26.09.2009 - Não cometerei eu esta covardia nem preferirei o vulgar à verdade. Não são os pecados atuais menores do que os de então, mas tão mais abomináveis quanto os que nos ameaçam agora com o inferno e nem assim se corta pela raiz a maldade. Quem, dize-me, não chama de néscio ao seu irmão? Pois aquele que o faz é réu do fogo do inferno. Quem não olhou para uma mulher com olhos intemperantes? Pois isto é adultério consumado, e é forçoso que o adultério caia no inferno. Quem não jurou alguma vez? Pois o juramento vem absolutamente do maligno. E o que vem do maligno merece castigo absolutamente. Quem não teve alguma vez inveja de seu amigo? Pois isto nos faz piores que os gentios e os publicanos; e quem é pior que gentios e publicanos não há de escapar ao castigo, coisa patente a todo mundo. Quem desterrou de seu coração todo o rastro de rancor e perdoou os pecados de todos os que lhe ofenderam? Pois que quem não perdoar há de ser forçosamente entregue aos tormentos, nenhum ouvinte de Cristo ousará contradizer. Quem não serviu a Mammon? Pois quem serve a Mammom, forçosamente há de se negar ao serviço de Cristo, e aquele que renega o serviço de Cristo, forçosamente há de renegar sua própria salvação. Quem não maldisse ocultamente? Pois aos maledicentes, mesmo a antiga lei ordena que se lhes tire a vida e lhes passe a espada.
Pois bem, que consolo temos de nossos próprios males? Somente ver que todos, como que de comum acordo, se precipitam no abismo da maldade, quando isto justamente é a prova maior da enfermidade que nos aflige, pois tomamos como consolo de nossos males o que deveria ser motivo de maior dor! Na verdade, ter muitos como companheiros de pecado, não nos absolve de culpa, nem nos isenta de castigo.
Mas se alguém se desespera com o que já disse, aguarde um pouco e, quando lhe dissermos coisas ainda mais graves que estas, se desesperará ainda mais. Por exemplo, os perjúrios. Porque o jurar já é coisa diabólica, que castigo não nos acarretará o pisotear os juramentos? Se chamar alguém de néscio leva de pronto ao inferno, o que dizer de quem se desata em injúrias contra a seu irmão, que muitas vezes não lhe terá ofendido em nada? Se o mero rancor é digno de castigo, que tormento não merecerá o tomar vingança?
Porém não falemos ainda sobre isto, mas aguardemos para tratá-lo em seu devido tempo. Porque – deixando de lado as demais coisas – o próprio fato de estarmos obrigados a compor o presente discurso não é por si só prova suficiente da gravidade da enfermidade que nos aflige? Já é um limite extremo de malícia não sentir remorso dos próprios pecados e cometê-los sem dor alguma. Pois onde colocaremos estes novíssimos legisladores de uma nova e absurdíssima ordem de coisas que desterram com mais rigor aos mestres da virtude que outros aos do vício, e declaram uma guerra mais terrível aos que tentam corrigir o pecado e não àqueles que o cometem? Ou melhor dizendo, por estes não se incomodam nem pouco nem muito e nem lhes dirigem jamais uma reprovação; quanto aos outros, todavia, de boa vontade os comeriam vivos e só falta que se lancem pelas ruas gritando e pregando com seus ditos e feitos que é mister agarrar-se com unhas e dentes à maldade e não voltar jamais à virtude; e não parece que devam castigar só aos que a praticam, senão mesmo aos que se atrevem a abrir a boca em favor dela.
São João Crisóstomo
“Contra os impugnadores da vida monástica”, d. I, c. 12
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