Frei Antônio Moser: Quando o diabinho fala mais alto do que o anjinho?


21.10.2008 - Era uma vez uma menina de 15 anos, chamada Eloá. Ela tinha um namorado chamado Lindemberg. Já em meio a uma série de desentendimentos o namoro se estendeu por três anos, até chegar o inevitável rompimento. Dia 17 de outubro a turbulenta trajetória terminou da maneira mais trágica possível: o ex namorado feriu mortalmente Eloá, e de quebra atingiu também sua amiga Nayara.

Como no caso de Isabella, há uns meses atrás, a mídia não apenas deu cobertura aos fatos, mas martelou, com insistência, sobre os mesmos fatos e os mesmos ângulos. Como então também desta vez cabe uma pergunta no que se refere às razões de tanta insistência sobre um determinado episódio trágico.

Uma coisa é constatar, narrar e analisar fatos. Outra é trazer um fato isolado para o centro do palco, como se nada de semelhante estivesse acontecendo em muitos outros lugares. Uma coisa é certa: como em outros crimes parecidos dentro de alguns dias outros semelhantes irão se configurar em algum outro lugar.

No presente caso cabem sobretudo algumas interrogações mais direcionadas ao cerne da questão, cerne de alguma forma sugerido pelo próprio criminoso ao afirmar que estava acompanhado simultaneamente de um "diabinho" e de um "anjinho".

Ora o anjinho, ora o diabinho falavam mais alto aos seus ouvidos. O anjinho sugeria que libertasse a refém e se entregasse; o diabinho, que a matasse. O diabinho acabou vencendo, mas deixando no seu rastro uma pergunta muito séria, que ultrapassa o presente episódio: afinal, quando é que o diabinho fala mais alto do que o anjinho?

Trata-se de uma pergunta difícil de ser respondida, pois envolve vários níveis de consciência da pessoa e até mesmo circunstâncias que agem sobre a pessoa sem que ela se dê sempre conta. Em crimes como este, impulsos inconscientes e mistério do mal se interpenetram de tal forma que qualquer juízo sobre o que conduz a tais desatinos se apresenta como temerário.

Mas, com certeza, no caso de Lindemberg o que ele denominou de "diabinho" já vinha sussurando há muito tempo qual o caminho a seguir. Na exata medida em que Lindemberg ia alimentado um ciúme doentio, que transformava a pessoa amada em objeto obsessivo dos seus desejos, o diabinho já estava em plena ação. O revolver, o cativeiro, e todos os demais desdobramentos, seguiram exatamente as insinuações do diabinho.

É que nós seres humanos somos continuamente interpelados por um anjinho que se chama Amor, com "A" maiúsculo. Somos também continuamente interpelados por outros amores, com "a" minúsculo, que seriam melhor traduzidos pela palavra paixão. O primeiro, normalmente é fruto de uma caminhada de vida, onde a faísca inicial do Eros vai abrindo espaço para a amizade, até chegar à partilha da vida, que o Evangelista São João denomina de "ágape".

A paixão, por sua vez, seguida por um ciúme doentio, é como uma torrente incontrolável, que destrói tanto quem lhe opõe qualquer tipo de resistência quanto quem o alimenta.

Como bem expressa o Apóstolo Paulo no capítulo 13 da sua primeira carta aos Coríntios, o Amor é um dom do Espírito, e por isto mesmo não se irrita, nem é possessivo, mas "é paciente,... não guarda rancor... tudo desculpa...". A paixão, pelo contrário, faz parte do que o mesmo Apóstolo denomina de "obras da carne". Muito curiosamente na sua carta aos Gálatas ( 5, 19-21) Paulo coloca o ciúme entre os pecados que excluem do Reino, para caracterizar os estragos que ele costuma fazer.

Felizmente, tragédias como esta não revelam apenas o "diabinho": acordam igualmente muitos "anjinhos". São eles que induzem os colegas e milhares de pessoas à solidariedade, bem como inspiram os pais e parentes à generosidade que os leva a doar os órgãos da filha querida, para que outros possam viver.

No mais, os diabinhos sabem muito bem que obtém uma ou outra vitória, mas que estas mesmas vitórias são apenas aparentes, pois levam um grande número de pessoas a repensarem suas trajetórias de vida.

Fonte: Canção Nova


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