Artigo Extra - www.rainhamaria.com.br - em 13.03.2009
Em reportagem do jornal “O Globo” desta sexta-feira (13/03), intitulada CNBB desautoriza bispo e nega excomunhão, informa-se que, de acordo com a CNBB, no caso da menina obrigada a fazer aborto em Recife, “ninguém foi punido” canonicamente. Afirma ali o presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha:
— O arcebispo de Olinda e Recife anunciou que esse tipo de ato (o aborto) traz essa possibilidade (de excomunhão). Mas ninguém foi punido. O arcebispo de Olinda e Recife tão somente avisou que a conduta dos envolvidos poderia resultar em excomunhão.
Com tal inacreditável afirmação, o presidente da CNBB (um bispo!) simplesmente rasga, despreza, ignora o Código de Direito Canônico e as leis de Deus. Não dá para sentir outra coisa senão repulsa, indignação, tristeza, revolta com tão desprezível ato, mormente vindo de um bispo. Um homem que, em algum dia de sua vida, recebeu o indelével sacramento da Ordem! É essa a nossa Igreja? É essa a pax Christi? É para isso que fazemos um grande esforço para cumprir os preceitos e para estudar a doutrina bimilenar da Igreja? É para isso que pedimos o auxílio da Graça para cumprir os conselhos evangélicos? É para isso que nos confessamos regularmente? Tudo para vir um bispo, cuja autoridade é nenhuma neste caso — simplesmente por ir contra a lei da própria Igreja, contra a Tradição e o Magistério — e dizer uma coisa dessas? Só para dar um exemplo do que digo (dentre tantos que eu poderia trazer à luz): o Concílio de Elvira (313) estabelecera, para a mulher que praticasse o aborto, a pena de penitência perpétua e recusa à comunhão no leito de morte! E se porventura hoje a Igreja dá um tratamento mais benevolente à mulher que aborta, considerando circunstâncias atenuantes que possam reduzir a sua responsabilidade pessoal, isto não implica uma revisão do caráter de homicídio do aborto — cuja gravidade da pena canônica é proporcional à gravidade do delito. No estupendo livro “A Política em Aristóteles e Santo Tomás”, de Jorge Barrera, há um longo capítulo sobre o tema.
Ora, ou o presidente da CNBB desconhece o Código de Direito Canônico (e nem sequer me refiro ao de 1917, mas ao vigente), ou, se o conhece, age com absoluta má-fé. Tertium non datur. Ademais, somente um péssimo teólogo e pior filósofo pode engrolar tanto as idéias, sob o pretexto político de evitar danos à “imagem” da Igreja. É para isso que serve a hierarquia? Para evitar danos à imagem? Não, amigos. Rezemos para que esses membros da CNBB reconsiderem e apóiem o arcebispo de Olinda e Recife, mesmo que isto pareça humanamente impossível...
Outro bispo — secretário-geral da CNBB, Dom Dimas Lara Barbosa — afirma que a mãe da menina que abortou não está excomungada, “pois agiu sob pressão com o objetivo de salvar a filha” (ainda que matando, por um ato livre da vontade, os dois netos). E, quanto aos médicos envolvidos, diz D. Dimas que só se pode garantir que estão excomungados os profissionais “conscientes e contumazes na prática do aborto”. Ora pelotas, será possível algum médico participar de um aborto de forma “inconsciente”? Ou será que os médicos de que se trata estavam em transe mediúnico e realizaram o aborto inconscientemente? Ademais, não é verdade que o médico precisa ser contumaz; basta um só ato livre e consciente para que a pena latae sententiae se dê, nesta matéria. Ademais, quantos abortos seriam suficientes para qualificar um médico abortista como “contumaz”? Dez? Vinte? Cem? Perguntem ao bispo.
A outra alegação — de que a punição, neste caso, depende do grau de consciência de cada um — é igualmente contra o que sempre ensinaram os Doutores e o Magistério, ou seja: a ignorância, embora atenue a culpa, não escusa o pecado, sobretudo nesta matéria. Como muito bem ensinava Santo Tomás, a consciência errônea não desculpa o pecado (conscientia erronea non excusat, De Malo, I, 2, ad. 8), e isto mesmo não sendo um pecado grave — quanto mais um que contrarie tão flagrantemente a lei natural (captável por todos pela sindérese)! Ah, Santo Tomás, se os nossos seminários voltassem a ter o foco em sua doutrina e na de Santo Afonso de Ligório, nesta matéria! Um exemplo? Leiam:
“Entre os pecados que são contra o próximo, tanto mais graves são uns que outros quanto maior é o bem do próximo a que se opõem. E o maior bem do próximo é a vida mesma, a que se opõe o pecado do homicídio, que priva o homem da vida atual. (...) Donde, dentre todos os pecados que há contra o próximo, o mais grave segundo o seu gênero é o homicídio”. (Santo Tomás, De Malo, I, 10, resp.)
Há mais: dizer que o aborto (homicídio contra a mais indefesa das criaturas) aconteceu em “condições excepcionais” — e por isso não é passível de pena canônica — significa pura e simplesmente repetir o que diz a lei hoje vigente no país, a qual permite o aborto em casos “excepcionais”. Bem, se nenhuma diferença há entre a lei humana e a lei de Deus, para que o Código de Direito Canônico?
Mas não paremos por aqui. As declarações da CNBB contrariam o que o próprio Vaticano manifestou sobre o caso: o diretor do Pontifício Conselho para a Família, Gianfrancesco Grieco, hipotecou há alguns dias o seu apoio ao arcebispo de Olinda e Recife, afirmando que “a Igreja não pode trair os seus princípios de defender a vida desde a concepção, mesmo diante de um drama humano tão forte”. Estará errado o Vaticano e certa a CNBB?
Estamos num momento histórico dramático para a Igreja, em que é necessário pedirmos a Graça da aquisição de virtudes heróicas, para não sucumbirmos aos sofismas de muitos que se omitem de suas funções para buscar um acordo político com o mundo. Mas que acordo pode haver entre Cristo e Belial? (Cor., II, 6, 15). Essa pax mundi nada tem de católica, amigos.
Pobre arcebispo José Cardoso Sobrinho! Hipotequemos uma vez mais o nosso apoio a ele, escrevendo aqui.
Em tempo: Antes que algum católico liberal de língua bífida diga que isto que escrevi é contra de caridade, etc., ou que só um canonista pode resolver o problema, blá-blá-blá, lembremos o seguinte: para a pena latae sententiae ser suspensa, basta o arrependimento dos que cometeram o ato. E é, literalmente, de graça: é só confessar o pecado e receber o perdão de Deus, pelo ministério da Igreja. Neste contexto, vale lembrar o sinal mais evidente da consciência com que praticaram o ato (evidência de uma eloqüência gritante!): nenhum dos envolvidos está arrependido; pelo contrário — os médicos disseram à grande imprensa que não estão nada, nada arrependidos... Em suma, se isto não é uma prova da plena consciência com que praticaram o ato, ao reiterar que nada fizeram de errado, o que poderia ser? E a CNBB ainda diz que os médicos precisariam ser “conscientes e contumazes”...
Por: Sidney Silveira - www.contraimpugnantes.blogspot.com