em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, ela sabia que teria problemas. Não calculava, no entanto, que o abalo em sua vida seria tão significativo. Presa em julho daquele ano, era acusada de interromper a gestação de pelo menos 25 mulheres e de formação de quadrilha. Em 20 anos, teria realizado cerca de dez mil abortos em sua clínica, identificada como um espaço para orientação sexual e planejamento familiar. Na ocasião, o que mais chocava era a decisão da Justiça sul-matogrossense de punir as ex-pacientes por se submeterem ao aborto, como revelou ISTOÉ em reportagem de julho de 2008. Para Neide, começava ali a derrocada. Os amigos se afastaram, a situação financeira sofreu um abalo e ela chegou a ser proibida de exercer a profissão o Conselho Federal de Medicina cassou há cinco meses o diploma da anestesista. No domingo 29, Neide foi encontrada morta dentro de seu carro, segurando uma seringa de 10 mililitros, próximo à chácara onde vivia com a mãe. Ela iria a júri popular em fevereiro e, se condenada, pegaria no mínimo 25 anos e no máximo 79 anos de prisão.

A polícia não descarta nenhuma hipótese, mas a mais provável é de suicídio. O laudo preliminar da perícia reforça essa tese. Segundo os legistas, não havia sinal de violência no corpo. Uma marca de agulha na curvatura do antebraço esquerdo foi detectada. Como ela era destra, acredita-se que tenha aplicado em si mesma a substância que estava na seringa. Dois frascos com lidocaína também estavam no carro. O anestésico, usado por dentistas, só mataria alguém se aplicado em doses cavalares. Não parece ter sido o caso. É possível que a ex-médica tenha trocado a substância dos frascos por uma outra que levasse a uma parada cardíaca. E seu organismo não apresentaria vestígios de lidocaína. As suspeitas serão esclarecidas em cerca de 15 dias, quando sai o laudo final com as análises.

Outra evidência de que Neide tirara a própria vida é um bilhete que estava no banco ao lado dela. Parte do conteúdo divulgado pela Polícia Civil de Campo Grande dizia: “Deveria garantir que já estava dormindo quando sobrevivesse ao fim. Que não houvesse pânico, nem trauma, nem dor...”. É comum pessoas que se suicidam deixarem cartas com despedidas ou explicações. “O bilhete está na perícia para confirmar se a letra é dela”, diz o delegado Jefferson Luppe. Um casal chegou a conversar com Neide quando ela chegava a uma outra chácara para comprar leite de cabra, um hábito de seu cotidiano. As testemunhas afirmaram à polícia que a ex-médica já parecia ter alucinações, dizendo frases sem sentido como “essas crianças ficam mexendo no meu carro”. Minutos depois, ela teria seguido com o carro e parado mais adiante. Já estava morta.

O advogado de Neide, Ewerton Bellinatti, diz que na quarta-feira 25 ela acertara uma cerimônia de cremação em São Paulo. “Mas não notei nenhuma alteração no comportamento da minha cliente que sugerisse um suicídio”, diz. “É apenas uma hipótese de uma morte ainda não solucionada.” No sábado 28, Neide comprou um vestido azul, com o qual foi enterrada. A roupa, suspeitam os amigos, seria uma escolha para o velório. O corpo da ex-médica, porém, não foi cremado. A Justiça negou a liberação da cerimônia por considerar a possibilidade de exumação do corpo.

Viúva, 55 anos, sem filhos, formada pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, em Uberaba (MG), Neide era conhecida pela extroversão e pelo pavio curto. “Minha tia era brincalhona, decidida e estourada”, disse à ISTOÉ o sobrinho dela, Lucas Mota, 23 anos. Ele lembra que nas duas semanas anteriores à morte, Neide parecia mais abatida do que o normal. Andou um pouco quieta. Dias antes de morrer aparentava estar bem novamente. “Mas ela nem falava muito sobre os problemas judiciais que enfrentava”, diz. Lucas nega que a família tenha confirmado à polícia que Neide estivesse em depressão. Concorda, no entanto, que ela ficou ressentida com o sumiço de amigos depois do escândalo envolvendo sua clínica. A condição financeira também não era a mesma do passado – um aborto na clínica poderia chegar a R$ 20 mil (leia quadro). O casarão, um imóvel próprio, onde atendeu pacientes por duas décadas, está alugado para uma casa de repouso de idosos. Influente na sociedade de Campo Grande no passado era, por exemplo, uma das fundadoras da escola de samba Tradição do Pantanal –, atualmente levava uma vida de dona de casa.

