30.08.2008 - Centenas de igrejas evangélicas desembarcam na Espanha com os imigrantes. A porcentagem de protestantes na América Latina já alcança 20% da população. Algumas organizações fazem negócios às custas da fé
Na América Latina se rompeu o monopólio da fé. O pluralismo e a concorrência dominam o cenário religioso; o proselitismo assume as leis do mercado - e as técnicas de comunicação multimídia - e parte de uma paróquia tradicional ou nominalmente católica passa para as igrejas evangélicas. Falar em transferência maciça não é exagerado: calcula-se que entre 10% e 20% da população sul-americana sejam protestantes, de 20% a 30% na América Central e mais de 31% na Guatemala. Exemplos do fenômeno do fundamentalismo cristão, as novas igrejas latinas arrastam massas populares e começam a exportar pastores. Também para a Espanha: os imigrantes reproduzem suas comunidades religiosas ou as criam novamente, o que os ajuda a salvar-se do isolamento da imigração. Surgem "como cogumelos" - nas palavras de um pastor protestante - igrejas livres, autônomas, informais, o que também representa um risco de penetração de seitas ou grupos de filiação duvidosa.
O Vaticano considera uma "sangria que não pode ser parada" a deserção dos católicos - no caso de que o fossem anteriormente - para as fileiras protestantes e a atribui a um "proselitismo agressivo" - os termos entre aspas são declarações do papa Bento 16 -, mas os evangélicos aproveitam a distância secular, na sua opinião, entre o clero e os fiéis católicos para ganhar terreno. São protagonistas desse fenômeno as igrejas pentecostais, que salientam a ação direta do Espírito Santo e seus dons - a cura, a profecia ou o dom das línguas -, o que na prática se substancia em cerimônias participativas, inclinadas ao êxtase coletivo. Pentecostais são os pregadores que, na América Latina e na Espanha, dominam as ondas ou as antenas de várias rádios e televisões locais. Pastoreiam comunidades formadas majoritariamente por fiéis de baixo nível social e, no caso dos imigrantes, de seres que regulam sua nova vida através da experiência religiosa. Mas por trás de algumas siglas ou nomes há interesses equívocos, quando não negócios - às vezes autênticas multinacionais - em nome da fé.
O que representa essa proliferação de novos movimentos religiosos na América Latina? E na Espanha, representa algum desafio? Há algum filtro, modos de garantir a idoneidade das novas igrejas? "Na Espanha há cerca de 2.600 igrejas evangélicas, e 2.100 estão registradas em nossa federação. O resto não se inscreve porque é muito recente, ou porque estão em processo de constituição ou porque não querem", afirma Mariano Blázquez, secretário-executivo da Federação de Entidades Religiosas Evangélicas da Espanha (Ferede), interlocutora diante do governo espanhol. À lista de igrejas oficiais somam-se centenas de igrejas espontâneas, às vezes efêmeras. "(No âmbito protestante) os grupos não precisam da aprovação de um bispo ou de uma hierarquia para funcionar. Qualquer um pode criar uma igreja, e essa é exatamente nossa grande fraqueza. Não podemos evitar excessos ao amparo da liberdade. O único que podemos fazer na Ferede é explicar qual é a realidade espanhola e acompanhá-los no processo de constituição. Os únicos limites são a legislação espanhola e o Evangelho", conclui Blázquez, que confirma um desembarque "difícil de controlar". Blázquez e os demais especialistas consultados franzem a testa quando se levanta o argumento das seitas. "Prefiro falar de atividades delituosas ou que possam afetar a personalidade. 'Seita' não tem uma conotação jurídica, mas por trás de algumas igrejas há atividades que podem ser perseguidas. É isso que é preciso denunciar, trate-se de uma igreja ou de um clube de futebol", afirma.
O representante da Ferede se refere concretamente à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), também denominada Pare de Sofrer em muitos países latino-americanos e investigada no Brasil e na República Dominicana por fraude fiscal, malversação de fundos e suposta lavagem de dinheiro do narcotráfico, cujo exemplo El País pôs na mesa discutir o problema das seitas. A alusão não é gratuita. Com outro nome - Comunidade Cristã do Espírito Santo -, a IURD está inscrita desde 1993 no Registro de Entidades Religiosas do Ministério da Justiça da Espanha. Mas não está na Ferede, embora Blázquez lembre que não é obrigatório.
