03.05.2009 - Crescente número de departamentos policiais metropolitanos e outras organizações de combate ao crime nos Estados Unidos estão adotando um novo sistema para reportar atividades suspeitas que, dizem as autoridades, poderia revelar complôs terroristas, mas grupos de defesa das liberdades civis vêem como potencial violação dos direitos individuais.
Aqui em Los Angeles, como em quase uma dúzia de outras cidades, entre as quais Boston, Chicago e Miami, policiais, detetives e outros integrantes da polícia estão preenchendo fichas de suspeita de terrorismo caso, no curso de seu trabalho rotineiro, encontrem atividades que lhes pareçam indevidas, como por exemplo pessoas que estejam comprando uniformes de polícia ou dos bombeiros, fotografando usinas de energia ou expressando visões extremistas.
As autoridades estaduais e federais pretendem no futuro criar uma rede nacional de denúncias desse tipo de atividade, que entraria em operação até 2014 e empregaria um sistema padronizado de códigos para definir comportamentos suspeitos. Trata-se do mais ambicioso esforço, desde os ataques do 11 de setembro, para criar uma rede de bancos de dados nos quais seja possível realizar buscas por indícios que prenunciem atos de terrorismo.
Mas a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) e outros grupos de defesa dos direitos individuais alertam que o programa, do qual o departamento de polícia de Los Angeles é pioneiro, suscita sérias questões quanto a proteção de privacidade e defesa das liberdades civis.
"Os comportamentos identificados pela polícia de Los Angeles são tão comuns e corriqueiro que monitorá-los ou denunciá-los é praticamente absurdo", afirmou a ACLU em relatório divulgado em julho do ano passado. "Essa autoridade ampliada de denúncia", acrescenta o texto, "oferece às autoridades policiais justificativa para perturbar praticamente quem quer que eles desejem, e para recolher informações pessoais e transmiti-las aos serviços de inteligência".
Grupos de defesa dos muçulmanos dos Estados Unidos também encaram o programa com suspeita, especialmente depois que a unidade de combate ao terrorismo da polícia de Los Angeles propôs, em novembro de 2007, criar um mapa que detalharia as comunidades muçulmanas da cidade, ostensivamente como uma medida para prevenir radicalização. Líderes muçulmanos afirmam que a idéia representa discriminação racial e religiosa, e a proposta foi rejeitada.
A comandante Joan McNamara, vice-líder da unidade de combate ao terrorismo, disse que seu departamento estava avaliando as informações oferecidas pelos 1,5 mil relatórios apresentados até agora sob o programa iniciado um ano atrás.
McNamara afirmou em entrevista que policiais, analistas de inteligência e o comando da polícia estavam treinando para determinar que tipo de comportamento suspeito deveria ser acompanhado, com base em uma lista de 65 itens que ela e sua equipe criaram; ela acrescentou que questões de defesa da privacidade e das liberdades civis também estão sendo levadas em conta.
O programa de Los Angeles não deteve quaisquer tramas terroristas, disseram McNamara e o tenente Robert Fox, que dirige o departamento responsável pelos relatórios. Mas eles afirmam que 67 dos relatórios foram encaminhados à Força-Tarefa Conjunta de Combate ao Terrorismo, comandada pelo Serviço Federal de Investigações (FBI).
Fonte: Terra notícias
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Lembrando...
As liberdades individuais se reduzem: Podemos escapar à vigilância?
13.04.2008 - As liberdades individuais se reduzem no mesmo ritmo em que as novas tecnologias se desenvolvem. No entanto, sem nos preocupar, ajudamos essa vigilância ao revelar nossas vidas na Internet ou utilizar senhas eletrônicas. Assim sacrificamos a liberdade pelo conforto, a diversão ou a segurança
Satélites de observação, câmeras de vigilância, passaportes biométricos, cadastros administrativos, policiais ou comerciais, chips de radiofreqüência, GPS, telefones celulares, Internet: o cidadão moderno está no centro de uma rede de tecnologias cada vez mais aperfeiçoadas e cada vez mais indiscretas. Cada um desses instrumentos, que deveriam nos dar conforto e segurança, pergunta diariamente um pouco mais sobre nós mesmos, nos classifica, nos observa. Ao mesmo tempo cúmplices e inconscientes, caímos na sociedade da vigilância.
Ainda é possível escapar desses inúmeros dispositivos que nos cercam? Perguntamos a Thierry Rousselin, consultor em observação espacial, ex-diretor de programa de armamentos na Delegação Geral para o Armamento, que publica com Françoise de Blomac, especialista em novas tecnologias da informação, "Sous Surveillance" (ed. Les Carnets de l'Info), um apanhado muito útil dessas tecnologias, que tenta distinguir entre as fantasias e os verdadeiros riscos de desvios.
