O papel de Maria na obra da redenção


 27.07.2009 - Por que incessantemente os padres da Santa Igreja ousam chamar Maria de co-redentora? E mais: por que a chamam sublimemente de medianeira e bem-aventurada? É preciso, para responder a essa pergunta, entender qual a participação da Santíssima Virgem Maria na vida de Jesus Cristo e da própria humanidade. Tudo começa naquele momento da Anunciação do anjo Gabriel à Virgem Maria: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo”1. São Tomás de Aquino vê nessa saudação de Gabriel a Maria um gesto de profunda exaltação. Ele explica dizendo que, no Antigo Testamento, os homens costumavam reverenciar os anjos. “Mas um Anjo se inclinar diante de uma criatura humana – observa S. Tomás -, nunca se tinha ouvido dizer antes que o Anjo tivesse saudado à Santíssima Virgem, reverenciando-a e dizendo: Ave2. E completa:

“[N]ão convinha ao Anjo inclinar-se diante do homem, até, o dia em que apareceu urna criatura humana que sobrepujava os Anjos por sua plenitude de graças, por sua familiaridade com Deus e por sua dignidade”.

Esta criatura humana foi a bem-aventurada Virgem Maria. Para reconhecer esta superioridade, o Anjo lhe testemunhou sua veneração por esta palavra: Ave3.

Observa-se já aqui o grande respeito e reverência que os santos doutores da Igreja cultivam pela Virgem Maria. E, com efeito, a saudação usada pelo anjo Gabriel para exaltar Maria – cheia de graça – é totalmente incompatível com a situação de pecado existente em todos os homens. Santo Agostinho, em seu livro sobre a natureza e a graça, proclama: “Para honrar o Senhor, quando se trata a respeito do pecado, não se faça nunca referência à Virgem Santa. Sabemos que a ela foi dada uma abundância de graças maior, para triunfar completamente do pecado4. E observa: “Ela mereceu conceber Aquele que não foi manchado por nenhuma falta”5. Desse modo, enxergamos aqui o primeiro motivo pelo qual se presta uma digna reverência e veneração à Santíssima Virgem: a Sua magnífica santidade. A Igreja incansavelmente proclama, por meio do Seu Sagrado Magistério, que Maria foi preservada de toda mancha do pecado. E permaneceu assim até o fim de sua vida.

Embora o dogma da Imaculada Conceição viesse a ser proclamado somente no século 19, pelo santo Papa Pio IX, São Tomás de Aquino, ainda na Idade Média, dizia: “A Virgem foi preservada do pecado original, desde o primeiro instante de sua concepção e permaneceu sempre isenta de pecado mortal ou venial6. Tudo isso à Virgem Maria foi concedido graças à sua maternidade que viria a dar à luz o Filho de Deus. A humanidade inteira esperava o Messias, aquele que viria libertar o povo de Israel. E isso dependia do sim de Maria. E ela o deu: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”7. A partir desse momento, Nossa Senhora passou a ser a cooperadora direta na obra da redenção, sendo, ao mesmo tempo, principal mediadora entre Jesus Cristo e os homens. Foi, de fato, por meio de Maria, que Cristo pode vir à humanidade e remi-la. Se a sua boca não tivesse pronunciado as palavras de submissão à vontade do Pai, Cristo não remiria os nossos pecados e não haveria redenção. Por isso chamamos Maria de co-redentora.

Do mesmo modo, quando Maria permitiu que habitasse em seu corpo o Filho de Deus, tornou-se ponte. Por meio dela, Cristo pode vir ao mundo. Por meio dela, a salvação pode chegar a cada um de nós. Todos os bens que Jesus viria a nos oferecer em seu ministério terrestre só vieram a cada um de nós graças à submissão de Maria e à sua vontade em realizar a obra do Salvador. João Paulo II, na encíclica Redemptoris Mater, reconhece:

“A maternidade de Maria, profundamente impregnada da atitude esponsal de “serva do Senhor”, constitui a dimensão primária e fundamental daquela sua mediação que a Igreja Lhe reconhece, proclama e continuamente “recomenda ao amor dos fiéis” porque confia muito nela. Com efeito, importa reconhecer que, primeiro do que quaisquer outros, o próprio Deus, o Pai eterno, se confiou à Virgem de Nazaré, dando-lhe o próprio Filho no mistério da Encarnação. (…) Se ela mesma foi quem primeiro experimentou em si os efeitos sobrenaturais desta mediação única – já quando da Anunciação ela tinha sido saudada como “cheia de graça” – então tem de se dizer que, em virtude desta plenitude da graça e de vida sobrenatural, ela estava particularmente predisposta para a “cooperação” com Cristo, único mediador da salvação humana. E tal cooperação é precisamente esta mediação subordinada à mediação de Cristo8.

