13.09.2008 - Reportagem da revista ISTOÉ, setembro 2008.
Igreja se profissionaliza nos meios de comunicação para conquistar fiéis
Há quem diga que Jesus Cristo tenha sido o grande comunicador da história das religiões. Em seus discursos, ele se posicionava a favor do vento para que sua voz ganhasse amplitude. Utilizava a simbologia da palavra "pastor" para mostrar a importância de ser líder das "ovelhas desgarradas". Nos sermões para as multidões, a montanha era seu palco. A tática, mesmo que não intencional, funcionou. Milhões de pessoas se viram - e se vêem - representadas em suas metáforas, arquétipos e alegorias.
Séculos mais tarde, tanto a mensagem quanto a forma de linguagem continuam sendo utilizadas, agora amplificadas pelos meios de comunicação de massa. Atualmente, esse é o método mais eficaz de conquistar - e manter - fiéis. A Igreja Católica, o grande pilar do cristianismo no mundo, se manteve distante - e arredia - dos recursos da mídia durante muito tempo, mas há alguns anos rendeu-se definitivamente ao seu poder. No Brasil, depois de engatinhar e perder para os evangélicos nesse campo, os católicos dão passos seguros em direção à profissionalização. Hoje, alcançam fiéis com 13 emissoras de tevê, 97 rádios, dez gravadoras e 40 editoras (leia quadro à pág. 68). Tentam com esses recursos ampliar seu rebanho.
Os pioneiros na entrada profissionalizada da mídia como reforço da prática da fé foram os evangélicos pentecostais (como a Igreja Universal do Reino de Deus, que atualmente tem a Record como carro-chefe). Com o discurso adaptado aos novos tempos, o número de seguidores no Brasil aumentou de 3,4% para 15% em 50 anos. Inversamente, os católicos diminuíram de 93% para 73% no mesmo período. "Devemos copiar aquilo que deu certo na forma com que os evangélicos utilizam a grande mídia", reconhece o monsenhor Jonas Abib, fundador da Canção Nova, o maior pólo de comunicação católica do Brasil. Diante do desafio, a Igreja se movimenta na luta pelos holofotes. O contra-ataque foi iniciado na década de 70, com os shows em estádios do padre Zezinho, que substituiu o estilo de composição litúrgica pelo popular. E consolidado com a explosão na mídia em 1998 do padre Marcelo Rossi, religioso que levou a palavra de Deus aos programas de auditório da televisão, trios elétricos, shows de artistas leigos e cinema, abriu caminho para novos talentos católicos e fomentou uma vasta indústria de entretenimento religioso.
A mudança de atitude já promove resultados. A cada ano, aumenta o número de padres cantores, festivais profissionais de música, livros, revistas, discos, DVDs, programas de rádio, tevês, além de sites, blogs e, até mesmo, feira de produtos e serviços semelhante aos grandes salões de negócios. Os CDs, produzidos há dez anos em pequenos estúdios das gravadoras religiosas, ganham espaço nas gigantes, como Sony e Som Livre, que ainda gravam DVDs ao vivo de espetáculos com milhões de fiéis.
Para adequar o cristianismo à mídia e lançar outros "padres Marcelos" no mercado, surgiram as empresas especializadas em artistas católicos e na produção de festivais de porte, como o Hallell e o Halleluya, que reúnem cerca de 850 mil pessoas em várias cidades do Brasil, com patrocínio de grandes marcas, como Coca-Cola e Claro. A Talento Produções lançou nomes como padre Fábio de Melo, Adriana, Ziza Fernandes e Eros Biondini. Já a Codimuc seguiu o filão da música para jovens e produz o material publicitário das bandas católicas de pop rock, axé e eletrônico que agradam ao público, como Anjos de Resgate e Rosa de Saron.
O primeiro festival Halleluya ocorreu em 1995, para apenas 500 pessoas e com poucos artistas se apresentando. "Hoje, temos um espaço de 22 hectares, reunimos 650 mil pessoas e 25 bandas de música", comemora Aurinilton Leão, coordenador e membro da Shalom, a primeira comunidade católica brasileira a ser reconhecida pelo Vaticano. Nesses eventos, não é cobrado ingresso. E, se há entrada de dinheiro, ele é revertido para novos shows.
Nem todos os membros da Igreja aprovam a relação dos padres com a indústria cultural. "A grande maioria dos católicos que participam destes festivais não vai às missas. Eles rejeitam a profundidade porque só querem saber de cantar e dançar. É uma forma de oferecer uma religião à la carte", diz padre Pedro Gilberto Gomes, pró-reitor acadêmico da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul.
A nova forma de fazer religião, popularizada pelo movimento da Renovação Carismática Católica, famoso por introduzir elementos emocionais e muita música e coreografia às celebrações, ganhou força no Brasil apenas nos últimos dez anos, mas se fundamenta numa antiga orientação do Vaticano. Em 1975, o papa Paulo VI assumiu a crise institucional da Igreja e fez um apelo aos eclesiásticos no documento oficial Evangelii Nuntiandi. "Façam chegar ao homem moderno a mensagem cristã por todos os meios que estejam ao seu alcance." Com base no pedido institucional, a Canção Nova, pioneira na entrada dos católicos no rádio, em 1978, e na tevê, em 1989, derrubou o muro de isolamento da Igreja e popularizou a comunicação com o povo.
Apesar da intenção inovadora, a estrutura era precária. No primeiro ano da rádio, a comunidade não tinha verbas para aquisição de equipamentos profissionais e dependia de doações. Os programas eram gravados num pequeno estúdio e ganhavam os fiéis pela animação. "Era um programa de evangelização com músicas que tinham influências rítmicas da jovem guarda e do pop rock. As pessoas adoravam", conta monsenhor Jonas. O sucesso foi tanto que três emissoras grandes de rádio na época se interessaram na transmissão do programa. Com o aumento das doações, a Canção Nova comprou a Rádio Bandeirantes. Hoje, a comunidade ocupa uma área de 46 hectares em Cachoeira Paulista (SP) com mais de mil membros que vivem numa espécie de "hollywood religiosa". "Nosso desafio agora é sair do analógico e digitalizar a transmissão", diz monsenhor Jonas. A Canção Nova, que será reconhecida oficialmente pelo Vaticano no dia 3 de novembro, prova que o futuro da Igreja está na mídia. "Se Jesus fosse vivo hoje, falaria na televisão", aposta Kater - e muitos religiosos que seguem à risca o novo manual de comunicação da Igreja Católica. (fim)