26.05.2009 - Convidados fotografaram desenho em piscina semelhante a uma suástica.
Dono da casa afirma que é colecionador e nega alusão ao nazismo.
A Federação Israelita do Estado do Rio (Fierj) vai pedir explicações ao proprietário de uma casa na Gávea, Zona Sul do Rio, que está no centro de uma polêmica após denúncias de que o imóvel exibe símbolos nazistas.
A casa serviu de cenário para uma festa da Adidas, na última sexta-feira (22), quando convidados fotografaram o quadro de um oficial nazista e um desenho na borda da piscina semelhante a uma suástica.
As imagens – incluindo outro quadro, da Marinha alemã – foram publicadas no blog do colunista do jornal “O Globo”, João Paulo Cuenca, que estava presente na festa. A presidente da Fierj, Lea Lozinsky, informou nesta terça-feira (26) que por enquanto não pensa em entrar na Justiça. Segundo ela, o departamento jurídico da entidade entrará em contato com o proprietário da casa, o advogado Luiz Fernando Penna.
“Nós vamos interpelá-lo, mas não judicialmente. O objetivo é saber: se é uma casa que se aluga, por que esses símbolos nazistas?”, explicou Lea. “Nós não podemos avaliar porque só vimos as fotos no blog. Todas as providências que tomamos são muito bem pensadas”.
Casa serviu de cenário para filme
Antes de abrigar a festa da Adidas, a casa já foi usada em outros eventos e já serviu de locação para filmagens do filme “Meu nome não é Johnny”. O proprietário do imóvel, o advogado Luiz Fernando Penna, afirma que coleciona esculturas e objetos antigos em geral.
“Ao lado dessa placa da Marinha, havia uma placa da União Soviética, assim como uma placa de 1570 da Itália. Mostra que era apenas uma coleção de peças. Ninguém pode ser nazista e comunista ao mesmo tempo”, disse.
Ele afirma ainda que o quadro do oficial nazista – que teria ganhado ao comprar peças de um colecionador - estava num depósito que não fazia parte da área destinada à festa. Penna nega ainda que o símbolo na borda da piscina seja uma suástica.
“É um friso que se encontra frequentemente na Grécia e na China. São peças interligadas”, disse o advogado.
Adidas divulga nota
Em nota, a Adidas informou que desconhecia a existência de símbolos nazistas na casa e lamenta o fato. De acordo com a empresa, o local foi alugado pela empresa responsável pela produção do evento por possuir os pré-requisitos básicos para a organização da festa e por já ter sido usado em outros eventos.
“Os adereços citados pelo colunista João Paulo Cuenca fazem parte da decoração da casa e a relação dos mesmos com o nazismo não foi notada pela organização antes da realização da festa. A marca esclarece ainda que se soubesse que a casa possuía adereços que pudessem ser relacionados ao nazismo certamente solicitaria a pronta retirada dos mesmos ou uma mudança no local do evento”, diz a nota.
Fonte: G1
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Lembrando...
Revista ISTOÉ: Os nazistas brasileiros
16.05.2009 - Neuland é uma "nova terra", onde não falta emprego aos cidadãos e o salário mínimo é de 840 euros (R$ 2,4 mil). Nesta República Federativa, o hino nacional é o último movimento da Nona Sinfonia de Beethoven e a capital foi batizada de Magno - para afirmar sua grandiosidade. Há três prédios interligados, com 200 mil metros quadrados e 160 andares cada um. Neuland poderia ser o país fictício de uma narrativa fantasiosa. Mas a mente de quem criou esta nação-babel, com 20 idiomas oficiais, é a mesma que está sendo acusada de planejar a morte de um rival, motivada por uma ideologia que já foi usada para justificar o assassinato de milhões de pessoas no século passado e se mostra viva no Brasil de 2009: o nazismo.
O paulista Ricardo Barollo, 34 anos, coordenador de projetos especiais da empreiteira Camargo Corrêa, foi apontado como mandante do crime que tirou a vida do estudante de arquitetura mineiro Bernardo Dayrell, 24, e sua namorada, a estudante Renata Waechter, 21, na madrugada de 21 de abril em Campina Grande do Sul, no Paraná, devido a uma disputa de poder. O crime descortinou uma rede organizada de nazistas no País, com ramificações em vários Estados e conexões com outros países.
Barollo e Dayrell eram líderes dos dois maiores movimentos nacionais. Defendiam que a raça branca estava em extinção e, por isso, a miscigenação deveria ter fim. A Neuland seria o país de extrema direita pautado na mesma ideologia que o ditador Adolf Hitler implantou na Alemanha a partir de 1934. Primeiro, o grupo tomaria São Paulo e os Estados do sul do País. Depois, conquistaria o território de 22 países da Europa.
