13.07.2009 - “Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado em favor de vós” (Lc 22,20).
JESUS, TEU SANGUE.
Jesus, teu sangue e a tua justiça
São agora minha beleza,
Minha gloriosa vestimenta
Entre os mundos flamejantes,
Coberto por estas vestes,
Com alegria me exultarei.
Com ousadia me apresentarei
No teu grande dia,
Pois quem haverá de trazer acusação
Contra mim?
Totalmente absolvido estou por teu sangue,
Livre do pecado e do medo,
Da culpa e da vergonha.
Senhor, eu creio que teu precioso sangue,
Que eternamente, diante do propiciatório de Deus,
Suplica em favor dos pecadores –
Foi derramado por mim,
Sim, por minhas transgressões.
Senhor, eu creio que ainda que os pecadores
Fossem mais numerosos que a areia nas praias do mar,
Por todos eles o resgate que pagaste bastaria,
Para todos obtiveste plena expiação.
Letra do hino escrito pelo
Conde Nicolau Von Zinzedorf (1700-1760)
Bispo da Igreja Moraviana
Temos conhecimento da máxima importância do alto conceito de sangue no judaísmo e no cristianismo pelo fato de que a palavra ou palavras concernentes ocorrem mais de 400 vezes na Sagrada Escritura. Esta importância origina-se da antiga idéia de que o sangue é o princípio da vida (Lv 17,11). De modo que a proibição de usar o sangue como alimento (Gn 9,4; Lv 7,26).
O derramamento de sangue dos animais era a forma principal no sacrifício, especialmente de expiação (Lv 16,3-11).
A Aliança da Antiga Lei foi selada com sangue de animais (Ex 24,1-11). É nesta linha de pensamento do Antigo Testamento, do aspecto religioso ou sacrificial do sangue que o conceito de sangue no Novo Testamento de Jesus Cristo, foi desenvolvido, especialmente pelo teólogo da graça, doutor dos gentios, o apóstolo São Paulo.
Nosso Senhor Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, derramou o seu puro, imaculado, inocente e mais precioso do que tudo e todos, o seu sangue para selar uma vez por toda a Nova Aliança eterna para a redenção e remissão dos pecados (Mt 26,28; Rm 5,9; Ef 1, 7; Cl 1,14; Ap 5,8-10).
A cruz é a revelação de todo o mistério da redenção. O Cristo crucificado é a sabedoria e o mistério de Deus revelado para nossa justiça, santificação, redenção e conhecimento da vontade de Deus (1 Cor 1,23-30; 1-7; Ef 1,7-9).
A MENSAGEM DA CRUZ
“Eu mesmo, quando fui ter convosco, irmãos, não me apresentei com o prestígio da palavra ou da sabedoria para vos anunciar o mistério de Deus. Pois não quis saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado” (1 Cor 2,1.2).
O valoroso servo de Deus Rev. A. W. Tozer, escreveu em 1946 para a revista The Alliance Witnesse: “A mensagem de Cristo é manipulada na direção da moda corrente a fim de torná-la aceitável ao público. A filosofia por trás disso pode ser sincera, mas na sua sinceridade não impede que seja falsa. E falsa por ser cega, interpretando erradamente todo o significado da cruz. Os místicos, os reformadores, os revivalistas, colocaram aí a sua ênfase, e sinais, prodígios e poderosas operações do Espírito Santo deram testemunho da operação divina. Ousaremos nós, os herdeiros de tal legado de poder, manipular a verdade?”.
Hoje, com muita tristeza e pesar em nossas mentes e corações, a verdade está sendo manipulada, negligenciada, negociada e misturada com muitas heresias.
A sublime pregação da mensagem da Cruz de Cristo, da salvação dos justos e a condenação dos ímpios têm desaparecido de muitos pregadores e escritores atuais.
Estamos vendo e lendo demasiadamente: passeata e show gospel, batalha espiritual (péssimo teatro); onda apostólica com ou sem G12; igreja em células (e células sem igreja); literaturas de auto-ajuda (e ajuda sem poder do alto); a indústria profissional de crescimento de igrejas (conferencistas badaladíssimos e caríssimos, local e preço do evento caríssimo, e o resultado são igrejas inchadíssimas; idolatria pelo glamour da mídia (pastores eletrônicos); e espetacularização do líder animador dos cultos shows; (o templo é o shopping center da fé: vende de tudo); o ápice é a luxúria propiciada pelo lucro exorbitante da herética teologia da prosperidade.
Tudo isso é o falso evangelho da perdição dos enganadores pregadores que usando em sacrilégio o santo nome de Jesus e a Bíblia Sagrada para roubar o tempo e o dinheiro do povo.
O evangelho da perdição é o evangelho sem cruz. Seu ensino é do relativismo doutrinário e a banalização dos sacramentos. Estes são praticados no entendimento de uma ação mágica e esotérica.
Vivemos a era sem a mensagem da cruz; dos pregadores sem Deus, do evangelho sem a boa notícia, dos templos sem igreja, do culto sem a verdadeira adoração e da Bíblia sem a verdadeira interpretação. O resultado é uma propaganda da vida anticristã, ou uma nação dita cristã, no entanto, sem Cristo e sem o seu evangelho da cruz.