A que se deve a rejeição de seus pares? "Ao mercantilismo, à perversão do Evangelho. Vendem a água do rio Jordão e cruzes bentas, tudo isso é alheio a nós. Mas foram eles que retiraram o pedido de registro. É claro que de nossa parte havia certa disposição a uma avaliação desfavorável, pois algumas de suas práticas são discordantes."
Por exemplo, o recurso à superfé, o evangelho da prosperidade, que se baseia em doações voluntárias como prova de fé. Por essa via a IURD arrecada bilhões de dólares por ano, segundo fontes fidedignas. Basta dar um clique na página da web da Comunidade Cristã do Espírito Santo para saltar para outra em que aparece um convite para realizar doações, seguida de um número de conta. Não se trata do dízimo - a contribuição de 10% do salário para a manutenção da igreja, uma forma de autofinanciamento nas igrejas protestantes. Vai muito além.
Mas a IURD, com a qual El País tentou entrar em contato sem resultado, não é a única "igreja" questionada. Também o são agrupamentos como Juventude Com Uma Missão (JCUM), a qual o Brasil acusa de manipular indígenas da Amazônia e que também está presente em uma dezena de cidades espanholas, assim como registrada na Ferede e na Justiça; o instituto Lingüístico de Verão, controversa associação americana de difusão da Bíblia arraigada em comunidades indígenas do Peru, México Colômbia ou Brasil, ou finalmente o grupo missionário americano Novas Tribos, que foi expulso da Venezuela em 2005 por ser, segundo Hugo Chávez, "agentes de penetração imperialista".
Exemplos como este último ano poderiam propiciar outra leitura: a perseguição por parte de regimes de esquerda ou populistas a organizações que disputam os favores das massas. Algo como um expurgo do populismo contra o povo.
Do povo procede a onda mais recente de fiéis e pastores que chega à Espanha. "Os recém-chegados têm um perfil discreto, vêm do Equador, de Honduras," explica Blázquez. "Nada a ver com a imigração maciça de profissionais de 15 anos atrás, coincidindo com a primeira crise grave da Argentina. Alguns já eram evangélicos, outros se converteram aqui", acrescenta o representante da Ferede.
Antonio González, doutor em filosofia e teologia, ex-colaborador do jesuíta Ignacio Ellacuría e bom conhecedor da realidade centro-americana - viveu sete anos na Guatemala e em El Salvador -, está de acordo: "Os pentecostais costumam ser de classe baixa ou mesmo de ambientes de extrema pobreza". O pentecostalismo se arraiga entre os mais desarraigados, embora também haja pentecostais de classe média e alta e inclusive políticos, como o direitista guatemalteco Efraín Ríos Montt.
"A proletarização nas grandes cidades provoca a necessidade de recriar uma nova identidade, e as igrejas evangélicas oferecem a oportunidade de forjar essa identidade alternativa", conclui. Para a maioria dos imigrantes, carentes de referências, o fato religioso é portanto uma tábua de salvação. "São muitos os latino-americanos que não eram protestantes antes de vir e que se tornam evangélicos precisamente na Espanha, pois é aqui que experimentam a proletarização e a anomia. Também não faltam crentes que, muito fervorosos em seus países de origem, na Espanha perdem seu fervor, talvez devido à prosperidade econômica ou pelo desejo de ser aceitos", continua González. "As igrejas evangélicas representam para muitos deles uma maneira de se integrar, mas também se corre o risco contrário, o da criação de igrejas étnicas, isoladas. Em nossa igreja, por exemplo, há oito latino-americanos", afirma Pedro Tarquis, porta-voz da Aliança Evangélica Espanhola. "Nosso maior seguro, o maior controle, é a convivência, e o ideal seria a interculturalidade, mesmo que sejam os filhos dos que chegam agora que realmente se integrarão.
"Há costumes diferentes, é verdade, mas pelo menos temos um idioma comum, coisa que não ocorre com os emigrantes da Europa do Leste ou da Ásia", acrescenta Tarquis, que vê nessa incorporação seiva nova para as igrejas: "Assim como a realidade católica nos EUA se sustenta pela presença de imigrantes latinos, aqui na Espanha poderia se afirmar o mesmo do movimento evangélico". Não há cifras do número de imigrantes latino-americanos na Espanha que professam a religião evangélica, e os do subcontinente são aproximados, como vimos. Mas ninguém duvida do potencial evangelizador da América Latina.