Neide respondia o processo em liberdade por ser ré primária, ter bons antecedentes e residência fixa. Quando vieram à tona as denúncias, ficou foragida 81 dias e, na sequência, presa apenas um mês. Ela negou até o fim que realizasse abortos em sua clínica. “A psicóloga e as quatro enfermeiras que faziam parte da equipe da ex-médica ainda serão julgadas pelos 25 abortos e por formação de quadrilha”, diz o promotor Paulo Cezar dos Passos. Porém, as penas devem ser mais brandas do que seriam para Neide, pois a participação delas é considerada de menor relevância. Os dez mil abortos estão arrolados na acusação. Mas boa parte foi descartada por não apresentar provas conclusivas ou por ter prescrito (com mais de oito anos). As mulheres que há pouco mais de um ano estavam na mira da Justiça de Campo Grande por interromperem a gravidez, como mostrou a reportagem de ISTOÉ, não precisarão mais prestar serviços à comunidade. Hoje, de acordo com o promotor Passos, elas devem comparecer todo mês ao fórum, durante dois anos, para confirmar endereço, além de não poderem se envolver em qualquer ato ilícito. Um alívio para quem enfrentou uma decisão difícil e delicada na vida e viu a dor aumentar devido a uma punição.

Fonte: Revista ISTOÉ

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Lembrando...

Paganismo gera sociedades onde se aceita aborto e infanticídio, diz vaticanista

17.08.2009 - Roma.- O vaticanista italiano Sandro Magister assinala que o paganismo, especialmente em países como a China e Índia onde a evangelização é ainda incipiente, gera o desprezo pela vida de maneira concreta com o aborto e o assassinato de recém-nascidos. Para explicá-lo apresenta um artigo e um livro sobre a política abortista que na China exige que as famílias tenham um só filho.

Em sua habitual coluna, Magister se refere a um livro escrito pelo chinês Harry Wu, que atualmente vive nos Estados Unidos e preside a Laogai Research Foundation, que acaba de aparecer na Itália, "precisamente quando o parlamento aprovou, em 15 de julho, uma moção que comprometia ao governo italiano a apresentar à assembléia geral da Organização das Nações Unidas uma resolução contra o aborto como instrumento de controle demográfico e para confirmar o direito de toda mulher a não ser obrigada a abortar".

O livro, que em sua versão em italiano se chama "Matança de inocentes: A política do filho único na China", faz um balanço desta política anti-vida que se instaurou no país asiático em 1979, quer dizer há 30 anos.

Seguidamente Magister explica que "sobre tudo fizeram eco do livro na Itália dois jornais: o Avvenire, de propriedade da Conferência Episcopal, e o jornal Il Foglio, dirigido por Giuliano Ferrara, um intelectual não católico, muito comprometido na defesa da vida da criança por nascer e em promover uma moratória internacional contra o aborto".

Magister comenta logo que o interessante artigo "mostra que a matança das crianças por nascer e dos infantes não é prerrogativa só da China das últimas décadas, mas sim a acompanham muitas civilizações no lapso de milênios. Existia na antiga Roma pagã. Existia na China dos séculos passados. Existe na Índia de hoje. A expansão missionária do cristianismo freqüentemente o encontrou em seu próprio caminho".

Hoje, prossegue, "o aborto e o infanticídio voltam a ganhar terreno também no Ocidente. São moeda corrente do 'novo mundo' propugnado por especialistas em bioética como Peter Singer. Aparece em leis como a da eutanásia para crianças até os doze anos na Holanda".

"Os êxitos e os fracassos da expansão do cristianismo freqüentemente têm seu revés precisamente na prática desta matança", conclui.

Para ler o artigo de Francesco Agnoli publicado no IL Foglio titulado "Moratório contra os novos pagãos" analisado por Magister, ingresse em: http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/1339690?sp=e

Fonte: ACI
 


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