São Luís de Montfort, no “Tratado de Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”, proclama que “Deus Pai só deu ao mundo seu Unigênito por Maria. Suspiraram os patriarcas, e pedidos insistentes fizeram os profetas e os santos da lei antiga, durante quatro milênios, mas só Maria o mereceu, e alcançou graça diante de Deus, pela força de suas orações e pela sublimidade de suas virtudes. Porque o mundo era indigno, diz Santo Agostinho, de receber o Filho de Deus diretamente das mãos do Pai, ele o deu a Maria a fim de que o mundo o recebesse por meio dela9. Os Santos Padres e toda a rica doutrina da Igreja são unânimes em afirmar a santidade e a imaculada conceição de Maria, assim como a plenitude das suas graças, o seu papel de co-redentora e ao mesmo tempo a mediação que ela exerce entre Jesus e os homens.

1.      A mediação de Maria

A Igreja, por meio do Concílio Vaticano II, esclareceu eficazmente a doutrina católica da mediação de Maria. De fato, “há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo”10, e a Igreja não nega essa realidade. Contudo, analisando-se o contexto da carta de São Paulo a Timóteo, observamos que a Bíblia exclui a existência de outras mediações concorrentes com a de Jesus Cristo; não exclui, contudo, que haja mediações subordinadas à única mediação de Jesus. Ora, o próprio São Paulo recomenda, em 1 Tm 2,1s “que se façam preces, orações, súplicas, ações de graças por todos os homens…”. Não é, pois, a oração uma forma de mediação? Dessa maneira – esclareço – Deus não quer mediações que atrapalhem a sua relação com os homens; mas sempre busca que existam mediações que completem essa única mediação exercida por Jesus.

Assim, quando falamos da mediação de Maria, falamos exatamente dessa mediação que leva a mediação única de Cristo à plenitude da perfeição. São Luís de Montfort, citando São Boaventura e São Bernardo, afirma que “para ir a Jesus é preciso ir a Maria, pois ela é a medianeira de intercessão. Para chegar ao Pai eterno é preciso ir a Jesus, que é nosso medianeiro de redenção11. Essa oportuníssima distinção de mediações que São Luís de Montfort faz é importante para que não confundamos a única mediação de Jesus com a mediação de intercessão da Virgem Santíssima.

Mas pode-se ainda dizer que talvez a mediação de Maria seja concorrente à mediação de Jesus. Contudo, não existe conversa mais falaz e enganadora. A Igreja ensina que “todo o influxo salutar da Santíssima Virgem em favor dos homens se deve ao beneplácito divino e dimana da superabundância dos méritos de Cristo, funda-se na sua mediação, dela depende absolutamente, haurindo aí toda a sua eficácia; de modo que não impede o contato imediato dos fiéis com Cristo, antes o facilita12. Ora, Maria foi aquela que possibilitou que Jesus viesse ao mundo. Atrapalharia ela que o mesmo Cristo que em seu ventre foi gerado chegasse a todos os homens? Não, muito pelo contrário; e o Papa João Paulo II tratou inclusive de mostrar a estreita ligação entre a mediação de Maria com a sua maternidade, dizendo que “a função maternal de Maria para com os homens de modo nenhum obscurece ou diminui esta única mediação de Cristo; mas até manifesta qual a sua eficácia”13.

A alusão mais evidente da mediação de Maria na Sagrada Escritura está no Evangelho de São João, na narração do primeiro milagre de Jesus, nas Bodas de Caná14. Os homens, representados pelos convidados da festa, sentiram a necessidade do vinho. Assim, rogaram à Mãe de Jesus para que pedisse a seu Filho que fizesse algo em favor deles. Ela foi e disse-Lhe: “Eles já não têm vinho”15. E Jesus então foi e transformou a água em vinho. É dessa maneira que se realiza a mediação de Maria. Ela de nenhum modo ofusca a relação dos homens com Cristo. Ora, ela mesmo disse aos homens: “Fazei o que Ele [Jesus] vos disser”16!