Pela primeira vez a América do Sul não é uma terra de missão, mas um viveiro de pastores e fiéis. "As igrejas evangélicas cresceram e seus líderes são autóctones, não é verdade que sejam produto da penetração americana, não mais. A região do mundo que tem mais missionários é a América Latina, e os manda inclusive para a América do Norte", explica Mariano Blázquez.
"Estima-se que há mais de 9 mil missionários latino-americanos, enviados e sustentados pela América Latina, trabalhando em culturas diferentes da sua. Cerca de 4 mil o fazem na Ásia, África e Europa do Leste", relata Samuel Escobar, de origem peruana, catedrático emérito de Missionologia no Seminário Teológico Batista da Pensilvânia (EUA). "A religiosidade evangélica latino-americana é um fenômeno crescente e vigoroso", acrescenta. "É difícil estimar com precisão quantos protestantes há no continente, mas, por exemplo, no Peru, segundo o censo de outubro de 2007, a população protestante maior de 12 anos duplicou desde 1993 e hoje chega a 12,5%. No Chile se aproximaria de 20%."
E como é a vivência religiosa dos evangélicos? Exatamente isso, uma experiência pessoal, comunitária, vital, que traspassa os limites do culto para se enraizar no emocional e no cotidiano. Basta dar uma volta pelos bairros populares das grandes cidades para constatar a mobilização: são muitas as convocações de rua, de folheto na mão, para cultos e reuniões "de fraternidade" que pescam, sobretudo no calado dos jovens. Também proliferam os cartazes pregados em portais, bocas de metrô ou faróis com apelações ao "chamado do Evangelho". Os convocantes podem se chamar, por exemplo, Livres x Cristo, nome que aparece em um folheto apanhado ao acaso em um bairro de Madri com alta porcentagem de imigração latina. "Renovação juvenil", anuncia o papel; "música com uma mensagem de mudanças para sua vida." Remetente: Compañerismo La Puerta. A entrada ao ato, com músicas e obras de teatro, é grátis.
"A atração das igrejas pentecostais é a de uma fé pessoal, compreensível, fortemente vivencial, diante da experiência mais anódina, autoritária, fria, que costumam ter muitos latino-americanos na Igreja Católica. Inclusive quando o sacerdote procede de meios muito populares sua formação o distancia de suas origens mais que os pastores pentecostais, que permanecem mais próximos de suas raízes. E normalmente a Igreja Católica, quando se interessa pelos pobres, não pode deixar de adotar uma atitude paternalista devido à forte diferença de classes que há entre seus líderes e seus fiéis", salienta Antonio González, conhecedor do contexto católico, tentando explicar as razões do sucesso do protestantismo na América Latina.
"Uma estudiosa pentecostal americana afirma que os latino-americanos quando se tornam pentecostais deixam de ser psicologicamente pobres, embora na verdade continuem sendo", conclui González, professor de teologia no Seminário Evangélico Unido de El Escorial (Madri) e responsável por estudos e publicações da Fundação Zubiri.
Inclusive quando algumas dessas igrejas são às vezes "mais conservadoras que as européias", lembra Blázquez, em geral inoculam no crente "um estilo de vida mais disciplinado - sem álcool, etc. -, o sentimento de ajuda mútua, um apoio decidido a suas iniciativas vitais, a assumir riscos econômicos, etc.", conta González. "As populações que adotam o protestantismo são populações que prosperam, porque aprendem a ler, a respeitar suas mulheres e adotam uma ética de trabalho que os faz progredir", comenta Tarquis.
Assim que, radicalmente livres, refratárias ao poder, pois na estrutura evangélica não existe hierarquia - não há bispos que nomeiem nem cúria que proíba - e à margem das denominações tradicionais - batistas, presbiterianos, metodistas -, as novas igrejas latino-americanas são protagonistas de um fenômeno sociológico incipiente na Espanha. Sem controle, mas também sem pausa. Entre o culto conservador e a mensagem apocalíptica próxima do milenarismo, 99% das novas igrejas que brotam em nossos bairros também desempenham um trabalho social: proporcionam coesão, amparo, apoio econômico ou uma mão estendida na hora de cuidar das crianças. Umas poucas, porém, quase não conseguem mascarar traços suspeitos, da liderança onipotente ao som incessante da caixa registradora.
