30.03.2009 - Artigo Extra - www.rainhamaria.com.br
O que tem a ver o aborto com a Semana Santa?
A resposta a esta pergunta requer a matização de um “depende”... Se por Semana Santa entendemos algumas encenações de rua de interesse turístico nacional, então, certamente não tem nada a ver. Porém, se a Semana Santa é a memória viva da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, então, não o duvidemos, é absolutamente impossível separá-los. O aborto está intimamente unido à Paixão de Cristo, da mesma maneira que lhe estão unidos a guerra, a fome e tantas outras injustiças, consequência de nosso pecado, por cuja redenção Jesus Cristo entregou sua vida na Cruz.
Aos que afirmaram que não há conexão entre o aborto e esta festividade religiosa, lhes aconselharia a leitura de um livro que nos marcou a muitos em nossa juventude, com um título bem significativo: “Dios llora en la Tierra”.(desconheço o livro e se há uma edição portuguesa)
Ainda que doa, a liberdade “liberta”
Jesus nos ensinou que a “verdade nos torna livres” (cf. Jo 8,32); mas enquanto não chega este momento, incomoda bastante! Nós o pudemos comprovar a propósito da campanha da Conferência Episcopal Espanhola (mutatis mutandis, o que no artigo é dito sobre a Espanha se aplica ao Brasil) em defesa da vida.
O lince está dando muito que falar, e confiemos que também nos ajude a “reconsiderar”. O certo é que existem verdades inquestionáveis: um ovo de águia tem mais proteção jurídica na Espanha que um ser humano no seio de sua mãe. Não se trata de uma afirmação agressiva e belicista, como alguns pretendem apresentar, mas uma simples constatação da realidade.
A comparação entre o animal e o ser humano não “desmerece o lince” – como afirma algum político, no cúmulo do despropósito – senão que, em todo caso, enaltece a causa ecologista. O incrível é que tenhamos que recorrer ao lince para dignificar o ser humano. No fundo, estamos diante de uma constatação de que quando nossa cultura dá as costas a Deus, o homem é destronado de sua condição de “rei da criação”, até o ponto de ser rebaixado à condição de escravo.
A mulher, santuário da vida
Penso sinceramente que a Igreja está fazendo o que Deus espera dela neste momento chave da história: desgastar seu prestígio e suas energias na defesa da vida dos mais inocentes. A cultura da morte pretende distorcer a realidade, contrapondo a defesa da vida do filho ao suposto direito da mulher a uma “maternidade a la carte”. O certo é que defender o filho é defender a mãe.
Ao dizer isto não estou pensando exclusivamente nas feridas traumáticas que se manifestam na “Síndrome pós-aborto”... Os males derivados do aborto para a mulher são muitos e devastadores:
Como se pode falar de aborto como um direito da mulher de “decidir em liberdade”, quando sabemos de sobra que atrás da maioria das interrupções violentas da gravidez se esconde a pressão e a chantagem do homem? Como se pode reivindicar o aborto no contexto da promoção da mulher, quando em numerosos países se está produzindo um grave desequilíbrio entre a população masculina e feminina, por motivo do recurso ao aborto para a seleção do sexo? O caso da China é paradigmático: para cada 119 meninos, nascem somente 100 meninas. Calcula-se que no ano 2020 haverá nesse país 300 milhões a mais de homens que de mulheres.
A reivindicação do feminismo radical, que associou a promoção da mulher à libertação de sua maternidade, resultou em ser seu próprio túmulo. Pelo contrário, uma das dimensões que mais dignifica a mulher é sua condição de “santuário da vida”.
O sacrifício do inocente
Se queremos viver verdadeira e intensamente nossa Semana Santa, não podemos nos esquecer da ação de graças pelo dom da vida; da chamada à responsabilidade em seu cuidado; nem tampouco da denúncia profética diante do sacrifício dos inocentes. Também Jesus Cristo foi o “inocente” sobre o qual lançamos as culpas dos pecadores. O diálogo do bom ladrão com seu companheiro de suplício é bem significativo: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? E nós com razão, porque o merecemos; ele, porém, nada de mau fez” (Lc 23,41).
O certo é que, enquanto discutimos, o aborto chegou a ser a primeira causa de mortalidade na Espanha. Em toda nossa longa história, se excluímos a peste negra na Idade Média, nenhuma guerra, enfermidade ou catástrofe, eliminou tantas vidas humanas. O que está em jogo é algo tão básico, como nossa capacidade de nos comover pela sina do inocente. É questão de humanidade, de solidariedade e de misericórdia!
Dom José Ignacio Munilla
Bispo de Palencia
Fonte: Religion en liberdad Tradução: OBLATVS