Jornal Der Spiegel: Saudações a Hitler, canções nazistas e sonhos de um novo Reich


26.02.2009 - Uwe Luthardt era um membro graduado do partido extremista de direita NPD (Nationaldemokratische Partei Deutschlands, ou Partido Nacional Democrático da Alemanha). Mas ele saiu da organização após três meses. Em uma entrevista, Luthardt descreve o NPD como sendo um partido profundamente radical, no qual as saudações a Hitler e as irregularidades financeiras são comuns - e que deseja restaurar o Reich alemão.

Spiegel: Você saiu recentemente do partido extremista de direita NPD. Você não está com medo?

Luthardt: O líder local do partido me ameaçou. Ele disse que um membro da diretoria não abandona o partido; só sai se for expulso ou se desaparecer. Eu retruquei dizendo que sei mais sobre ele do que ele sabe sobre mim. Desde então as coisas andam calmas. Uma pessoa que simplesmente sai do partido geralmente enfrenta uma porção de problemas, e pode acabar parando na UTI de um hospital.

Spiegel: Então, as pessoas que saem são ameaçadas?

Luthardt: Isso acontece. Caso contrário o partido teria ainda menos integrantes. No momento o clima não é bom. É fácil perceber que o partido está sem dinheiro.

Spiegel: O que te desagrada nos seus antigos colegas de partido?

Luthardt: Aquilo lá não era de fato o meu mundo. Quando você vai às reuniões noturnas, a primeira coisa que vê são as cabeças raspadas - e um sol negro e outros símbolos nazistas tatuados nos braços das pessoas. Os caras geralmente se embebedam ou agem de forma abusiva. Se não houver um oponente por perto, eles simplesmente brigam entre si.

Spiegel: Em outras palavras, as bases não são particularmente intelectualizadas.

Luthardt: Muitos membros da JN (Junge Nationaldemokraten, ou Jovens Nacional-Socialistas) e da Kameradschaften (conjunto de grupos de extrema direita agregados de forma não oficial) possuem um QI próximo do número que indica o tamanho do meu sapato. Muitos deles são simplesmente fracassados: estudantes fracassados, pessoas qeu abandonaram a escola ou o cursos profissionalizante, alcoólatras incapazes de ingressar em qualquer outro lugar, agressores violentos. Mas toda organização local tem três ou cinco homens que não têm antecedentes criminais. São eles que são mandados para encarar a imprensa ou administrar as informações que são divulgadas.

Spiegel: O que você esperava obter do partido quando nele ingressou?

Luthardt: Eu queria fazer algo pela Alemanha. Não estava interessado em uma Grande Alemanha. E de repente todos estavam dizendo que nós tomaríamos de volta a Silésia e que, a seguir, acabaríamos com os comunistas.

Spiegel: Como é que o partido financia as suas atividades?

Luthardt: Entre outras coisas, com eventos musicais. Eles obtêm dinheiro com a venda de ingressos. E, é claro, com o Festival dos Povos, que em 2007 gerou pouco menos de 17 mil euros.

Spiegel: Mas é preciso subtrair o dinheiro que a diretoria obtém dessa quantia.

Luthardt: Não. Geralmente eles dizem às autoridades que os dirigentes são pagos. Mas na verdade eles simplesmente arcam com as suas próprias despesas e obtêm recibos de contas supostamente pagas. Mas isso é doado de volta para o partido. E o partido pode então deduzir as doações dos seus impostos.

Spiegel: Por que eles renunciam ao dinheiro a que têm direito?

Luthardt: Por convicção. Isso também ocorre no partido. Sempre qeu eu ia a Berlim para um curso de treinamento, todos os custos com o nosso transporte era pago pela organização, mas depois o dinheiro era devolvido ao partido na forma de doações. É o mesmo padrão.

Spiegel: As doações envolvem lavagem de dinheiro - além dos recibos falsificados?

Luthardt: Basta ver as doações da América do Sul...

Spiegel: Doações da América do Sul?

Luthardt: Sim, contribuições feitas por alemães nacionalistas qeu não moram na Alemanha há algum tempo. Eles fazem doações a pequenas companhias, por exemplo, que por sua vez redirecionam o dinheiro para o partido. A base de poder do presidente do NPD, Udo Voigt, por exemplo, reside em indivíduos ricos da América do Sul - e Jürgen Rieger, o vice de Voigt, possui excelentes contatos lá.

Spiegel: Na mídia, os dirigentes do NPD apresentam-se como democratas de direita e procuram evitar declarações inconstituicionais. Até que ponto o partido é realmente radical?

Luthardt: O objetivo é a restauração do Reich no qual uma nova organização SA (Sturmabteilung, ou Tropas de Assalto paramilitares do Partido Nazista) vingue-se de todos que discordem deles.

Spiegel: Isso também se aplica à ala moderada?