SANGUE E ÁGUA
“Mas um dos soldados traspassou-lhe o lado com a lança e imediatamente saiu sangue e água” (Jo 19,34).
Muitos Santos Padres da Igreja viram no sangue e na água que brotou do lado aberto de Jesus Cristo na Cruz, o símbolo da Eucaristia e do Batismo, e, nesses dois Sacramentos, o sinal da Igreja, nova Eva, que nasce do novo Adão (Ef 5,21-32; 1 Cor 15,45-49).
Escreve Santo Agostinho de Hipona: “Adão dorme para que nasça Eva. Cristo morre para que nasça a Igreja. Enquanto Adão dorme, Eva se forma do seu lado. Quando Cristo acaba de morrer, Seu lado é aberto por uma lança, para que dali corra os Sacramentos para formar a Igreja” (Tractatus in Joannem, X, cap. II, nº 10).
De igual modo segue tal ensinamento em São Boaventura: “Para que do lado de Cristo, morto na cruz, se formasse a Igreja e se cumprisse a Escritura que diz: ‘olharão para Aquele que transpassaram’, a Divina Providência permitiu que um dos soldados Lhe abrisse com a lança o lado sacrossanto e d’Ele fizesse brotar Sangue e Água. Este é o preço de nossa redenção, saído daquela divina fonte, isto é, do íntimo do Seu Coração, para dar aos Sacramentos da Igreja o poder de conferir a vida da graça e se tornar para aqueles que vivem em Cristo uma fonte de Água Viva que jorra para a vida eterna” (LH, III, p. 635).
Um ilustre historiador moderado que serviu ao exercito do imperador Constâncio, chamado Amiano, disse sobre o cristianismo: “A Religião Cristã, que em si mesma, é clara e simples”. Este pensamento foi dito em oposição ás questões teológicas complicadas que resultaram em grandes heresias, cismas, discórdia civil e derramamento de sangue.
Jesus começou a pregar e a dizer: “Arrependei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus” (Mt 4,17). O anúncio do Evangelho de Cristo é simples ao pecador.
São Pedro pregando disse: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, a fim de que sejam apagados os vossos pecados” (At 3,19).
“Aquele que crer e for batizado será salvo” (Mc 16,16). “Prosseguindo pelo caminho, chegaram onde havia água. Disse então o eunuco: “Eis aqui a água. Que impede que eu seja batizado? E Filipe o batizou” (At 8, 34-38).
Disse Jesus: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna” (Jo 6,54).
São Cirilo de Alexandria afirmou: “Pela comunicação do seu corpo e sangue, Cristo está em nós e nós nele”. Este é o grande mistério revelado para aqueles que se converteram pela sublime mensagem da Cruz de Cristo e pode dizer com a consciência da sabedoria celestial revelada pelo Espírito Santo: “Comemos o Pão e bebemos o Cálice e anunciamos a morte do Senhor até que ele venha” (1 Cor 11,26).
Quem vive a vida cristã na radicalidade da mensagem da cruz, caminha em direção a vida eterna. Jamais se deixa escravizar as coisas terrenas e se engana com os pregadores da idolatria do dinheiro e suas mensagens materialistas.
“Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos ansiosamente como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que transfigurará o nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso, pela força que lhe dá poder de submeter a si todas as coisas” (Fl 3,20.21).
Como cidadãos dos céus, buscamos e pensamos nas coisas do alto, onde Cristo está sentado á direita de Deus (Cl 3,1-4).
CRÊ NO ALIMENTO DA IMORTALIDADE
“Disse Jesus: Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim, nunca mais terá fome, e o que crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6,35).
“Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (Jo 6,51).
São João Crisóstomo disse: “Os que crêem tem o Cristo inteiro dentro de si, e na Eucaristia seu corpo é colocado diante de nós a fim de que o recebamos” (Comentário sobre Mateus, Homilia 83).
Assim como a água tem uma dupla função, o mesmo ocorre com o sangue. Quando a água é usada para lavar, o resultado é purificação ou limpeza; quando é usada para beber, somos refrescados e reanimados. Todos conhecem a diferença entre as duas funções. Por mais necessário e agradável que seja usar a água para limpeza, é muito mais essencial e revigorante usá-la para beber. Sem sua ação de purificação, não podemos viver como devemos; contudo, sem bebê-la, não podemos nem viver. É só quando é ingerida que a água exerce seu poder de sustentar a vida.
Sem beber o sangue do Filho de Deus – ou seja, sem a mais plena e intensa apropriação dele – não se pode ter vida eterna.
Portanto, beber o sangue significa que há uma função do sangue que vai muito além de purificação ou santificação; o sangue não só realiza algo por nós, colocando-nos num novo relacionamento com Deus, mas também efetua algo em nós, renovando-nos interiormente. É isso que Jesus quis mostrar quando disse: “Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tende vida em vós mesmos” (Jo 6,53).