Le Monde - Quais são hoje os grandes campos da vigilância tecnológica?
Thierry Rousselin - Poderíamos traçar círculos concêntricos. O primeiro são os "pedaços" de nós mesmos, tudo o que se refere à biometria. Progressivamente, damos um certo número de elementos que nos pertencem, que nos identificam. Isso começou com nossas impressões digitais. Hoje é a vez do DNA, da íris, da palma da mão, e em breve nossa maneira de andar ou nossos tiques. Nossa identidade está se confundido com a biologia e nossos comportamentos físicos. O segundo círculo são todos os sensores que nos cercam: os que nos olham com a videovigilância, as webcams, os teleguiados, os aviões, os helicópteros, os satélites.
Também há a escuta, em todos os sentidos da palavra. Não devemos nunca esquecer que o principal meio de escuta é uma pessoa ao nosso lado. Podemos também utilizar nossas próprias ferramentas, sobretudo o telefone. Fui visto, fui escutado, também sabem onde estou ou quem sou através de meus próprios objetos? Eu comprei um GPS ou um celular. Será que podem me seguir através desses aparelhos? Os diversos cartões -de pagamento, de fidelidade, de crédito- que tenho em minha carteira contam coisas sobre mim em tempo real cada vez que os utilizo. Os formulários que preenchi há 30 anos desenham uma imagem de mim mais precisa que minhas próprias lembranças.
O último ponto se refere ao computador. Será que ao utilizá-lo eu transmito informações além do que estou percebendo? Há um certo número de anos, vemos que em cada inquérito judicial os policiais usam o computador. Ele pode contar coisas sobre nossas atividades. Depois há a Internet. Nela nos preocupamos que as pessoas sejam capazes de entrar na rede para extrair nossas informações. Minha sede de fazer amigos, de me fazer conhecer, não me leva a contar coisas demais que um dia poderão ser usadas contra mim? Portanto, os domínios da vigilância afetam hoje quase todas as nossas interações com o mundo exterior, quase todos os nossos sentidos.
As preocupações são ainda mais vivas porque percebemos que teríamos muita dificuldade para dispensar várias dessas tecnologias. Sim, somos em grande parte cúmplices do avanço da vigilância. Primeiro, ela simplifica nossa vida. Preferimos ter um cartão a um tíquete para pegar um ônibus, assim não precisamos perfurar a passagem. O passe Navigo, que os transportes públicos franceses (RATP) estão substituindo pelo cartão Laranja, contém um chip de radiofreqüência no qual são incluídos dados pessoais que permitem reconstituir todos os seus deslocamentos durante dois dias. Ao utilizá-lo, você não se desloca mais anonimamente. Mas o cartão permitiu ganhar tempo nos guichês e nos portões, e fluidificar o fluxo de passageiros. A maioria dos usuários o considera principalmente um aperfeiçoamento do serviço.
Nos EUA, uma empresa comercializa um cartão especial para evitar as filas de espera nos controles dos aeroportos. Para obtê-lo, é preciso responder a um questionário detalhado na Internet e fornecer elementos de identificação biométricos. Recentemente, um dos primeiros assinantes comentou o serviço nestes termos: "Ao me inscrever, comecei a pensar: espero que eles tenham um bom sistema de segurança, diante da quantidade de informações que forneci... Mas não pensarei mais nisso quando passar assobiando pela via expressa, olhando para a enorme fila dos coitados que esperam". É totalmente típico de nossa ambivalência sobre essas questões. Sentimos que confiamos elementos íntimos, às vezes para empresas que nem sequer existiam há um ano.
Mas elas fornecem serviços tão práticos que preferimos esquecer os riscos que isso representa. Também é o caso das soluções RFID [identificação por radiofreqüência] e GPS [sistema de posicionamento global] destinadas a crianças ou aos doentes de Alzheimer. Aceitamos a vigilância porque ela envolve nossos próximos mais frágeis. Mas para os industriais essas técnicas também representam as condições do mercado. Começamos a aceitá-las para as pessoas que mais queremos, e isso abre caminho para a utilização em massa.
LM - O interesse financeiro também pode influir?