"As possibilidades de manipulação são limitadas. É verdade que na América Latina o pastor protestante pode adquirir os traços do velho caudilho, mas ao mesmo tempo tem de ganhar autoridade continuamente, não é sacerdote no sentido de pessoa sagrada", aponta Antonio González. Embora o protestantismo consagre a liberdade e a autonomia, não há nenhuma maneira de exercer certo controle, ou pelo menos uma supervisão de suas atividades e seus fins? Para González, a melhor salvaguarda diante de irregularidades é o "princípio bíblico: o pastor pode ser julgado à luz da Bíblia", embora também reconheça que os abusos mais freqüentes têm sido "do tipo econômico".
Pedro Tarquis propôs em sua época submeter a auditorias a atuação das igrejas da Aliança Evangélica Espanhola, "sobretudo as que já têm um volume de fiéis considerável". Não fizeram caso: sua iniciativa foi vista como uma veleidade de Torquemada, "como uma tentativa de impor uma hierarquia". Em consonância com Tarquis, Samuel Escobar, que passa por ser a autoridade máxima na matéria, não tem dúvidas sobre o método a seguir para abortar irregularidades. "É preciso um consenso social em relação aos limites da liberdade de que gozamos. Agora mesmo nos EUA o senador republicano por Iowa Chuck Grassley conduz uma investigação sobre as manipulações financeiras de seis corporações religiosas que cresceram de maneira notável e mantêm atividade comercial vigorosa. Quatro delas se negaram a responder à investigação", conta Escobar. Igrejas livres? Igrejas "abusivas", na definição do teólogo evangélico americano Pat Zukeran? Ou multinacionais da fé?
Já vai longe a época em que se via a penetração evangélica como um instrumento da CIA - outra teoria que ainda persiste a considera um contrapeso intencional à Teologia da Libertação -, parece que as igrejas, evangélicas ou não, se rendem aos métodos e às vezes aos fins do mercado. Do outro lado do charco e sem ir tão longe, como lembra o teólogo Escobar: "Como seu próprio jornal informa, o deputado socialista José Camarasa está tentando nos esclarecer os relatórios financeiros relativos à visita do papa a Valência em 2006". Por alusões evangélicas, quem não tiver culpa...
Fonte: UOL notícias
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Lembrando...
Artigo do Padre Inácio José do Vale: O problema das seitas
14.03.2008 - Segundo o estudioso dos movimentos religiosos o Padre Oscar Quevedo, SJ, existem, só no Brasil, mais de 56 mil seitas e religiões.
"O problema das seitas que invadem a América Latina impugnando a fé católica de nossas populações é muito grave e, como se depreende dos seguintes dados":
Na América Latina a cada 400 pessoas abandonam a fé católica.
Na Guatemala 25% da população já é protestante.
Em El Salvador cerca de 30% dos católicos já passaram para as seitas.
No México em 1970 os protestantes eram 880.000. Hoje são perto de 5.000.000 (cinco milhões).
"No Brasil também é evidente o avanço das seitas resultante, em grande parte de ataques preconceituosos à Igreja Católica e da ignorância religiosa do povo brasileiro".
Consciente disto escreve o Papa João Paulo II na Carta Apostólica sobre a Igreja na América: "Os progressos proselitistas das seitas e dos grupos religiosos na América não podem ser contemplados com indiferenças. Exigem da Igreja nesse continente um profundo estudo que se deve realizar em cada nação e também a nível internacional para descobrir os motivos pelos quais não poucos católicos abandonam a Igreja".
"O remédio a opor a tal problema é a intensificação do estudo das verdades reveladas, especialmente dos pontos controvertidos pelos novos pregadores", afirma o especialista no assunto, o Teólogo Beneditino Dom Estêvão Bettencurt (1).
Vejamos uma explicação abissal desse grande apologista da fé católica: "A catequese tem-se ressentido de inoportuna timidez, tem aprimorado sua metodologia, mas não raro apresenta um conteúdo muito diluído"para não assustar" os catequizandos. A ignorância religiosa do povo católico torna-o mais sujeito ao arrastão das seitas, cuja pregação não raro deixa o católico perplexo e sem resposta, quando apresentam argumentos inconsistentes. A multiplicidade de propostas religiosas que bombardeiam o povo de Deus, se de um lado, é lamentável, de outro lado tem a vantagem de obrigar os fieis a aperfeiçoar sua formação doutrinaria para não serem carregados pelo vendaval" (2).