Essa história veio à tona em 1º de maio, quando Barollo foi preso no bairro de Moema, em São Paulo, no apartamento de alto luxo em que morava com os pais - outros cinco acusados de participar do crime também foram detidos no Paraná. A partir daí, a polícia começou a ter acesso ao universo neonazista do qual faz parte o grupo. A rede com ramificações no Sudeste, Sul e Centro-Oeste do País é formada, em sua maioria, por jovens de classe média ou alta, com boa formação intelectual. A exigência é tão grande que, para ser admitido na facção, o candidato precisa passar por uma rigorosa prova.
A avaliação é realizada pelo computador, em um documento enviado por e-mail com uma senha de acesso e 30 perguntas dissertativas como "Os fins justificam os meios?", "Quem era Adolf Hitler?" e "Quais e como eram os principais governos da Europa na década de 40?". Quem responde de acordo com o que os fatos históricos comprovam é reprovado. Passa aquele cujas respostas são inspiradas no revisionismo, teoria que, entre outras coisas, nega o Holocausto. Os aprovados são "batizados" num lugar confirmado poucas horas antes do evento - apenas a cidade onde acontece a reunião é divulgada com antecedência. Segurando tochas de fogo, prometem honrar a imagem do Führer e o nacional socialismo.
Tamanha devoção é contida em ações discretas, como uma sociedade secreta. O movimento não tem sede, página na internet, nem nada que o identifique perante a sociedade. Os integrantes preferem se comunicar por e-mail ou mensagens instantâneas. Telefonemas, só em casos excepcionais. Encontros, quando inevitáveis, acontecem sempre em lugares diferentes, para não levantar suspeitas. Não há amadorismo. Os grupos são divididos em células.
A da propaganda serve para divulgar a ideologia por meio de revistas e cartazes. Na política, o foco é a formação de futuros partidos e a conquista de novos membros. Já a paramilitar é o setor armado, que dizem ser para defesa (não há indícios de que participem de algum tipo de treinamento). Mulheres não podem participar.
Mas é permitido que elas frequentem as festas, onde a bebida é controlada e as drogas são proibidas. Negros também podem ingressar no movimento, mas precisam ser "puros", sem mistura de raças. E jamais chegariam a líderes.
O detalhado plano da Neuland foi apresentado por Barollo aos seus seguidores em setembro de 2008. Primeiro, o grupo elegeria vereadores e o prefeito no Balneário Piçarras, em Santa Catarina. Em alguns anos, fortalecido, tomaria os Estados do Sul e São Paulo, num movimento separatista que criaria o novo país.
As fronteiras, porém, seriam fechadas a imigrantes. Barollo confirmou essas informações à polícia no dia da prisão, quando vestia uma camisa da seleção de futebol alemã. O que não contou é que o objetivo do grupo era bem mais ousado. Neuland, uma "terra prometida" fundamentada em "união, justiça e liberdade", ocuparia países que fazem parte da União Europeia, como Alemanha, Dinamarca, Espanha, Itália, Polônia, Suécia, entre outros.
Está tudo documentado como um plano de governo em pastas às quais ISTOÉ teve acesso. Barollo seria o presidente, com um salário de 10.560 euros (R$ 30 mil). Superior aos R$ 8.348,95 que ele recebia na Camargo Corrêa. Seu aniversário, 18 de julho, constaria como feriado nacional. Bandeiras, ministérios, empresas, cargos e leis também já estavam definidos.
Além de Dayrell, a polícia já sabe que mais dois possíveis líderes estavam marcados para morrer por divergirem de Barollo: um na cidade gaúcha de Caxias do Sul e outro na capital paulista. O grupo detido também teria apoio de lideranças no Chile e na Inglaterra. Da Argentina, onde há uma rede neonazista com três mil membros, vieram as armas do crime. No Brasil, até onde se sabe, a maioria luta pela ideologia e defende a estratégia, não o uso de armas, para que com o tempo o neonazismo ganhe força. A violência seria o último recurso, diferentemente dos skinheads, que têm como principal estímulo a agressão às minorias, como nordestinos e homossexuais.
A reportagem de ISTOÉ entrevistou três jovens dos grupos neonazistas - dois detidos, acusados pelo assassinato de Dayrell, e um dissidente que será testemunha de acusação. Todos na faixa dos 20 anos. Eles se mostraram arrependidos de entrar na facção, mas confirmaram suas crenças. "A extrema direita faz as coisas ficarem mais firmes", acredita Gustavo Wendler, 21 anos, um dos presos. Também ressaltaram que tinham amigos negros, judeus e estrangeiros. Até conheciam homossexuais. "Só não permito que eles invadam meu espaço", disse Rodrigo Mota, 19 anos, outro detido.
Além de Wendler e Mota, foram presos Jairo Fischer, 21 anos, Rosana Almeida, 22, e João Guilherme Correa, 18. Segundo o delegado Francisco Caricati, do Centro de Operações Policias Especiais (Cope), em Curitiba, eles apontaram Barollo como o mandante. O advogado dele, Adriano Bretas, disse à ISTOÉ que seu cliente não concederia entrevista, que nega todas as acusações e só falará em juízo.