Rousselin - É claro! Se eu aceito um cartão fidelidade, vou receber presentes em troca de alguns dados pessoais. Na Grã-Bretanha, várias companhias propõem seguros mais baratos para motoristas que se comprometem a não rodar em certas horas de dias "de risco". Para verificar, as empresas têm o direito de obter todas as informações sobre os deslocamentos contidas no computador eletrônico do veículo. Os clientes trocaram uma economia substancial contra a perda da confidencialidade de suas idas e vindas. Ao contrário, proteger seu anonimato pode custar mais caro. A CNIL [Comissão Nacional da Informática e das Liberdades] pediu que a RATP proponha um cartão sem informações pessoais. É o passe Navigo Découverte: ele existe, mas é mais caro que o passe clássico.
LM - Muitos prefeitos franceses aderiram à videovigilância, no modelo da Grã-Bretanha, onde já são utilizadas ao todo 25 milhões de câmeras. A que se deve esse entusiasmo?
Rousselin - É muito irracional! Em novembro, a ministra do Interior, Michèle Alliot-Marie, afirmou que "a eficácia da videovigilância para melhorar de modo significativo a segurança cotidiana está comprovada". No entanto, não existe um trabalho de pesquisa que confirme a eficácia das câmeras. Com freqüência, por trás dos sistemas tecnológicos de vigilância há a incapacidade do poder público de dar respostas reais aos problemas. Instalam-se câmeras porque são muito visíveis e custam menos que contratar pessoas e realizar um verdadeiro trabalho em campo.
Portanto, todo mundo adere, enquanto no Reino Unido os balanços são muito moderados. O efeito é muito fraco em termos de prevenção, de dissuasão, sobretudo quanto aos ataques a pessoas (brigas, violações...), muitas vezes devidos a pessoas de comportamento impulsivo que não se importam de estar sendo filmadas. O mesmo vale para o terrorismo: os "loucos por Deus" ou por uma causa qualquer ficariam até contentes de passar assim à posteridade.
Quanto aos pequenos delitos praticados por batedores de carteira no metrô, são rápidos demais para ser notados e seus autores agem em lugares muitas vezes de múltiplos usos. A videovigilância é uma ajuda preciosa principalmente na solução de investigações a posteriori.
LM - Diante dessa generalização dos meios de vigilância, ainda é possível "desaparecer" em nossas sociedades, escapar ao controle da tecnologia?
Rousselin - Desaparecer ainda é possível: vários milhares de pessoas o fazem voluntariamente todo ano na França sem que o fisco ou a seguridade social consigam encontrá-las. Mas é preciso saber o que isso representa como esforço, sobretudo se você fica na ilegalidade, sem uma falsa identidade ou cirurgia plástica. A opção "ilha deserta" é aparentemente a mais simples de realizar.
Você se retira para uma zona rural na qual poderá praticar um modo de vida que reduza ao máximo os intercâmbios comerciais, sem computador nem celular; eles ainda existem na França. Você fecha sua conta no banco e paga tudo em espécie. Será preciso se abster de viajar ao estrangeiro, principalmente aos EUA, para não ter de preencher papéis que apelam para a biometria. Será preciso manter sua antiga carteira de identidade, que na França é válida enquanto você estiver reconhecível na foto.
É claro que não poderá mandar seus filhos à escola no sistema oficial. E o verdadeiro limite será a saúde, pois a partir do momento em que você precisar do sistema de saúde entrará obrigatoriamente nos arquivos. O problema é que essa retirada da sociedade vai parecer uma viagem ao passado, um retorno a formas antigas de controle social.
Em seu vilarejo perdido não haverá quase ninguém, mas todo mundo num raio de 10 quilômetros conhecerá seus hábitos de vida, suas particularidades. Os séculos anteriores à tecnologia moderna estavam longe de ser épocas sem vigilância. Para evitar isso, você talvez prefira se fundir à selva urbana. A multidão das cidades também pode garantir o anonimato. Mas nesse caso a margem entre saída do sistema e exclusão é perigosamente estreita. Você passará despercebido, mas com um modo de vida cada vez mais parecido com o de um sem-teto.
LM - Sem ir tão longe, ainda podemos pelo menos controlar as informações que deixamos sobre nós?
Rousselin - Se você decide continuar na sociedade, necessariamente circulam informações sobre você. Você paga impostos ao fisco, que por conseguinte sabe coisas sobre você, assim como seu empregador, etc. Por outro lado, pode evitar dar informações sobre si mesmo que ninguém o obriga a revelar. Pode evitar preencher todos os questionários a que nem presta atenção, geralmente sob o pretexto de ganhar brindes. Podemos muito bem sobreviver sem cartões fidelidade e sem dar nossa ficha completa para comprar uma torradeira de pão. É verdade que ganhamos com isso, mas principalmente damos o direito de que o conjunto de nossas compras seja analisado e identificado. Os cartões fidelidade alimentam constantemente bancos de dados que memorizam todas as transações.
