20.03.2009 - Quando ouve a palavra tuberculose, qual é a definição que vem à sua mente?
- É aquela doença do passado que matou escritores como Franz Kafka e George Orwell e influenciou a obra do poeta modernista Manuel Bandeira, num tempo em que a tuberculose era considerada um estímulo à criatividade.
- É uma das mais graves ameaças atuais. Uma pandemia que provoca 1,7 milhão de mortes por ano. Uma praga que está se tornando cada vez mais resistente aos antibióticos e fazendo vítimas em todas as classes sociais. Qualquer um pode pegar a doença. No ônibus, no metrô, no avião.
Uma afirmação não exclui a outra. Infelizmente, elas se complementam. A tuberculose, que poderia ser apenas uma má lembrança, é nos dias de hoje uma ameaça concreta. A partir de segunda-feira (23) os brasileiros vão ouvir falar muito sobre tuberculose. O Rio vai sediar o principal evento mundial de combate à doença, organizado pela Organização Mundial da Saúde. Uma das estrelas do encontro será o ex-presidente de Portugal, Jorge Sampaio. Ele governou o país de 1996 a 2006 e atualmente é enviado especial da ONU na luta contra a doença. Conversei com ele por telefone, de Lisboa, para antecipar aos leitores desta coluna o que a imprensa vai divulgar na próxima semana.
ÉPOCA – Por que a tuberculose deixou de ser uma doença do passado?
Jorge Sampaio – Durante as últimas décadas ela deixou de receber atenção. Acreditava-se que ela não se desenvolvia como nos 50 anos anteriores. A indústria farmacêutica deixou de investir em novos antibióticos porque parecia não haver mercado para isso. Hoje vemos que a tuberculose não é algo dos tempos românticos. É uma pandemia atual. Mata 4,5 mil pessoas por dia. A cada ano, ocorrem 1,7 milhão de óbitos no mundo.
ÉPOCA – Esse é um problema exclusivo dos países pobres?
Sampaio – De forma nenhuma. O mundo todo está diante de uma nova ameaça complexa: a tuberculose multirresistente (MDR). Ela ocorre quando a pessoa abandona o tratamento e o bacilo se torna resistente aos antibióticos. Há algo ainda pior: a tuberculose extremamente resistente (XDR). Nesse caso, o bacilo resiste à maioria das drogas. Começam a aparecer casos de XDR em todos os países. Se esses casos continuarem aumentando, teremos uma situação gravíssima.
ÉPOCA – O Brasil está na lista dos 22 países com mais casos de tuberculose. São detectados cerca de 90 mil casos novos por ano. Está em companhia de países muito pobres como Afeganistão, Bangladesh e Camboja. Isso é uma vergonha?
Sampaio – Não acho que seja uma vergonha. O Brasil teve um grande sucesso no combate à aids. E tem todas as condições de triunfar também na luta contra a tuberculose. O país tem bons serviços médicos de atenção à doença e investigação dos casos. Precisamos de pesquisa científica que possa levar à descoberta de novos fármacos e vacinas. O Brasil tem cientistas estudando isso. Eu me atrevo a dizer que o Brasil pode liderar os países fortemente afetados pela tuberculose. Estive na Favela da Rocinha no ano passado e conheci o belo trabalho que está sendo feito lá.
ÉPOCA – Como convencer a classe média de que a tuberculose também é um problema dela?
Sampaio – Com exemplos. Mostrando que qualquer pessoa pode ter a doença -- não apenas os pobres. A transmissão pode ocorrer em qualquer lugar: no ônibus, no metrô, nos aviões. Em Portugal, pessoas conhecidas que tiveram tuberculose aceitaram participar de propagandas. Isso funcionou muito bem. É preciso que os médicos estejam atentos aos sintomas e que a mídia divulgue esse assunto. Todo mundo precisa saber que a tuberculose existe e pode ser devastadora. Mas é curável.
ÉPOCA – A crise econômica mundial vai prejudicar o combate à tuberculose?
Sampaio – Isso pode acontecer. Os poderes políticos precisam se comprometer a derrotar a tuberculose mesmo com a crise mundial. O agravamento da pobreza aumenta o risco de transmissão da doença. Precisamos chamar a atenção dos governantes e da sociedade. Precisamos mostrar que não podemos descuidar da tuberculose. Espero que os países do G-8 e do G-20 não esqueçam de suas doações. Teremos uma situação dramática se não conseguirmos manter o atual financiamento.
ÉPOCA – O que o senhor espera do encontro do Rio?
Sampaio – Vamos ter um balanço das medidas de combate à tuberculose no mundo. Vamos discutir o que está dando certo e se há novas maneiras de atacar a doença. Espero que a reunião do Rio produza um documento com conclusões sobre as ações globais. Isso é muito importante. A partir de 2006, as taxas de cura no mundo estacionaram. Precisamos avançar. Se conseguirmos tratar bem a tuberculose básica (a primeira a afetar o doente), vamos diminuir os casos de MDR e XDR.
Enquanto eu conversava com o ex-presidente, lembrava de pessoas de classe média que eu conheço e que tiveram a doença recentemente. Ela sempre esteve associada à pobreza porque desnutrição, más condições de higiene, alcoolismo e grandes aglomerações facilitam sua propagação, principalmente no inverno. Mas qualquer pessoa pode ter a doença.
Quem pega
Estima-se que um terço da população mundial carregue nos pulmões o bacilo de Koch, o causador da tuberculose. Na maioria dos casos, ele permanece latente. Mas 10% dos infectados desenvolvem a doença em algum momento da vida. Em geral, quando o sistema imune está enfraquecido - por desequilíbrios passageiros ou problemas graves como diabetes e aids. É muito comum encontrar pessoas que adoecem de tuberculose depois de um forte estresse, como o vestibular ou a queda da Bolsa de Valores.