PROJEÇÃO
A religiosidade do povo brasileiro aumentou, os evangélicos (pentecostais e tradicionais) continuam cada vez mais numerosos, mas o declínio do catolicismo, que era de 1% ao ano desde 1972, estancou entre 2000 e 2003, e, a partir daí, acompanha o crescimento populacional do país. A esta conclusão chegaram os analistas do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cujo economista-chefe, Marcelo Néri, apresentou recentemente no Rio de Janeiro, o trabalho "Economia das religiões: mudanças recentes", interpretação dos dados do censo de 2000 e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF, 2003), realizados pelo IBGE.
Uma projeção para 2007 indica que o Brasil, com uma população, hoje, de 188,7 milhões de habitantes, teria 139,24 milhões de católicos e 43,64 milhões de evangélicos - 28,8 milhões de pentecostais e 14,8 milhões de evangélicos tradicionais.
"Esses dados são surpreendentes até para o Vaticano, onde se tinha como certo que os católicos eram de 67% da população brasileira. Posso assegurar que são 73,79%. Houve reação do catolicismo nesta década", diz Marcelo Néri (Valor 03/05/2007), p. A4).
FÉ FRAGILIZADA
No encontro do Papa Bento XVI com os Bispos do Brasil na Catedral da Sé em São Paulo, em seu discurso de 11 de maio de 2007 disse:
"Entre os problemas que afligem a vossa solicitude pastoral está, sem duvida, a questão dos católicos que abandonaram à vida eclesial. Parece claro que a causa principal, dentre outras, deste problema, possa ser atribuída à falta de uma evangelização em que Cristo e a sua Igreja estejam no centro de toda explanação. As pessoas mais vulneráveis ao proselitismo agressivo das seitas - que é motivo de justa preocupação - e incapaz de resistir às investidas do agnosticismo, do relativismo e do laicismo são geralmente os batizados não suficientemente evangelizados, facilmente influenciáveis porque possuem uma fé fragilizada e, por vezes, confusa, vacilante e ingênua, embora conservem uma religiosidade inata" (3).
No outro discurso do dia 13 de maio de 2007, na sessão inaugural dos trabalhos da V. Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, na sala de Conferencia do Santuário de Aparecida, o Santo Padre afirmou: "Percebe-se, contudo, certo enfraquecimento da vida cristã no conjunto da sociedade e da própria pertença à Igreja Católica, devido ao secularismo, ao hedonismo, ao indiferentismo e ao proselitismo de numerosas seitas, de religiões animistas e de novas expressões pseudo-religiosas" (4).
O fenômeno das seitas para Igreja Católica é o grande desafio para sua obra evangelística. A Igreja se defronta com ataques violentos das seitas. Hoje o ataque vem com a alta tecnologia dos meios de comunicação, internet e grandes editoras. Para lutar contra a Igreja forma até partidos políticos e financiam converções de pessoas influentes. Daí devemos alertar, instruir e conscientizar o povo católico dessa engenhosa armação!
"Instruir o povo amplamente, com serenidade e objetividade, sobre as características e diferentes das diversas seitas e sobre as respostas às injustas acusações contra a Igreja" (Documento Santo Domingo, n. 141).
O Documento de Santo Domingo (CELAM, 12/10/1992), se manifestou sobre o terrível perigo atual das seitas:
"O problema das seitas adquiriu proporções dramáticas e chega a ser verdadeiramente preocupante, sobretudo pelo crescente proselitismo"(n. 139).
O Papa João Paulo II tinha consciência do perigo das seitas em afirmar: "Certamente a expansão de seitas 'constitui uma ameaça para a Igreja Católica...' (RM,50)".
O Santo Padre disse que na Conferencia de Santo Domingo em outubro de 1992, ficou claro para os bispos o seu perigo:
"O Documento final descreveu com clareza e precisão essas seitas e movimentos, mostrou suas características e modos de atuar, deixou claro os interesses políticos e econômicos envolvidos na sua expansão em todos os continentes... (Conclusões do IV CELAM nn. 139 152)".
Diante desse problema sectarista qual é a resposta?
Quem responde é o Papa Bento XVI. Na época era o Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé.