Progressivamente, deixamos que se forme uma mina de informações sobre nós mesmos. Alguns desses arquivos circulam livremente, se você esquecer de marcar o quadradinho embaixo à direita que proíbe que seu interlocutor ceda seus dados para "parceiros". Portanto, quando você preenche questionários não-obrigatórios, não é absolutamente obrigado a dar informações reais. Nada o impede de errar seu endereço ou o número de telefone.
LM - Os telefones celulares são cada vez mais considerados potenciais espiões. Podemos limitar esse risco?
Rousselin - A partir do momento em que seu aparelho está ligado ou à espera (em stand-by), sua operadora, a pedido de um vigilante, pode efetivamente acionar uma série de mecanismos de espionagem. Para a localização existem vários procedimentos que permitem situá-lo com precisão de cerca de 50 metros, utilizando, por triangulação, as três antenas retransmissoras mais próximas de seu aparelho. É o que foi utilizado para localizar o comando que assassinou o delegado Erignac.
Os telefones de última geração, que hoje constituem o topo de linha, contêm um chip GPS e serão localizáveis com muito mais facilidade e precisão. Para a escuta, isso não se limita à possibilidade de interceptar uma conversa, o que se tornou muito simples. Uma operadora também tem a capacidade de usar um celular como microfone de ambiente.
Juridicamente, os serviços policiais podem, sob certas condições, pedir à operadora que transforme o telefone em microfone e escutar tudo o que se diz ao redor da pessoa que o utiliza. Mas em todo caso, tanto para localização como para escuta, é preciso que o celular não esteja desligado. Se estiver, nada mais é possível, ao contrário do que afirmaram vários artigos que confundiram desligado com o modo em espera.
Portanto, se você quiser evitar ser constantemente localizável, faça como os policiais ou os bandidos: desligue seu celular assim que não o estiver mais usando. Evidentemente, você perderá um dos grandes interesses do aparelho, o de poder ser localizado a qualquer momento.
LM - A maior brecha em nossa vida privada continua sendo o computador conectado à Internet?
Rousselin - É verdade. A maioria dos computadores é fornecida com sistemas operacionais que dão direito juridicamente à Microsoft ou à Apple de colocar espiões em sua casa, supostamente por bons motivos. Desde a conexão à rede, e sem qualquer decisão autônoma de nossa parte, haverá todo um pequeno tráfego para propor atualizações, verificar se não estamos utilizando programas piratas e coletar informações sobre nosso local de trabalho.
Recentemente, o estado da Renânia do Norte-Vestfália, na Alemanha, votou um projeto de lei autorizando a polícia a colocar vírus de escuta no computador de suspeitos. Isso serviu como alerta. As pessoas perceberam que tecnicamente era infantil e que muitas empresas sabiam fazer isso. Assim que a pessoa entra na rede a coisa se agrava.
Cada vez que vemos um site, ele registra o número de páginas vistas, seu tempo de consulta, os links seguidos, a integralidade do percurso do cliente antes da transação, assim como os sites visitados antes e depois. Imagine os mesmos métodos aplicados à revista que seus leitores têm nas mãos: eles concordariam que você conhecesse sistematicamente o tipo de poltrona em que estão sentados, o grau de seus óculos, suas horas de leitura, o jornal que leram antes deste? Certamente não, no entanto é o que acontece, sem nossa interferência, cada vez que navegamos.
O "New York Times" publicou uma pesquisa em dezembro passado que explica que quando entramos no Yahoo damos 811 informações pessoais simultâneas. O computador é uma verdadeira janela para o mundo, mas não tem cortinas. Assim, se quero ter certeza de passar despercebido, não entro na Internet. Mas isso equivale cada vez mais a dizer "saí do jogo social".
LM - Isso será possível daqui a 15 ou 20 anos, quando tudo estiver desmaterializado, principalmente as formalidades administrativas? Nesse novo "jogo social", por que o senhor é tão crítico com as redes sociais ou a prática dos blogs?
Rousselin - Porque, para mim, o maior risco se situa aí, principalmente no que se refere aos adolescentes. Milhões deles abriram blogs ou participam de fóruns onde vão deixar um volume enorme de informações sem perceber as conseqüências. Já vimos diversos casos. Jovens que massacram em seus blogs as empresas onde fizeram estágios e que dois anos depois se surpreendem ao saber que os recrutadores lêem esse tipo de coisa. Fazer besteiras e querer se mostrar é próprio da adolescência. O problema é que as divulgamos em sistemas tecnológicos privados que as guardarão na memória. Noventa por cento das pessoas que se inscrevem em redes sociais as abandonam dois meses depois. Elas fizeram todo o processo de admissão e depois acabam se cansando, e deixam para trás montes de dados pessoais.
