07.10.2008 - Cientista aponta outra 'verdade inconveniente'
Por fim muitos dos líderes econômicos mundiais começaram a compreender que desviar terras e safras alimentícias para a produção de biocombustíveis resulta em preços mais altos para os alimentos. Mas uma conseqüência igualmente importante dessa insensatez política vem sendo em larga medida ignorada pelo público e no debate político: a produção de biocombustíveis resultará em redução ainda maior do já desgastado suprimento de água do planeta.
É mais uma prova da grande e cada vez mais perigosa desconsideração que o mundo exibe quanto ao mais valioso, insubstituível e finito dos recursos naturais planetários: a água fresca.
Cerca de 70% da água utilizada no planeta já é dedicada a fins agrícolas, e embora todas as atividades nesse campo requeiram água, cultivar soja ou milho em volume suficiente para produzir biocombustíveis exige uso especialmente intensivo dos recursos hídricos.
Por exemplo, a produção de um litro de diesel pode requerer até nove mil litros de água. No caso do milho usado para produzir etanol, cerca de quatro mil litros de água são necessários para produzir um litro de combustível.
Em contraste, para atender às necessidades diárias de calorias de uma pessoa, é necessário utilizar cerca de 2,5 mil litros de água, na Tunísia ou Egito, e cerca do dobro na Califórnia (o volume de calorias consumidas varia amplamente de região a região devido a variações de dieta).
Se todas as metas e cronogramas estabelecidos por governos de todo o mundo para seus programas de biocombustíveis foram cumpridos, o uso de água fresca pela agricultura pode crescer em até um terço. Ou seja, reduzir os problemas energéticos do mundo por meio do uso de biocombustíveis vai requerer mais água do que o mundo poderia gastar.
Simplesmente não temos água suficiente. O nível da água presente em lençóis freáticos de todo o mundo está em queda. E embora existam substitutos para o petróleo, o que pode substituir a água?
O mundo está enfrentando uma crise de água, e conseqüentemente uma crise alimentar, que em termos de severidade e potencial impacto supera de longe a atual crise dos alimentos ou a da exaustão dos combustíveis fósseis.
Ou jamais ocorreu aos defensores dos biocombustíveis perguntar alguma coisa sobre a quantidade de água que produzi-los requereria ou eles simplesmente optaram por ignorar essa verdade inconveniente.
De acordo com um relatório do Instituto International de Administração da Água, em 2025 cerca de um terço da população do planeta, talvez até três bilhões de pessoas, terá de enfrentar escassez de água. Do ponto de vista agrícola, podemos estar contemplando perdas equivalentes a toda a safra de grãos dos Estados Unidos e da Índia, então.
De acordo com algumas estimativas, mesmo sem os biocombustíveis ainda estaremos bem perto do limite máximo de consumo de água fresca em todo o mundo, por volta de 2050. Se a dependência quanto aos biocombustíveis aumentar, isso pode exacerbar o problema.
Houve uma notável falta de planejamento, no esforço para converter alimentos em combustível. Na Europa e nos Estados Unidos, um incorporador imobiliário que deseje construir um shopping center está sujeito a uma extensa avaliação de impacto ambiental.
Mas quando os políticos decidiram promover os biocombustíveis, essas decisões não foram precedidas por uma análise igualmente exaustiva da sustentabilidade ambiental dessa forma de produção.
Não importa qual tenha sido o processo adotado, as autoridades decerto negligenciaram o suprimento cada vez menor de um recurso essencial à vida, a fim de substituir os combustíveis fósseis e combater o aquecimento global. Não é um compromisso sensato. Não há dúvida de que precisamos reduzir nosso consumo de combustíveis fósseis. Mas biocombustíveis derivados de safras alimentícias plantadas exclusivamente para esse fim são claramente a solução errada. Embora existam substitutos para o petróleo, não existem substitutos para a água.
Esse escândalo é instrutivo porque foi causado em parte pela atitude que prevalece quanto à água tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos.
A água continua a ser tratada como recurso ilimitado por número excessivo de comunidades, e um dos motivos é que ela não tem preço. Os Estados subsidiam pesadamente o uso de água, e ela chega a ser gratuita para fazendeiros e consumidores.
Porque não tem valor de mercado, não existe incentivo para que seja usada com eficiência. Se a água não fosse grátis ou pesadamente subsidiada, ainda haveria produção de biocombustíveis? Duvido muito.
O problema da água pode ser resolvido. Requer uma condução mais cuidadosa na gestão dos suprimentos de água, de parte dos governos locais e racionais.
De minha parte, acredito que a adoção de normas de preço razoáveis para a água encorajaria o uso e desenvolvimento de safras que empregam água com eficiência na cultura, e de sistemas de irrigação inteligentes. Mas mesmo quem discorde dessa idéia deveria se incomodar com a falta de atenção à água da parte daqueles que correram sem hesitar para os biocombustíveis como resposta aos problemas energéticos do planeta.
À medida que a comunidade internacional se esforça por determinar de que maneira o aquecimento global deve ser combatido e como podemos construir um futuro sustentável, à necessário que deixemos de ignorar uma prioridade muito mais urgente.
Não resolver o problema da água resultará em escassez de alimentos. A escassez de água já deixou de ser uma questão ambiental, e representa hoje uma questão de segurança nacional e internacional que não pode mais ser ignorada.
Fonte: Terra notícias