Vídeo erótico com crianças veiculado na internet provoca escândalo


05.04.2009 - Reportagem da Revista ISTOÉ, abril 2009.

A pequena cidade gaúcha de Ibirubá é um daqueles lugares onde o tempo parece passar mais devagar. Lá todas as famílias se conhecem, as pessoas se cumprimentam pelo nome e a população pode circular à vontade pelas ruas, com praças arborizadas e casas coloridas que ajudam a compor um cenário bucólico. Tamanha placidez foi abalada há três semanas, quando explodiu na internet um vídeo de sexo explícito cujos protagonistas eram moradores da cidade: A., um garoto de 14 anos, e K., uma menina de 11.

Durante as férias escolares, numa tar de quente de fevereiro, o adolescente se reuniu com três companheiros da mesma idade para jogar videogame na casa de um deles. Não havia adultos no local, os pais do menino estavam trabalhando. Minutos depois, a menina K. ligou para um dos garotos, perguntando se poderia encontrá- los. Chegando lá, o casal foi para o quarto e chamou um dos amigos para filmar a "brincadeira" com o celular. Dias depois, o vídeo de 12 minutos vazava na internet e a inconsequência do gesto passou a ser de domínio público. A história que abalou o município de 19 mil habitantes choca pela tenra idade dos envolvidos e pelo conhecimento deles sobre um ato que requer maturidade física e psicológica para ser realizado com prazer e segurança. E ecoa no País como um alerta para a urgência de a sociedade refletir sobre o acesso das crianças a informações que estimulam a sexualidade precoce. O caso de Ibirubá tomou grandes proporções porque o vídeo foi parar na internet. Mas não é uma situação isolada. De acordo com dados do Ministério da Saúde, de 1996 a 2006 o percentual de garotas que perderam a virgindade até os 15 anos saltou de 11% para 33%. Nesta mesma faixa, 47% dos meninos já tiveram sua iniciação. "A erotização está começando cada vez mais cedo e de forma intensa", afirma a psicopedagoga Qué zia Bombonatto, de São Paulo. "A fase de experimentação começa mais cedo e tudo é permitido."

Essa vontade de experimentar, aliada à irresponsabilidade inerente a esta faixa etária, mudou de forma devastadora a vida dos garotos envolvidos no caso. "A história tomou uma dimensão tão grande que a família da menina, por pressão, teve que ir embora", contou a conselheira tutelar Salete Spengler, que acompanha o caso. Logo depois da veiculação do vídeo, eles começaram a receber bilhetes por baixo da porta com insultos. Até pedras foram arremessadas em direção a sua casa.

No dia 17 de março, se mudaram para outra cidade. Nem mesmo o conselho tutelar sabe dizer o local. Apenas que a garota teve os cabelos cortados e trocou de nome para não ser reconhecida. Já os meninos que participaram da filmagem são apontados na rua e excluídos do grupo de amigos - por orientação dos pais das outras crianças. O constrangimento é geral na cidade. "A gurizada que se meteu no ocorrido está andando de cabeça baixa", disse a estudante Jéssica Klaessner, 18 anos.

A reportagem de ISTOÉ esteve na quinta-feira 26 nas casas de dois deles. Na do menino A., que aparece fazendo sexo no vídeo, os pais mal tiravam os olhos do chão. "É uma vergonha", disse o pai. "Só peço que esqueçam", completou a mãe. Enquanto isso, com um semblante preocupado, A. espiava por uma fresta na porta do quarto. "A gente desta terra esquece que todo mundo tem telhado de vidro", afirmou, irritado, o pai do garoto C., que registrou o vídeo com seu celular. Segundo o menino, ele e os amigos não tinham a intenção de divulgar o filme. "Só passamos para dois colegas que não estavam com a gente na casa.

Não colocamos na internet." Segundo a delegada da cidade, Diná Aroldi, ainda não se sabe se o vídeo foi postado na rede por um adulto. "O sigilo do provedor foi quebrado e apreendemos os celulares de todos os envolvidos", afirma.

Especialistas são unânimes: na esteira do contato prematuro com o sexo vem uma série de problemas. Entre eles, não ter prazer (e se cobrar por isso), associar o sexo a algo errado e ruim, a gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis e dificuldades de relacionamento. A situação causa até impactos fisiológicos, acelerando a ebulição hormonal. A primeira menstruação das meninas, por exemplo, cai cerca de seis meses a cada geração. Hoje está em 12 anos, segundo o Ministério da Saúde. K., a garota de Ibirubá, por exemplo, tem 11 anos, mas corpo de uma moça de 15. "Uma vida sexual saudável abaixo dos 14 anos é muito difícil", explica o ginecologista Gerson Lopes, coordenador da Associação S.a.b.e.r. - Saúde, Amor, Bemestar e Responsabilidade. "Eles não estão preparados e a primeira vez acontece sem privacidade, carinho e prevenção." É preocupante observar que o "ficar" está incluindo o sexo, afirma o médico. "Os jovens estão virando prisioneiros da própria liberdade, com angústias por não alcançarem o ideal distorcido de sexo que estão aprendendo."  No caso das meninas, é comum que procurem o médico apenas três anos depois do início da atividade sexual. Geralmente por suspeita de gravidez.

