Especialistas advertem para aumento da violência na África


15.03.2009 - Especialistas alertam para a possibilidade de aumento da violência em algumas regiões do continente africano e defendem a intervenção da ONU na mediação de conflitos. Somente no mês de março, o presidente da Guiné-Bissau foi morto por militares e o líder do Sudão, Omar al-Bashir, teve prisão decretada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).
O caso da Guiné-Bissau, um país tido como ponto de conexão entre os narcotraficantes da América Latina e a Europa, é alvo de preocupações de estudiosos do assunto. O assassinato do presidente João Bernardo Vieira, precidido pela morte do chefe do Estado-Maior do Exército, general Tagmé Na Wai, pode desencadear uma escalada de violência no país.

"Muitos cientistas políticos e sociólogos da Guiné-Bissau avisaram que o país está à beira de um conflito generalizado", alerta Daniel Chaves, pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Tempo/UFRJ). "Boa parte da elite política nacional é acusada de envolvimento com o narcotráfico - inclusive o presidente e o chefe militar que foram mortos".

Para o professor de matemática e participante do Fórum África, Saddo Ag Almouloud, nascido em Mali e que atualmente mora em São Paulo, a esperança para que a violência não se instale na Guiné-Bissau é a força da comunidade internacional. "Por isso o exército respeitou a constituição e não tomou o poder. Espero que a situação se resolva, pois o país é rico em recursos naturais e não consegue explorar como poderia", disse Saddo.

Darfur
No Sudão, o conflito de Darfur matou cerca de 400 mil pessoas em menos de dez anos. O Tribunal Penal Internacional (TPI) acusou, no dia 4, o presidente do país, Omar al-Bashir, por crimes de guerra e crimes contra a humanidade em Darfur. No entanto, o governo local se nega a cumprir a determinação e al-Bashir segue no cargo.

"Seria uma ingenuidade achar que um governante autoritário se entregaria à Justiça tão facilmente", analisa Karl Schurster, também pesquisador do Tempo/UFRJ. "O problema nisso é a possibilidade de aumento do conflito e conseqüentemente elevação dos mortos e feridos. O Sudão vive não só uma crise política, mas uma crise humanitária", completa.

Para Saddo, al-Bashir tem uma grande responsabilidade no conflito. "Como Darfur é uma região pobre, ele se apoiou em uma parte da população para promover massacres. Para o governo, é mais barato armar milícias que formar um exército. Eles atacam de noite, colocam fogo nas casas e violam as mulheres", disse Saddo.

Para melhorar índices sociais, fortalecer a economia e estabilizar politicamente o continente africano, os analistas apostam na mediação da ONU, na ajuda humanitária de ONGs e na influência do presidente Barack Obama. "A função da ONU não é solucionar o conflito, mas fazer a mediação para que se chegue a um consenso que viabilize um acordo", diz Schurster.

Para Chaves, Obama deverá assumir o posto de mantenedor da ordem internacional. No entanto, esta postura irá depender da resolução do problema interno de crise de crédito nos EUA. "Objetivamente, seria interessante sugerir ao presidente Obama e aos outros líderes que não tornem a África novo palco de conflitos entre grandes potências", afirma o pesquisador.

Além do Sudão e da Guiné-Bissau, outros países são apontados pelos especialistas como altamente instáveis. A Somália, que registra grande atividade de pirataria na costa; a Argélia, devido aos núcleos terroristas presentes na região; e Zimbábue, que tem inflação diária de 98%.

Redação Terra

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"Ouvireis falar de guerras e de rumores de guerra. Atenção: que isso não vos perturbe, porque é preciso que isso aconteça. Mas ainda não será o fim". (Mt 24,6)

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Lembrando...

Meninas viram soldados na África

26.08.2007 - Aos 12 anos, Lucy Aol segurava firme um rifle e se preparava para uma emboscada contra soldados do governo. Aos 13 anos, um comandante rebelde uma década mais velho casou-se com ela. Aos 16, ela já era mãe.

Aos 21, com o rosto renovado e radiante, usando uma camiseta limpa e com o cabelo cuidadosamente trançado, Aol é uma estudante universitária de saúde ambiental na capital de Uganda, e planeja usar seu conhecimento para melhorar a saúde de seu país massacrado pela guerra.

Aol teve uma trajetória surpreendente de soldado-mirim a jovem mulher de futuro, mas outras milhões de crianças em toda África continuam vítimas da guerra – órfãs, forçadas a sair de casa, sem oportunidade de educação e, como Aol, forçadas a lutar em conflitos iniciados por seus ancestrais.

