Vaticano: Espanha vive batalha entre Igreja e Estado


07.01,2009 - A escola primária Macias Picavea não parece um foco de revolução. Mas o despretensioso edifício de tijolos na sonolenta cidade industrial de Valladolid se tornou um campo de batalha na guerra cada vez mais intensa que opõe Igreja e Estado na Espanha.

Em uma decisão sem precedentes no país, um juiz decidiu em novembro que a escola pública deve remover os crucifixos das paredes de suas salas de aula, porque elas violam a natureza "laica" do Estado espanhol.

Embora a Igreja não estivesse entre as partes envolvidas no processo, criticou a decisão como ataque "injusto" contra um símbolo histórico e cultural - e um sinal do secularismo cada vez mais militante do Estado na Espanha.

Se a decisão do juiz representa o mais recente revés para o domínio um dia férreo que a Igreja exercia sobre a vida espanhola, a resposta da hierarquia católica dá ao país a posição de polo na definição do futuro relacionamento entre Igreja e Estado na Europa.

Para o Papa Bento XVI, que apostou seu pontificado iniciado três anos atrás na empreitada de manter a Europa como região cristã, a Espanha, com sua população 90% católica e rica História religiosa representava uma última esperança em um continente no qual a religião tem cada vez menos importância.

Mas essa esperança está rapidamente desaparecendo. Desde 2004, o governo socialista do primeiro-ministro Jose Luis Rodriguez Zapatero legalizou o casamento homossexual e o divórcio acelerado, e está tentando afrouxar as leis que restringem aborto e eutanásia.

Mas, em resposta, a Igreja e os católicos mais praticantes vêm pressionando por maior participação na vida pública. O resultado é uma guerra aberta entre Igreja e governo.

A Espanha representa a um só tempo o passado da Igreja Católica na Europa e um possível futuro: um país cada vez mais laico em que atua uma oposição católica vigorosa, definida pelo Papa como "uma minoria criativa", superada em número mas ardorosa em sua fé.

O que está em jogo é uma visão do país: a Espanha aderirá ao resto da Europa laica ou se manterá como último baluarte do catolicismo? "Eu diria que certamente existe preocupação e seria ingênuo negá-la", disse o porta-voz do Vaticano, reverendo Federico Lombardi, sobre a Espanha. "Estamos em um momento crítico do confronto entre a Igreja e a secularização da Europa e do mundo ocidental".

Em 28 de dezembro, na festa da Sagrada Família, um total estimado em 158 mil pessoas compareceu a uma missa-comício em Madri, "em defesa da família".

A marcha parece ter sido mais discreta do que eventos recentes do mesmo gênero. Antes da eleição de 2007, a Igreja encontrou dificuldades quando alguns dos eventos de massa que promove foram vistos como favoráveis à oposição de direita, derrotada por Zapatero.

Hoje, os prelados espanhois estão tentando ao máximo ser "pró-família", e não antigoverno, mas a situação é delicada.

Caso a Igreja se torne hostil demais ao governo, poderia comprometer a logística e o financiamento público requerido para que Madri sedie o Dia Mundial da Juventude, evento bienal da Igreja, em 2011. A escolha da capital espanhola para sediar o evento serve como prova do interesse da Igreja pela Espanha.

Em recente entrevista em Madri, o secretário geral da Conferência dos Bispos Espanhóis, monsenhor Juan Antonio Martinez Camino, disse que era importante para a Igreja "usar todos os meios de que dispõe para promover e defender seus direitos fundamentais".

Ele classificou a lei que legalizou o casamento e adoção homossexual em 2005 como "muito estranha, muito irracional e muito injusta".

As implicações são mais amplas, porque a Espanha, que abriga 42 milhões de católicos, continua a ser um ponto de referência para a América Latina, onde vivem 563 milhões de católicos, a maior concentração mundial dos fiéis dessa religião.

