Se você não conhece o assunto, estude antes. Ou não escreva


31.03.2009 - Artigo Extra  -  www.rainhamaria.com.br

Imagine a situação: você abre o jornal, e vai ler uma reportagem sobre, por exemplo, ciência. Antes de começar o texto, o repórter adianta: "O assunto é complicado, então se eu me enganar em algum ponto, me desculpem." Ridículo, não é? O que você, ou o editor do jornal, diria a um repórter desses? Que vá pesquisar mais sobre o assunto antes de escrever, ou simplesmente que não escreva nada.

Mas tem gente que acha que um avisinho besta desses lhes dá salvo-conduto para escrever sobre a Igreja. A verdade é que todo mundo acha que pode escrever e dar palpite sobre a Igreja. Agora foi a vez do poeta Ferreira Gullar, em um artigo chamado A alma ou a vida (link só para assinantes), publicado na Falh... oops, Folha de S.Paulo de sábado passado. Lá no meio do texto, ele me solta um

"Sei que estou me metendo em funduras e, se estiver equivocado, que me desculpem"..

Não, eu não desculpo. Se alguém pretende escrever sobre algum assunto na mídia, o mínimo que eu espero é um conhecimento decente sobre o assunto. O que o Ferreira Gullar acharia se eu escrevesse um artigo sobre sua obra e dissesse "olha, eu não li nada dele, então se eu estiver escrevendo besteira, me desculpem"?

Boa parte do artigo é aquela lenga-lenga que já ouvimos até não querer mais sobre a excomunhão no Recife e sobre a declaração do Papa sobre os preservativos na África. Disso nem vou me ocupar. Mas da metade pra baixo o poeta começa:

"A mesma crença que faz a Igreja se opor ao uso científico das células embrionárias - porque no embrião está uma alma - coloca-a contra o aborto, em toda e qualquer circunstância. Trata-se de salvar a alma, não a vida".

A Igreja se opõe ao aborto e à pesquisa com embriões justamente porque ali está uma vida, e não necessariamente uma alma. Já comentei esse assunto faz mais de um ano, respondendo a um artigo publicado (será coincidência?) na Folha. Mas a tentativa de criar uma dicotomia é totalmente sem noção. Quer dizer que a Igreja, ao lutar contra o aborto e a destruição de embriões, não se importa com a vida? Ou embriões e fetos, para o poeta, não são vida?

Mas o mais grotesco fica para o fim:

"Não obstante, essa condenação (ao preservativo) tem raízes nas Escrituras, na teoria do pecado original, dogma fundamental da Igreja. Esse pecado, praticado por Adão e Eva, foi tão grave que dividiu o mundo em duas "cidades": numa reinaria Deus e, na outra, Satã. Como, porém, sem a relação sexual, a humanidade se extinguiria, a Igreja teve que admiti-la, desde que dentro do matrimônio, por ela consagrado. Por isso mesmo, o sexo só pode ser praticado visando à procriação, não o prazer. Aliás, o prazer, que o ato sexual provoca nos que o praticam, mancha-lhes a alma".

O poeta está achando, por acaso, que o pecado original foi uma relação sexual? Isso sim é que é ignorância das maiores! Preciso lembrar aqui que o pecado original foi um ato de soberba (e não de luxúria) contra Deus? Afinal, a relação sexual já existia antes: como é que o homem ia crescer e se multiplicar, ordem dada por Deus antes do pecado original? E o que Adão queria dizer, então, com o "serão uma só carne", dito também antes da queda? O sexo foi criado por Deus, justamente para funcionar dentro do matrimônio (que, desde a criação, já existia em uma forma natural, e com Cristo foi elevado a sacramento).

E o sexo não tem como finalidade apenas a procriação, mas também a demonstração de amor entre os esposos, como dizem vários documentos da Igreja. O que o homem não pode fazer é separar voluntariamente o aspecto unitivo e procriativo de forma artificial, com barreiras físicas e químicas. Dizer que "no ato sexual precisam estar presentes os aspectos unitivo e procriativo" não significa que de toda relação sexual tenha que vir um filho, e sim que o ato esteja aberto à possibilidade de uma nova vida, ainda que ela não venha a surgir por questões biológicas, do ciclo feminino, que independem da vontade dos esposos.

Ou seja, recomendo a Ferreira Gullar que, antes de passar vexame, procure se informar um pouquinho, já que essa muleta de "sei que o assunto é complicado" só engana mesmo quem quer ser enganado.

Postado por Marcio - http://elesnaosabem.blogspot.com


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