Como pega
O bacilo é disseminado por tosse e espirro. Os sintomas mais comuns são tosse por mais de 20 dias, febre, emagrecimento e suores noturnos. Os pacientes também costumam sentir dores no tórax. Se não for tratada, a doença destrói os pulmões.
Como é o tratamento
O doente precisa tomar doses diárias de antibióticos durante seis meses. A tuberculose é curável e o tratamento é gratuito. Os sintomas desaparecem no primeiro bimestre. O bacilo deixa de ser transmitido 15 dias depois do início do tratamento. É aí que mora o perigo. Muitos pacientes acham que já estão curados e abandonam os remédios. Surgem as cepas resistentes, chamadas de MDR e XDR.
A principal ameaça
A pior praga, a XDR, já foi identificada no Brasil. Dois casos foram registrados no Rio. A cepa está se espalhando rapidamente pelo mundo. Segundo a OMS, a perspectiva de uma epidemia de tuberculose intratável está diante de nós. Por isso é tão importante que o paciente siga o tratamento até o fim. Só isso podemos evitar que as cepas MDR e XDR se espalhem ainda mais.
Durante o evento, o Ministério da Saúde vai divulgar os dados nacionais sobre a doença. Vai mostrar que as taxas de cura estão aumentando. Um bom exemplo é o caso da Favela da Rocinha. A incidência nacional de tuberculose é de 48 casos a cada 100 mil habitantes. De todos os estados brasileiros, o Rio tem os piores números: 94 casos a cada 100 mil.
Na Favela da Rocinha, o índice era absurdamente alto: mais de 500 casos a cada 100 mil foram verificados em 2003. Atualmente, o número baixou para 440 a cada 100 mil. Ainda é altíssimo, mas o trabalho feito na favela está no caminho certo. Agentes comunitários são treinados para procurar novos casos e evitar que o doente abandone o tratamento.
As fotos que ilustram esta coluna foram feitas pela fotógrafa coreana Jean Chung na Favela da Rocinha. Ela foi convidada pela OMS a percorrer o mundo e registrar o flagelo da tuberculose. As fotos impressionam. Mas eu acho que a OMS também deveria produzir ensaios fotográficos com doentes de classe média. Quem sabe assim a sociedade despertaria para um problema que não obedece barreiras geográficas ou sócio-econômicas. Eu e você temos muito a ver com isso.
Fonte: Revista Época, março 2009.
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Lembrando...
OMS alerta para aumento do risco de epidemias, doenças infecciosas estão se propagando
23.08.2007 - Doenças infecciosas estão se propagando mais depressa do que nunca, de acordo com o relatório anual da Organização Mundial da Saúde (OMS). Com cerca de 2,1 bilhões de pessoas viajando de avião todos os anos, há um grande risco do surgimento de outras grandes epidemias como aids, Sars ou febre de Ebola.
A OMS pede mais esforços para combater surtos de doenças e que sejam compartilhados dados sobre vírus para ajudar a desenvolver vacinas. Em um relatório intitulado Um Futuro Mais Seguro, a entidade diz temer que a falta de ação no combate aos surtos possa ter um impacto devastador sobre a economia global e a segurança internacional.
Segundo a OMS, novas doenças estão surgindo em um ritmo "historicamente sem precedentes" de uma por ano. Desde a década de 70, 39 novas doenças se desenvolveram e, só nos últimos cinco anos, a OMS identificou mais de 1,1 mil epidemias, incluindo cólera, pólio e gripe aviária.
"Seria extremamente ingênuo e complacente pensar que não haverá uma outra doença como a aids, uma outra Ebola e outra Sars, mais cedo ou mais tarde", diz o relatório. Compartilhar dados médicos, habilidades e tecnologia entre nações ricas e pobres é "uma das rotas mais viáveis" para segurança sanitária, afirma.
A OMS está envolvida em uma disputa com a Indonésia em relação a amostras do vírus H5N1, que provoca a gripe aviária. O governo indonésio se recusa a compartilhar suas amostras com a OMS em meio a temores de que empresas farmacêuticas usem esses vírus para fabricar vacinas que sejam caras demais para aquisição pela Indonésia.
A China só começou a compartilhar suas amostras de H5N1 em junho.
O relatório da OMS também pede aos governos que sejam mais transparentes em relação a surtos de doenças, dizendo que quase a metade de todos os alertas que recebe chegam pela imprensa.
Resistência a medicamentos também representa uma ameaça para o controle de doenças, de acordo com a OMS, que culpa o mau uso de antibióticos e tratamento médico ruim pelo problema, destacando o caso da tuberculose.
Na introdução do relatório, a diretora-geral da OMS, Margaret Chan, disse que a cooperação é crucial para combater surtos.
"Dada a vulnerabilidade universal de hoje a estas ameaças, a melhor segurança é a solidariedade global", afirmou Chan. "Segurança internacional de saúde pública é tanto uma aspiração coletiva quanto uma responsabilidade mútua."
Brasil, Argentina, Canadá, México, Peru e Estados Unidos são mencionados como exemplos de países que já criaram Centros de Operação de Emergência que os permitirão concentrar informações sobre epidemias e coordenar uma resposta a uma situação real ou potencial de emergência sanitária.
O Brasil também é mencionado como o primeiro país em desenvolvimento a fornecer terapia antiretroviral para a aids através de seu sistema público de saúde.
Fonte: Terra notícias
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"Haverá grandes terremotos por várias partes, fomes e pestes, e aparecerão fenômenos espantosos no céu". (Lc 21,11)