A Igreja também está preocupada com a possibilidade de que a Espanha estabeleça um precedente para legislação da União Européia. O Vaticano anunciou na semana passada que reavaliaria seu relacionamento com a lei italiana, a fim de evitar aderir a normas sociais italianas e da União Européia às quais se opõe.

A Igreja também ocupa um vácuo na direita política espanhola. O Partido Popular, de centro-direita, é fraco e jamais se envolveu muito em assuntos religiosos.

Hoje, um dos mais fortes e persuasivos oponentes de Zapatero à direita é um apresentador de rádio, Federico Jimenez Losantos, ex-comunista que se tornou direitista; o apresentador, que se professa ateu, tem um programa matinal na La Cope, a segunda mais ouvida das rádios espanholas - e rádio é propriedade da Conferência dos Bispos Espanhóis.

Com suas pesadas críticas a Zapatero, Jimenez é visto como um promotor de tensões entre Igreja e governo.

Ele admite que seu programa "cria problemas" entre os bispos e o governo. "Mas ao mesmo tempo, muita gente fica feliz porque a Cope existe e porque pelo menos existe alguma oposição".

Fonte: Terra notícias

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Lembrando...

Arcebispo denuncia que laicismo pretende fazer da Espanha uma sociedade de ateus

29.03.2007 - MADRI - Em sua última carta semanal, o Arcebispo de Valência, Dom Agustín García-Gasco, denunciou que "o laicismo radical que nos encontramos atualmente na Espanha constitui uma utilização do poder do Estado para fundar uma sociedade como se todos os cidadãos fossem ateus, sem aceitar a realidade da liberdade religiosa e suas repercussões na vida social e pública".

Conforme informou a agência AVAN, em sua carta intitulada "Liberdade para crer", o Prelado explica que "na Espanha de hoje se detecta o interesse por estender um modo de vida onde a referência a Deus seja considerada como uma deficiência na maturidade intelectual e no pleno exercício da liberdade".

O Arcebispo de Valência considera "necessária e urgente" a tarefa de "desmascarar o `nacional-laicismo que tratam de impor", pois não deixa de ser "um fundamentalismo que nada tem que ver com a sã laicidade".

Dom García-Gasco assinalou que o laicismo radical "avança com freqüência pela falta de consistência dos próprios fiéis, que às vezes, somos atraídos pela tentação de ocultar nossa fé na vida pública".

Segundo o Prelado "resulta-nos mais fácil deixar de ser cristãos quando se chega ao trabalho, ao entrar na política, ao procurar as diversões com os amigos". Entretanto, "quem nega a Jesus Cristo e oculta sua condição cristã na vida pública, dificilmente pode acreditar que ama a Deus com sinceridade e com toda sua pessoa".

"Acreditar -ou deixar de fazê-lo- é um ato pessoal no que cada um utiliza sua liberdade para aceitar ou rechaçar a iniciativa de Deus sobre sua própria vida", adverte e esclarece que "o ato de fé é uma expressão elevada da dignidade do ser humano e da liberdade de cada pessoa" embora "tampouco tomamos esta decisão de um modo isolado".

O Arcebispo afirma que a Igreja, "que recebeu como missão própria a custódia do dom da fé", sabe que "ali onde se promove o engano, a mentira, a manipulação, a malícia, o ódio, o ressentimento, a chantagem, a coação, a fealdade, o descaramento, a injustiça, a opressão, a exploração ou qualquer tipo de violência se dificulta, até o extremo, que o ser humano possa descobrir sua própria dignidade, seu incomensurável valor e o dom do amor de Deus".

Em sua carta, anima a fomentar "uma reta compreensão da sã laicidade" que encontra "incompatíveis o exercício da coação e o ato de fé". A sã laicidade "protege quem não aceita a Deus, mas ao mesmo tempo reconhece o direito à liberdade religiosa com todas suas conseqüências que inclui o respeito de quem livremente deseja praticar sua religião de forma congruente".

Fonte: ACI
 


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