Todo ser vivo criado precisa buscar nutrição fora de si mesmo. A vida natural é sustentada por pão e água. A vida celestial precisa ser nutrida por comida e bebida celestiais, fornecidas pelo próprio Jesus. Nada menos do que a vida de Jesus, a vida que ele viveu como Filho do homem sobre a Terra, pode nutrir a nossa vida como novas criaturas.
Nosso Senhor enfatizou isso de forma ainda mais forte nestas palavras: “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,54).
Jesus ainda disse: “Minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida” (v.55). A palavra traduzida verdadeira aqui é a mesma palavra que Jesus usou na parábola da videira: “Eu sou a videira verdadeira” (Jo 15,1). Ele estava mostrando a diferença entre o que é apenas um símbolo e o que é uma realidade presente. Comida natural não é comida verdadeira, pois não transmite verdadeira vida. A única comida verdadeira é o corpo e o sangue do Senhor Jesus Cristo, porque comunica e sustenta uma vida real, não uma vida simbólica ou uma mera sombra.
Para mostrar a realidade e o poder dessa comida, nosso Senhor acrescentou: “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim e eu, nele” (Jo 6,56). A alimentação da carne e do sangue de Jesus efetua a mais perfeita união com ele. É por isso que sua carne e seu sangue têm tal poder de vida eterna. Ele declara aqui que aqueles que crêem nele não experimentarão meras influências na mais íntima e permanente união com ele: permanecerão em Jesus e Jesus neles.
De forma magistral diz o Rev. Andrew Murray: “ao perceber como o beber do sangue é a mais elevada participação da vida celestial do Senhor, a fé exerce uma de suas funções mais gloriosas”.
O único alimento na face da terra que causa a imortalidade no gênero humano é a imaculada carne do Cordeiro de Deus. Este alimento é de poder para vida eterna. Escreve São Cirilo de Alexandria: “Portanto é apropriado que Cristo esteja unido com nossos corpos de uma certa maneira, através da sua carne e do seu precioso sangue que recebemos na bênção vivificadora no pão e no vinho... Não devemos tremer diante da carne e do sangue que foram colocados no santo altar, onde Deus condescende à nossa fraqueza e nos enche com o poder que é dado para a vida, convertendo-o na verdadeira natureza de sua própria carne, pára que seja o corpo de vida, um tipo de semente vivificadora, em nós. E não duvide que isso é verdadeiro, quando ele claramente diz: ‘Isto é o meu corpo’, mas sim receba as palavras do Salvador com fé” (Epístola a Calossírio).
Só temos vida verdadeira por meio do alimento da carne de Cristo no mistério eucarístico. Afirma de modo abissal esse ensino Santo Hilário de Poitiers: “Cristo está no Pai através da natureza da deidade, e nós estamos nele através do seu nascimento físico, e ele novamente está em nós através do mistério dos sacramentos... Assim como Cristo vive através do Pai, da mesma forma nós também vivemos através de sua carne... Nós temos Cristo permanecendo através da carne em nós, seres corporais, Isto é, ele permanece não apenas na alma através do espírito, mas também em nosso corpo através da sua carne” (Sobre a Trindade, livro 8).
CONCLUSÃO
Quando estudamos no Novo Testamento sobre o sangue de Jesus Cristo, estamos diante do assunto mais precioso da nossa salvação.
Nosso Senhor começou derramar seu sangue santíssimo para nos resgatar e purificar nossas almas pecadoras desde o monte das Oliveiras (Lc 22,39-44), passando pela coroação de espinho (Mt 27,29), pela flagelação (Mt 27,26-31) e pelo horror da terrível crucificação (Mt 27,33-35).
São Pedro Apóstolo escreve: “Pois sabeis que não foi com coisas perecíveis, isto é, com prata ou ouro, que fostes resgatados da vida fútil que herdastes dos vossos pais, mas pelo sangue precioso de Cristo, como de um Cordeiro sem defeitos e sem mácula” (1 Pd 1,18.19).
“Eis por que ele é mediador de uma Nova Aliança. A sua morte aconteceu para o resgate das transgressões cometidas no regime da primeira Aliança. Segundo a Lei, quase todas as coisas se purificam com sangue; e sem efusão de sangue não há remissão” (Hb 9,15.22).
Somente o precioso sangue de Cristo, nos purifica de todos os pecados (1 Jo 1,7).
Tudo que o bom Deus fez por nós pecadores foi na radicalidade do seu eterno amor e pelo sangue do Seu Filho amado Jesus Cristo, o nosso Redentor.
Nós somos vencedores pelo sangue do Cordeiro de Deus (Ap 12,11).
Graças ao bom Deus pela Nova e Eterna Aliança.
Pe. Inácio José do Vale
Pároco da Paróquia São Paulo Apóstolo
Professor de História da Igreja
Faculdade de Teologia de Volta Redonda
e-mail: [email protected]
BIBLIOGRAFIA
Arauto da Sua Vinda, nº 1, p.2.
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1995.
GIBBON, Edward. Declínio e Queda do Império Romano, São Paulo: Companhia das Letras: Círculo do Livro, 1989.