Luthardt: Não existe nenhuma ala moderada. Os poucos e isolados elementos moderados não têm voz. Os cursos de treinamento de comunicação na sede do partido são muito eficientes. Os membros sabem como devem se apresentar. Isso começa com a instrução para que qualquer reunião com pessoas de fora seja realizada em escritórios inócuos. Isso se aplica a todos, com exceção do presidente. Ele posa deliberadamente para as câmeras na sede do partido, atrás de uma mesa enorme com bandeiras da agremiação. O escritório do partido em Jena merece mesmo a sua denominação: "Casa marrom". Nenhum jornalista nunca entrou lá.

Spiegel: E se entrasse, o que veria?

Luthardt: Uma porção de fotos das SS (Schutzstaffel, ou "Esquadrões de Proteção", unidade policial de elite da Alemanha nazista) no porão. E tem uma sala com armas.

Spiegel: Então a alegação de que o NPD não está interessado no "Terceiro Reich" é apenas para auto-proteção.

Luthardt: É pura tática. A idéia é atrair aqueles que ainda não entenderam que o partido não é apenas uma organização radical de extrema direita. Ele é muito mais do que isso. Trata-se de exibir uma imagem respeitável em público. É por isso que os líderes do partido preferem membros que usam roupas e cortes de cabelo totalmente normais. Essas pessoas podem ficar a cargo da campanha de informação.

"As pessoas se saúdam com o braço estendido"

Spiegel: Não há o perigo de que os ativistas neonazistas sejam expulsos caso o partido apresente uma imagem muito ameaçadora?

Luthardt: Não, porque todos sabem que trata-se apenas de tática. Os panfletos, os cartazes, a oposição ao Hartz IV (um reduzido e impopular benefício pago a indivíduos que encontram-se há muito tempo desempregados) - não existe nenhuma substância por trás disso. Ninguém sabe que alternativa haveria para o Hartz IV. Expulsemos todos os estrangeiros, de forma que os alemães tenham novamente empregos, esse é o conceito básico do qual o NPD fala. Eles só se referem aos trens de carga quando não há nenhum elemento externo escutando.

Spiegel Online: Os trens de carga do Terceiro Reich?

Luthardt: Aqueles trens nos quais eles desejam colocar os seus oponentes políticos, os judeus e os estrangeiros, assim que recuperarem o poder no país. Internamente, a conversa é bem direta. E entoar a música Horst Wessel (o hino do Partido Nazista) também é algo muito popular lá dentro. Não é de se admirar que os grupos que formam o Kameradschaften estejam dispostos a fazer silêncio em público.

Spiegel: Mas as relações com o Kameradschaften nem sempre são fáceis.

Luthardt: Sem dúvida não são. Os Nacionalistas Livres não gostam de receber ordens e são céticos quanto aos outros partidos. Mas a maioria deles ainda deixa-se ser usada pelo NPD. Eles são os idiotas úteis do partido. O papel deles pode ser comparado àquele que as SA desempenharam para os nazistas. Eu sempre digo a eles: simplesmente vejam a história das SA. Vai ser isso exatamente que acontecerá quando eles estiverem no poder.

Spiegel: Quando foi que você percebeu que as comunicações internas do partido eram tão diferentes da imagem que eles exibem para o mundo externo?

Luthardt: Logo depois de ter entrado para a diretoria. Isso não é difícil se você vê as pessoas saudando-se com o braço estendido.

Spiegel: Por que os ativistas evitam tais atividades inconstitucionais em público?

Luthardt: Os "soldados" do partido recebem ordens rígidas para jamais falarem com a imprensa. E é muito raro que algum deles abra a boca. Quando isso ocorre, eles são rapidamente convocados para uma reunião. Todos os dirigentes foram treinados para lidar com esse tipo de situação.

Spiegel: Eles aprendem como se comportar em público?

Luthardt: Este é um dos focos. Há documentos internos que explicam claramente como cada um deve se comportar. Tudo que seja relacionado ao Terceiro Reich é particularmente sensível. Assim, as pessoas aprendem a responder perguntas como, "Qual é a sua opinião sobre o Holocausto?". A primeira sentença tem que ser suficiente, caso contrário há o risco de serem feitas outras perguntas e a pessoa contradizer-se.

Spiegel: Você achou os cursos de treinamento convincentes?

Luthardt: Se você estiver do lado moderado do partido, os cursos são um choque. Eles fazem com que você se pergunte se está no partido certo.

Spiegel: Quem administra esses cursos?

Luthardt: Thomas Salomon. Ele está 100% convicto quanto ao que diz. Salomon é um dos principais ideólogos, juntamente com Jürgen Gansel e Holger Apfel, da Saxônia.

Spiegel: Com que tipo de política esses cavalheiros sonham?

Luthardt: Com o Reich alemão. Eles estão totalmente convencidos de que um dia vencerão uma eleição e que as coisas realmente começarão a acontecer. Qualquer um é capaz de imaginar o que aconteceria depois disso.

Entrevista feita por Christoph Ruf, autor de um livro recém-lançado sobre o NPD.

Tradução: UOL


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