Todavia, lentamente, a campanha mundial contra o horror dos soldados-mirins, e a perseguição dos responsáveis como criminosos de guerra, começou a trazer resultados.
Segundo estimativas, as meninas são cerca de 30% dos guerrilheiros infantis. Elas enfrentam dificuldades que os garotos não, como o estupro e o estigma que ele traz, tornando difícil para que essas garotas voltem a suas comunidades.

Aol tinha 12 anos quando foi seqüestrada por um temido grupo rebelde de Uganda, forçada a andar centenas de quilômetros até um acampamento no vizinho Sudão, onde a ensinaram a usar uma arma de fogo.

“Fomos usados como escravos”, diz Aol, olhando para a parede do apertado dormitório na Faculdade de Medicina Mulago, de Kampala. “Costumávamos trabalhar na roça ou coletar madeira para fogo das sete horas da manhã até às cinco da tarde sem nenhum alimento. Se você cometesse um erro ou se recusasse a trabalhar, eles nos batiam... as três garotas que foram tiradas da minha cidade morreram espancadas”, disse ela.

Aol foi capturada pelo Exército de Resistência do Senhor, um grupo rebelde sediado no norte de Uganda que estima-se ter seqüestrado 25 mil crianças durante os seus 20 anos de rebelião contra o governo. Negociações de paz estão em andamento, mas os pedidos para libertação de crianças são refutados com a negação de que elas estão sendo coagidas a se tornarem soldados.

De acordo com o Human Rights Watch, os soldados-mirins assumem diversas funções, como espiões, porteiros, desarmadores de campos minados, concubinas e também como combatentes ativos, freqüentemente servindo nas frentes de batalha e sustentando um dos conflitos mais longos e sangrentos da África.

O número de soldados-mirins – definidos pela lei internacional como crianças menores de 18 anos – não pode ser estimado, dizem os grupos humanitários. E apesar de a maioria ser recrutada à força, muitos se juntam a eles por desespero. Para os órfãos ou os que estão separados de suas famílias, o alistamento pode ser a única forma de conseguir abrigo, comida e companhia.

As crianças são facilmente manipuláveis e podem ser criadas desde a tenra idade para obedecer ordens sem questionamento. Funcionários de proteção às crianças citam numerosas táticas usadas pelos cruéis comandantes para coagir seus jovens cativos à obediência. Em Serra Leoa, soldados-mirins recebiam um coquetel de pólvora e cocaína antes da batalha. Na Libéria, eles eram forçados a fazer coisas que os isolariam permanentemente da comunidade, como matar membros da família.

Algumas crianças que passaram pelo Exército de Resistência do Senhor, um grupo pseudo-religioso com uma plataforma política muito vaga, contam que eles passavam óleo nos jovens guerrilheiros para fazê-los acreditar que eram à prova de balas.

“Fui somente uma vez par ao campo de batalha”, diz Aol. “Preparamos uma emboscada para os soldados do governo e esperamos. Mas depois de três dias eles não vieram, então voltamos e outro grupo tomou nosso lugar. Os soldados vieram e houve uma batalha. Eles mataram 16 membros do ERS. Todos eram crianças e alguns eram meus amigos.”

Aol disse que a maior parte dos guerrilheiros do ERS em seu acampamento tinha entre 10 e 15 anos.

“Você recebe treinamento em armas por uma ou duas semanas, então é mandado para uma batalha mas a maioria não sabe como lutar, então são mortos”, diz ela.

“Fico triste porque jovens como eu morrem não por causa de algo em que acreditam, mas por que são forçados a lutar. Os rebeldes dizem: ‘Não desista – não corra’ ou então eles o matam.”

Aos 13 anos Aol tornou-se a terceira mulher de um comandante do ERS. Ela disse que sofreu “abuso sexual” e apanhava com regularidade das outras esposas mais velhas. Ela considerou o suicídio.

Após três anos de sofrimento, Aol decidiu fugir. Ela conseguiu convencer seu “marido” rebelde que uma vida melhor esperava por eles em casa. Uma manhã, temendo por suas vidas, voltaram para o Sudão.

Levou três semanas para eles chegarem a Uganda. Uma vez lá, foram cercados por soldados do governo. Aol foi capturada e seu marido, o comandante, foi morto a tiros. Ela foi levada para um centro de ex-combatentes onde recebeu aconselhamento e descobriu que estava grávida. Ela deu à luz a uma menina, Winifred Bianca, quatro meses depois.