"A resposta mais radical às seitas passa através "da descoberta da identidade católica: é preciso uma nova evidência, uma nova alegria, se posso dizer, é preciso mesmo um novo 'brio' (que não contradiz a indispensável humildade) de sermos católicos. Deve-se lembrar, além disso, que esses grupos atraem também porque propõem às pessoas, sempre mais sozinhas, isoladas e inseguras, uma espécie de 'pátria da alma', o calor uma comunidade. É justamente esse calor, essa vida que, infelizmente, parece falar frequentemente entre nós: onde as paróquias, esses núcleos básicos irrenunciáveis, souberam revitalizar-se, oferecendo o sentido da pequena Igreja que vive em união com a grande Igreja, ali os sectários não puderam se estabelecer de modo significativo. A nossa catequese, além disso, deve desmascarar o ponto sobre o qual insistem esses novos 'missionários', isto é, a impressão de que a Escritura é lida por eles de modo 'literal', enquanto os católicos a teriam enfraquecido ou esquecido. Essa literalidade é frequentemente a traição da fidelidade. O isolamento de frases individuais e de versículos desvia, faz perder de vista a totalidade: lida no seu conjunto, a Bíblia é realmente 'católica'. Mas é preciso que isso seja demonstrado através de uma pedagogia catequética que habitue à leitura da Escritura na Igreja e com a Igreja" (5).
O QUE É SEITA?
O teólogo Dom Estêvão Bettencurt,OSB, diz que "uma seita (vem de sectário é uma dissidência ou um grupo fechado que julga estar o mundo corrupto, e pretende ter a verdade como patrimônio seu e solução para todos os problemas da humanidade. Os membros das seitas são geralmente submetidos a um regime autoritário, imposto por um líder "iluminado" que lhe dificulta o senso crítico".
A multiplicação de seitas em nossos dias se explica, em grande parte, por duas causas:
1) O Individualismo subjetivismo e relativista da mentalidade moderna a partir de Martinho Lutero (século XVI );
2) A insegurança do homem contemporâneo, que sente angustia diante da crise da sociedade e se dá por feliz, quando alguém, em nome de Poder Superior, o acolhe e lhe propõe certezas e garantias (ainda que fantasiosamente fundamentadas) (6).
O doutor em Ciências Sociais Giorgio Paleari define assim: "Em seu sentido originário, seita representa um grupo que contexta uma doutrina ou uma estrutura eclesiástica e, como tal, constitui-se numa dissidência".
Diz mais: "Todo movimento religioso minoritário pode ser definido como seita".
A teologia tomou essa palavra emprestada da língua latina. Ela significa, antes, uma maneira de seguir um mestre e, sucessivamente, revestiu-se de um significado de recusa e de separação, afirma Paleari (7).
Portanto, a seita é um ajuntamento de crentes que acreditam cegamente nos ensinos de seu líder. Este é tido como iluminado, profeta, guru, santo, etc.
A seita nasce de um cisma provocado por heresias, poder, dinheiro, luxúria e loucuras.
É visível no arraial das seitas o fanatismo, intolerável, proselitismo e fechamento.
SEITA E A IGREJA
O renomado teólogo John Vander Ploeg, O.P., doutor em teologia e doutor em Sagrada Escritura e membro da Academia Real de Ciências da Holanda afirma magistralmente: "Nosso Senhor não fundou uma seita, mas a Igreja que é a Universal, isto é, Católica" (8).
Quem, primeiramente, tentou uma definição de seita, relacionada ao contexto social, em contraposição ao termo Igreja, foi sociólogo alemão, Max Weber. Ele define Igreja como sendo uma Instituição de Salvação, e seita, como um grupo dissidente mais rígido e fechado. Seus adeptos devem ter comportamento exemplar. Desviar-se do modelo de comportamento que a seita impõe comporta na expulsão do grupo religioso. (cf. Weber, Max. "Tipos de Comunidade Religiosa". In: Economia Y Sociedad. México, Ed. F. Perez Alvarex, 1964).
Tamanha diferença existe entre seita e a Igreja de Cristo. Esta conduz a salvação, aquela à perdição.
A Santa Igreja Católica foi fundada uma única vez pelo Redentor e Salvador Jesus Cristo, a seita foi e é fundada sempre por homens pecadores, egoístas e de moral duvidosa.