Ainda sobre a natureza da mediação de Maria, São Luís de Montfort observava que “ela é o meio mais seguro, fácil, mais rápido e mais perfeito de chegar a Jesus Cristo”17.

2.      A Honra à Virgem Mãe de Deus nas Escrituras

São Paulo, na Carta aos Romanos, pediu aos cristãos: “Saudai Maria, que muito trabalhou por vós”18. E a própria Nossa Senhora, por meio do Magnificat, proclamou a honra que todos os cristãos viriam a prestar a ela: “…me proclamarão bem-aventurada todas as gerações”19. São Luís Grignion de Montfort observou o modo como haviam de prestar honra à Santíssima Virgem:

“Toda a terra está cheia de sua glória, particularmente entre os cristãos, que a tomam como padroeira e protetora em muitos países, províncias, dioceses e cidades. Inúmeras catedrais são consagradas sob a invocação do seu nome. Igreja alguma se encontra sem um altar em sua honra; não há região ou país que não possua alguma de suas imagens milagrosas, junto das quais todos os males são curados e se obtêm todos os bens. Quantas confrarias e congregações erigidas em sua honra! Quantos institutos e ordens religiosas abrigados sob seu nome e proteção! Quantos irmãos e irmãs de todas as confrarias, e quantos religiosos e religiosas a entoar os seus louvores, a anunciar as suas maravilhas! Não há criancinha que, balbuciando a Ave-Maria, não a louve; mesmo os pecadores, os mais empedernidos, conservam sempre uma centelha de confiança em Maria. Dos próprios demônios no inferno, não há um que não a respeite, embora temendo”20.

A Bíblia é clara em afirmar a santidade de Maria. Pois, Jesus, puro, não poderia vir duma mulher impura. “Quem fará o puro vir do impuro?”21; “Que coisa pura poderá vir do impuro?”22. Jesus Cristo, o Santo, não poderia se encarnar no seio de uma mulher pecadora e por isso escolheu Maria para vir ao mundo. Escolheu Maria para ser essa ponte entre Deus e os homens, trazendo ao mundo o único mediador, Jesus Cristo, Filho de Deus.

Não há dúvidas que a finalidade principal da honra que se presta à Mãe de Deus é honrar mais perfeitamente a Nosso Senhor Jesus Cristo, uma vez que toda devoção verdadeira tem por fim último a adoração genuína ao Mestre, ao Alfa, ao Ômega23. “Se estabelecermos, portanto, a sólida devoção à Santíssima Virgem – observa São Luís de Montfort24 -, teremos contribuído para estabelecer com mais perfeição a devoção a Jesus Cristo, teremos proporcionado um meio fácil e seguro de achar Jesus Cristo. Se a devoção à Santíssima Virgem nos afastasse de Jesus Cristo, seria preciso rejeitá-la como uma ilusão do demônio”.

Então não precisamos temer em honrar à Virgem Santíssima. Ela é um caminho fácil e seguro para se chegar a Jesus Cristo. A honra à Ela só aumenta nossa fé em Jesus.

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(1) Lc 1,28.

(2) O Pai Nosso e a Ave Maria, Sermões de São Tomás de Aquino, A saudação angélica, Ave, 2.

(3) O Pai Nosso e a Ave Maria, Sermões de São Tomás de Aquino, A saudação angélica, Ave, 4.

(4) O Pai Nosso e a Ave Maria, Sermões de São Tomás de Aquino, A saudação angélica, Cheia de Graça, 6.

(5) O Pai Nosso e a Ave Maria, Sermões de São Tomás de Aquino, A saudação angélica, Cheia de Graça, 6.

(6) O Pai Nosso e a Ave Maria, Sermões de São Tomás de Aquino, A saudação angélica, Cheia de Graça, 6.

(7) Lc 1,38.

(8) Encíclica Redemptoris Mater, nº 39.

(9) Tratado de Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 16.

(10) 1 Tm 2,5.

(11) Tratado de Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 86.

(12) Encíclica Redemptoris Mater, 38.

(13) Encíclica Redemptoris Mater, 38.

(14) cf. Jo 2,1-12.

(15) Jo 2,3.

(16) Jo 2,5

(17) Tratado de Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 55.

(18) Rm 16,6.

(19) Lc 1,48.

(20) Tratado de Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 9.

(21) 14,4.

(22) Eclo 34,4

(23) cf. Ap 1,8.

(24) Tratado de Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, 62.

Fonte: http://beinbetter.wordpress.com/


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