Voltar à vida normal foi difícil. Ela não tinha dinheiro para continuar seus estudos, e apesar de sua família lhe dar as boas vindas, os vizinhos – cuja filha foi morta pelos rebeldes – não a aceitavam assim tão bem.

“Eles perguntavam por que eu estava viva e sua filha não. Eles diziam que eu havia matado pessoas e que eu poderia matar meus pais”, disse ela.

As jovens mães têm seus filhos levados ao ostracismo como “crianças Kony”, em referência a Joseph Kony, o auto-proclamado profeta que lidera o Exército de Resistência do Senhor.

“As pessoas dizem que temos fantasmas que nos seguem porque matamos... eles apontam para nós e falam mal de nós”, diz Aol.

É mais difícil para as guerrilheiras meninas que retornam, de acordo com Susan McKay, professora de Estudos da Mulher e Internacionais na Universidade de Wyoming, que estuda o assunto.

“As garotas que retornam a suas comunidades são vistas como tendo violado mais normas sociais do que os garotos”, diz ela. “Elas têm dificuldade em se casar e seus filhos são freqüentemente estigmatizados.” A pobreza leva muitas à prostituição, diz ela, e até mesmo de volta ao exército de rebeldes do qual fugiram.

Acordos de paz feitos recentemente, incluindo os do Sudão, Costa do Marfim e Burundi, incluíram uma estrutura para ajudar as crianças a voltar para a sociedade. Radhika Coomaraswamy, representante das Nações Unidas para Crianças e Conflitos Armados espera ver parágrafos padronizados em todos os acordos que terminam com as guerras das quais crianças participam.

Apesar de ela enfatizar que ainda há muito trabalho a ser feito, Coomaraswamy acredita que o mundo já deu alguns passos significativos. Mais de 100 países ratificaram um tratado da ONU banindo o alistamento de crianças, e um grupo de trabalho que se reporta diretamente ao Conselho de Segurança da ONU sobre situações envolvendo os soldados-mirins tem tido sucesso.

Parte desse sucesso foi a decisão tomada pelos rebeldes da Costa do Marfim de entrar em diálogo com as equipes da ONU e aceitar um plano para libertar as crianças.

A lei também teve resultados. Em 20 de junho, a corte apoiada pela ONU que julga crimes cometidos na guerra civil de Serra Leoa condenou três ex-líderes da junta que usavam soldados-mirins – o primeiro veredito desse tipo, de acordo com Corinne Dufka do Human Rights Watch. Cada um deles foi sentenciado à prisão por 45 a 50 anos.

A Corte Internacional de Crimes trata o recrutamento de crianças com menos de 15 anos para forças armadas como um crime de guerra. O primeiro caso antes da corte de Hague, que começou esse ano, foi o de um ex-líder de milícia no Congo, Thomas Lubanga, e focou no uso de soldados-mirins.

O caso de Lubanga já está agindo como uma contenção na África, diz Coomaraswamy. Muitos analistas acreditam que a decisão por parte do Exército de Resistência do Senhor de entrar em negociações de paz no ano passado foi forçada pela condenação de seus cinco líderes principais, incluindo Kony, por acusações de forçar o alistamento e usar soldados-mirins. Acredita-se que o ERS não seqüestrou mais nenhuma criança desde que os diálogos de paz produziram um cessar-fogo em agosto.

Enquanto isso, Lucy Aol é hoje uma moça eloqüente e inteligente de 21 anos de idade. Com a ajuda da mãe, de uma pequena herança de seu pai – que morreu no ano passado – e de seu próprio trabalho duro e determinação, ela guardou dinheiro suficiente para entrar na Faculdade de Medicina Mulago, situado no hospital de maior prestígio de Uganda.

Sua filha, hoje com 5 anos, fica com a mãe de Aol enquanto ela estuda.

“Não tenho dinheiro para mandar Winifred para a escola enquanto eu estiver estudando, então ela tem de esperar. Eu tenho mais um ano, então poderei arrumar um emprego e ela irá para a escola”, diz Aol, radiante. “Quero que minha filha tenha todas as oportunidades que eu nunca tive. Sua educação é muito importante para mim. Acho que ela pode se tornar uma advogada.”

Aol balança a cabeça e sorri quando questionada se ela imaginava que teria um final feliz enquanto estava com os rebeldes.

“Agora, quando olho para mim, vejo uma pessoa completamente diferente da que estava lá no campo”, diz ela. “Minha filha e eu temos um futuro a despeito de tudo o que aconteceu.”

Fonte: G1


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