Na noite do crime, o grupo de Dayrell organizou uma festa numa chácara em Campina Grande para comemorar os 120 anos do nascimento de Hitler. Os acusados atraíram Dayrell e Renata, que saíram de Minas para participar do evento, para uma emboscada na BR-116. Todos eram amigos, apesar de fazerem parte de facções rivais. "Eles vão a júri popular e podem pegar até 72 anos de prisão por duplo homicídio qualificado, motivo torpe e apologia ao nazismo", afirma Caricati. Na casa dos envolvidos e de pessoas que participaram da festa, foi encontrado material referente à ideologia de Hitler, como bandeiras, cartazes, revistas, livros e broches.
As divergências entre Barollo e Dayrell começaram em 2007, três anos após a formação do grupo. O mineiro teria criado camisetas, bonés e bandeiras com símbolos nazistas para vender. Barollo passou a acusá-lo de capitalista, afirmando que o ideal do grupo era de uma raça pura e de igualdade social. Dayrell chamou o líder de controlador, rígido, excêntrico, e também forjou uma votação autointitulando-se o novo comandante do grupo em Minas Gerais e no Paraná. Tempos depois, Dayrell convidou pessoas que não conseguiram entrar no grupo de Barollo, por causa da dificuldade da prova de admissão, a seguir com ele. A facção de Barollo contabiliza 50 membros. A de Dayrell, 300 pessoas.
Os grupos revelados pelo crime no Paraná não são os únicos do Brasil onde se encontram seguidores de Adolf Hitler. ISTOÉ apurou que há pelo menos mais três facções neonazistas organizadas no País. Uma no Rio Grande do Sul, com 70 pessoas, outra também gaúcha, que existe apenas para importar armas, com 20 membros, e uma terceira em São Paulo, com cerca de 40. Não há dados consolidados de quantos são os neonazistas no Brasil. Mas uma pesquisa da antropóloga Adriana Dias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dá pistas. Para sua dissertação de mestrado ela estudou sites que pregavam o neonazismo em português, espanhol e inglês.
Chegou a um total de 13 mil páginas em 2007. "Hoje, são 20 mil, quase o dobro", diz Adriana. A pesquisa revelou que ocorreram cerca de 150 mil acessos a esses endereços a partir do Brasil. Com a chegada da internet, buscar parceiros que se identificam com a ideologia nazista ficou mais fácil. Entre 2006 e 2008 a Safernet, que combate os crimes cibernéticos, viu aumentar vertiginosamente o número de denúncias de conteúdo de ódio na web.
"A maior parte estava na rede de relacionamentos Orkut, mas também havia fóruns, sites e blogs", conta Thiago Tavares, presidente da Safernet. Ele conta que diminuíram as denúncias depois de uma grande operação para coibir essas páginas em 2008, mas a atividade online continua. "Os neonazistas são organizados e têm conhecimento técnico para criar mecanismos que escondem a origem das conexões", conta.
Prova disso é a revista online O Martelo, criada por Bernardo Dayrell para divulgar o neonazismo. Na edição de fevereiro de 2009, dez páginas da publicação são dedicadas a um guia de segurança na internet. O texto fala, basicamente, da importância da rede para o movimento Nacional Socialista e explica, passo a passo, como navegar de forma anônima (e assim acessar conteúdo proibido sem ser identificado).
A internet também facilitou a criação de dissidências dos grupos mais conhecidos, como o Front88 e o Valhalla88, por exemplo. Esses dissidentes se anunciam com nomes pomposos e em sites elaborados, mas têm, em média, cinco ou seis membros. "Na rede, vemos grupos surgir e desaparecer rapidamente", conta Alexandre de Almeida, historiador e mestre em antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), autor do estudo Skinheads: os mitos ordenados do Poder Branco paulista.
Especialistas são unânimes: a repressão é o principal caminho para que movimentos neonazistas não se disseminem ainda mais - e ganhem poder como as facções terroristas alcançaram em outros países, tornando-se um risco para a segurança do Estado. Há, porém, uma alternativa que depende exclusivamente da sociedade, que é a educação para a tolerância e a diversidade. "Não se vê isso nas escolas e poucos pais abordam o assunto", diz a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, professora da Universidade de São Paulo, especialista em racismo e antissemitismo.
É desde cedo que se ensina respeito pelo outro, afirma o delegado chefe do Cope, Miguel Stadler, que destaca o desconhecimento dos pais dos envolvidos no caso do Paraná - nenhum deles sabia que os filhos tinham simpatia por Hitler. "A discussão sobre preconceito é urgente", afirma o delegado Caricati. "Quem imaginaria que, décadas depois, uma ideologia baseada em barbárie seria responsável por um crime desses?" Ainda mais no Brasil, onde a miscigenação é uma marca indelével do País.
Fonte: Revista ISTOÉ, maio 2009