24.06.2009 - Audiência do Papa João Paulo II, no dia 4 de agosto de 1999
1. Como vimos nas duas catequeses precedentes, com base na opção definitiva a favor de Deus ou contra Ele, o homem encontra-se diante de uma das alternativas: ou vive com o Senhor na bem-aventurança eterna, ou permanece longe da sua presença.
Para quantos se encontram em condição de abertura a Deus, mas de modo imperfeito, o caminho rumo à plena bem-aventurança requer uma purificação, que a fé da Igreja ilustra através da doutrina do «purgatório» (cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1030-1032).
2. Na Sagrada Escritura podem-se captar alguns elementos que ajudam a compreender o sentido desta doutrina, embora ela não seja enunciada de modo formal. Eles exprimem a convicção de que não se pode aceder a Deus sem passar através de alguma purificação.
Segundo a legislação religiosa do Antigo Testamento, aquilo que é destinado a Deus deve ser perfeito. Por conseguinte, a integridade também física é particularmente necessária para as realidades que entram em contacto com Deus no plano sacrifical, como por exemplo os animais a serem imolados (cf. Lv 22, 22), ou institucional, como no caso dos sacerdotes, ministros do culto (cf. Lv 21, 17-23). A esta integridade física deve corresponder uma dedicação total, dos indivíduos e da coletividade (cf. 1 Rs 8, 61) ao Deus da aliança, segundo os grandes ensinamentos do Deuteronômio (cf. 6, 5). Trata-se de amar a Deus com todo o próprio ser, com pureza de coração e testemunho de obras (cf. ibid., 10, 12 s.).
A exigência de integridade impõe-se evidentemente depois da morte, para o ingresso na comunhão perfeita e definitiva com Deus. Quem não tem esta integridade deve passar pela purificação. É um texto de São Paulo que o sugere. O Apóstolo fala do valor da obra de cada um, que será revelada no dia do juízo, e diz: «Se a obra construída subsistir, o construtor receberá a paga. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá a perda. Ele, porém, será salvo, como que através do fogo» (1 Cor 3, 14-15).
3. Para alcançar um estado de perfeita integridade, às vezes é necessária a intercessão ou a mediação de uma pessoa. Por exemplo, Moisés obtém o perdão do povo com uma oração, na qual evoca a obra salvífica realizada por Deus no passado e invoca a sua fidelidade ao juramento feito aos antepassados (cf. Êx 32, 30 e vv. 11-13). A figura do Servo do Senhor, delineada pelo Livro de Isaías, caracteriza-se também pela função de interceder e de expiar a favor de muitos; no final dos seus sofrimentos ele «verá a luz» e «justificará muitos», tomando sobre si as suas iniquidades (cf. Is 52, 13-53, v. 12, especialmente 53, 11).
Segundo a perspectiva do Antigo Testamento, o Salmo 51 pode ser considerado uma síntese do processo de reintegração: o pecador confessa e reconhece a própria culpa (cf. v. 6), pede insistentemente que seja purificado ou «lavado» (cf. vv. 4.9.12 e 16) para poder proclamar o louvor divino (cf. v. 17).
4. No Novo Testamento Cristo é apresentado como o intercessor, que assume as funções do sumo sacerdote no dia da expiação (cf. Hb 5, 7; 7, 25). Mas n’Ele o sacerdócio apresenta uma configuração nova e definitiva. Ele entra uma só vez no santuário celeste, com a finalidade de interceder diante de Deus em nosso favor (cf. Hb 9, 23-26, especialmente v. 24). Ele é Sacerdote e ao mesmo tempo «vítima de expiação» pelos pecados de todo o mundo (cf. 1 Jo 2, 2).
Jesus, como o grande intercessor que nos expia, revelar-Se-á plenamente no final da nossa vida, quando Se expressar com a oferta da misericórdia, mas também com o inevitável juízo sobre aquele que rejeita o amor e o perdão do Pai.
A oferta da misericórdia não exclui o dever de nos apresentarmos puros e íntegros diante de Deus, ricos daquela caridade, que por Paulo é chamada «vínculo de perfeição» (Cl 3, 14).
5. Durante a nossa vida terrena, seguindo a exortação evangélica a sermos perfeitos como o Pai celeste (cf. Mt 5, 48), somos chamados a crescer no amor para nos encontrarmos firmes e irrepreensíveis diante de Deus Pai, «por ocasião da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, com todos os seus santos» (1 Ts 3, 12 s.). Por outro lado, somos convidados a «purificar-nos de toda a imundície da carne e do espírito» (2 Cor 7, 1; cf. 1 Jo 3, 3), porque o encontro com Deus requer uma pureza absoluta.
Todo o vestígio de apego ao mal deve ser eliminado; toda a deformidade da alma há-de ser corrigida. A purificação deve ser completa, e é precisamente assim que a doutrina da Igreja entende o purgatório. Este termo não indica um lugar, mas uma condição de vida. Aqueles que depois da morte vivem num estado de purificação já estão no amor de Cristo, o qual os alivia dos resíduos da imperfeição (cf. Conc. Ecum. de Florença, Decretum pro Graecis: DS 1304; Conc. Ecum. de Trento, Decretum de iustificatione: DS 1580; Decretum de purgatorio: DS 1820).
Deve-se esclarecer que o estado de purificação não é um prolongamento da situação terrena, como se depois da morte se desse uma ulterior possibilidade de mudar o próprio destino. O ensinamento da Igreja a respeito disto é inequívoco e foi reafirmado pelo Concílio Vaticano II, que assim ensina: «Como não sabemos o dia nem a hora, é preciso que, seguindo a recomendação do Senhor, vigiemos continuamente, a fim de que no termo da nossa vida sobre a terra, que é só uma (cf. Hb 9, 27), mereçamos entrar com Ele para o banquete de núpcias e ser contados entre os eleitos (cf. Mt 25, 31-46), e não sejamos lançados, como servos maus e preguiçosos (cf. Mt 25, 26), no fogo eterno (cf. Mt 25, 41), nas trevas exteriores, onde “haverá choro e ranger de dentes” (Mt 22, 13 e 25, 30)» (Lumen gentium, 48).
6. O último aspecto importante, que a tradição da Igreja sempre evidenciou, deve ser hoje reproposto: é o da dimensão comunitária. Com efeito, aqueles que se encontram na condição de purificação estão ligados tanto aos bem-aventurados, que já gozam plenamente a vida eterna, como a nós que caminhamos neste mundo rumo à casa do Pai (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1032).
Assim como na vida terrena os crentes estão unidos entre si no único Corpo místico, assim também após a morte aqueles que vivem no estado de purificação experimentam a mesma solidariedade eclesial que opera na oração, nos sufrágios e na caridade dos outros irmãos na fé. A purificação é vivida no vínculo essencial que se cria entre aqueles que vivem a vida do século presente e os que já gozam a bem-aventurança eterna.
Fonte: http://beinbetter.wordpress.com/