A estudante carioca M., 17 anos, conheceu o ex-namorado aos 13, num baile. Apaixonou-se e viveu a primeira relação sexual. Ainda com 13 anos, engravidou. Não se casou, teve o filho - hoje com 4 anos - e mora com a mãe. "Sinto falta de poder sair para me divertir", diz a menina, que perdeu dois anos de escola. Se hoje M. sente o peso da responsabilidade, acreditar que iniciar a vida sexual trará amadurecimento é um equívoco de parte considerável dos adolescentes. Para temor dos pais, Carol Conde, 16 anos, de Mogi das Cruzes, São Paulo, sempre avisou a todos sobre seu desejo de ser mãe cedo. Cumpriu o discurso antes do que planejara. Perdeu a virgindade aos 14 anos e, aos 15, engravidou de Pedro, agora com 1 ano. "Não acho que minha primeira vez foi precoce, me sentia preparada", afirma. "A gravidez, sim. Reconheço que deveria ter terminado os estudos antes." Assim que pensou em ter relações sexuais, Carol conversou com a mãe, que a levou ao médico para receber informações sobre gravidez e preservativos.

Não adiantou. Ela errou na conta do anticoncepcional. Além de sofrerem mais com os problemas, sendo o mais latente a gravidez, as meninas despertam mais cedo para a sexualidade do que os meninos. "Elas estão realmente tomando a dianteira", diz a psicóloga Clara Freiberg, do Colégio Sion, em São Paulo. "Amadurecem antes e pedem aos garotos para ficar com eles." A sociedade atual também contribui.

"Existe uma crença de que a mulher sexy e bela se dá bem na vida, tem mais chances de sucesso", diz a psicopedagoga Maria Irene Maluf. "É um mecanismo que alimenta a sexualidade antes da hora."

Não é possível apontar um responsável pela sexualidade precoce das novas gerações. Muito menos o caso de eleger culpados. Mas há uma conjunção de fatores que levaram a esse quadro que culminou com histórias como a do sexo quase infantil de Ibirubá. A dificuldade dos pais em impor limites, a falta de orientação sexual eficiente nas escolas e uma cultura de massa extremamente erotizada são fortes estímulos. A internet também é decisiva na hora de facilitar o acesso das crianças a conteúdos proibidos. Na conversa com a conselheira tutelar, a menina K. disse que aprendeu o que aparece fazendo no vídeo em filmes pornôs que assistiu pelo computador.

"Os gatilhos para o despertar da erotização estão em níveis sem precedentes", afirma Maria Irene. "A criança absorve tudo o que deseja a qualquer momento." Os pais têm medo de reprimir e perdem o controle do que os filhos fazem. "Aqueles que têm hoje filhos de 10 anos são da geração da década de 70", lembra a psicopedagoga Quézia. "Eles tendem a ver as imposições como um problema, não como parte fundamental da educação."

Os adolescentes percebem essa insegurança e jogam com ela usando argumentos como "os pais dos meus amigos deixam". Outro equívoco das famílias é incentivar posturas ligadas à vida adulta. "É comum ver mães achando engraçadinho vestir menina de mulher e pais elogiando o menino que tem fama de pegador", ressalta.

Há ainda uma falha de percepção de muitos pais, que os faz perder as rédeas da situação. A mãe do menino C., que registrou o vídeo, disse que nem sonhava que o filho tivesse algum interesse sobre sexo. "E em casa a gente cuida, não deixa ver determinadas coisas na tevê", afirmou a dona de casa. "Mas ele pede para ir à casa dos amigos e lá não faço ideia do que está acontecendo." O padrasto da menina K., a quem chamava de pai, segurança, ficou sabendo do vídeo por um colega de trabalho. "Imagina que é minha filha", teria dito. A mãe, dona de um movimentado salão de beleza local, chorava junto com a filha (que se dizia arrependida) na delegacia, sem entender como isso teria acontecido. "É importante que os pais lembrem que não basta dar exemplo", diz a psicopedagoga Maria Irene. "Tem que interferir na educação, conversar." Proibir também não é a melhor solução. A estudante Nadja Pancelli, 16 anos, de Mogi das Cruzes, namorou escondido por um ano Gabriel, oito anos mais velho, por medo da reprovação dos pais. "Achava que 12 anos não era idade para namorar e proibi os dois de se encontrarem", lembra a mãe, Regina Oliveira. "Hoje me arrependo de tê-la tratado como criança, e não como uma adolescente que está se descobrindo." Nadja perdeu a virgindade aos 13 anos, engravidou aos 14 e deu à luz Izadora aos 15. (fim)

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