Eu acabo de fazer uma experiência edificante nesse sentido, no âmbito profissional. Estava em um centro de informação militar para uma auditoria e visitei as unidades de produção. Ao voltar, quando redigi meu relatório, percebi que não havia anotado o nome do responsável. Então fui procurar em uma ferramenta que permite buscar quem está em qual rede social, o equivalente a um metamotor de busca para as redes sociais. Coloquei as informações de que dispunha (o primeiro nome dele, sua nacionalidade e seu empregador). Encontrei o sujeito no LinkedIn. Nesse site havia sua biografia, que ele mesmo havia digitado, assim como todas as suas missões militares até seu posto atual. Fiquei atônito.
Google e Yahoo tornaram-se assim os principais detentores de informações sobre nossos comportamentos, nossos hábitos de consumo. São empresas que não existiam há dez ou 15 anos. Quem pode dizer o que elas serão daqui a 20?
LM - Acabamos de ver que restam algumas margens de manobra se quisermos escapar da vigilância tecnológica. Mas o que vai acontecer no dia em que todos esses sistemas estiverem interconectados, quando for instaurada a "convergência" dos arquivos, dos computadores, dos meios de observação que alguns autores anunciam como inevitável até 2050?
Rousselin - Não tenho certeza se podemos ser tão categóricos sobre a chegada desse metassistema. Há vários fatores difíceis de medir, que podem retardar essa evolução ou mesmo impedi-la, emperrando o sistema. Primeiro a incompetência, que não se deve subestimar jamais. O vigilante é, por definição, paranóico. Em conseqüência, hoje ele tem muitos inimigos entre os que supostamente estariam do seu lado. Antes de chegar a um sistema que poderá dispensar os humanos, ainda haverá pessoas que brigam, serviços que não se comunicam, responsáveis que dissimulam as informações. O bê-á-bá da administração pública há 5 mil anos consiste, entre os serviços públicos, em ocultar mutuamente as informações. Em todos os casos ligados ao terrorismo, percebemos que a lógica básica é o FBI que vigia a CIA, que vigia a ASN, etc. É por isso que o mulá Omar e Bin Laden ainda estão por aí.
É o que às vezes eu acho excessivo nos panfletos sobre vigilância: sempre há um exagero, essa tendência a pensar que o vigilante não comete erros, que ele não levanta no meio do vídeo para tomar um café, etc. Ele se torna desumano. Mas várias imperfeições prejudicam a potencial eficácia da vigilância.
Outro parâmetro a se levar em conta é que cada uma das tecnologias cria seus próprios contrapoderes. Para a observação (videovigilância ou satélites), vemos que a maior dificuldade está na enorme quantidade de imagens em relação ao número de analistas existentes e às capacidades técnicas de análise disponíveis. Dezenas de milhares de amadores que decifram as imagens também se tornam tão poderosos quanto os poderes que dispõem de meios limitados. Constatamos isso no momento do furacão Katrina, quando, ao ver as imagens à sua disposição, os internautas revelaram a impotência das autoridades americanas.
Os cidadãos também podem inverter certos meios contra seus criadores e vigiar os vigilantes. Um dos aspectos da nossa pesquisa que nos deixou otimistas é a efervescência criativa que está crescendo ao redor desse assunto. Diversas formas de resistências artísticas ou associativas estão surgindo. Elas podem retardar ou impedir o pior, ao sensibilizar o grande público.
LM - Mais que buscar passar despercebido, a solução seria tornar-se ativo para subverter o sistema?
Rousselin - Sim, ainda há muitos campos em nossa vida pessoal onde nem tudo está decidido. E por isso cabe a cada um de nós agir para que a vigilância não se amplifique. Assistimos ao surgimento de ativistas, vemos artistas, pessoas que têm comportamentos saudáveis. Mas caímos sob nossas próprias facilidades, nossos pequenos interesses momentâneos. Talvez seja contra isso que devemos lutar. Contra nós mesmos? Sim! Porque gostamos muito do que é moderno e simples. A força do Google ou da Apple são as interfaces incrivelmente fáceis e intuitivas que nos seduzem.
Todos temos amigos que fazem demonstração de seu novo objeto super high-tech, que elogiam as virtudes de seu novo telefone, de seu novo assistente pessoal. Eles estão simplesmente promovendo o novo instrumento que os vigia. E se orgulham muito disso. Somos todos um pouco parecidos. Isso mostra que somos modernos. Em certos momentos é preciso saber se mostrar um pouco antiquado e aceitar que nossa vida seja um pouco menos simplificada.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: UOL notícias