A Igreja do Deus vivo é coluna e sustentáculo da verdade (1 Tm 3,15), a seita do deus deste mundo (2 Cor 4,4) é coluna de areia e sustentáculo de falsas promessas.
"A Igreja é comunhão no amor. Esta é sua essência e o sinal através do qual é chamada a ser reconhecida como seguidoras de Cristo e servidora da humanidade" (DA n. 161).
Na seita não existe comunhão e sim um ajuntamento por meio do medo e da chantagem emocional pregada pelo líder. Aqui está assência das seitas. O líder ajunta e pela 'prisão mental' os sectários seguem e servem somente a seu grupo e ao líder. O individualismo e o descaso com as questões sociais, são características principais das seitas.
A nossa missão é ser fiel a Cristo e a sua Igreja.
O Doutor da Igreja São João Crisóstomo e exortava: "não te afaste da Igreja: nada é mais forte do que ela. Ela é a tua esperança, o teu refúgio. Ela é mais alta que o céu e mais vasta que a terra. Ela nunca envelhece".
CONCLUSÃO
Só a Igreja Católica tem um brilho único, uma beleza única, uma riqueza de santos única e um Deus único verdadeiro para uma indefectível Igreja única, fiel e verdadeira Esposa Imaculada do Esposo glorioso e Imaculado.
Essa Igreja guiada na luz do Divino Espírito Santo, nunca vacilou e jamais vacilará. Dizia Santo Agostinho, Doutor da Igreja e Bispo de Hipona, no Norte da África: "Vacilará a Igreja se vacila o seu fundamento, mas poderá talvez Cristo vacilar? Visto que Cristo não vacila, a Igreja permanecerá intacta até o fim dos tempos".
"Esta é a única Igreja de Cristo, que no símbolo professamos uma, santa católica e apostólica, e que o nosso Salvador, depois de sua ressurreição, confiou a Pedro para que ele a apascentasse (Jo 21,17), encarregando-o, assim como os demais apóstolos, de difundirem e de a governarem (cf. Mt 28, 18-20), levantando-a para sempre como "coluna e esteio da verdade" (1 Tm 3,15). Esta Igreja como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele, ainda que fora do seu corpo se encontrem que, na sua qualidade de dons próprios da Igreja de Cristo, conduzem para a unidade católica" (Constituição Dogmática Lúmen Gentium, nº. 8).
"Sem mancha alguma, brilha a Santa Madre Igreja nos sacramentos com que gera e sustenta os filhos; na fé que sempre conservou e conserva incontaminada; nas leis santíssimas que a todos impõe, nos conselhos evangélicos que dá; nos dons e graças celestes, pelos quais com inexaurível fecundidade produz legiões de mátires, virgens e confessores. Nem é sua culpa se alguns de seus membros sofrem de chagas ou doenças; por eles ora a Deus todos os dias: "Perdoai-nos as nossas dívidas" e incessantemente com fortaleza e ternura materna trabalha pela sua cura espiritual". (Papa Pio XII, Encíclica Mystici Corporis, 65).
Não temos palavras para descrever a felicidade de sermos católicos. É imensurável essa graça, esse amor e fé à Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
Tudo para glória, louvor, honra e adoração a Santíssima Trindade.
Por Pe. Inácio José do Vale
Pároco da Paróquia São Paulo Apóstolo
Professor de História da Igreja
Faculdade de Teologia de Volta Redonda
Email: [email protected]
REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIAS
(1) Pergunte e Responderemos, abril de 2007, p. 154.
(2) Pergunte e Responderemos, fevereiro de 2007, p. 366.
(3) Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Pronunciamentos do Papa Bento XVI no Brasil. Brasília: Edições CNBB, 2007, p. 30.
(4) Idem, p. 63.
(5) Ratzinger, Joseph. A fé em crise? O Cardeal Ratzinger se interroga / Joseph Ratzinger, Vittorio Messori, São Paulo: EPU, 1985, p. 87.
(6) Pergunte e Responderemos, n. 417 / 1997, p. 56.
(7) Paleari, Giorgio, Religiões do Povo, São Paulo: AM Edições, 1990, p. 86.
(8) Rifan, Dom Fernando Áreas. O Magistério Vivo da Igreja, orientação pastoral, Campos-RJ: 2007, p. 48.
Alves, Rubem. Protestantismo e repressão. São Paulo: Ática, 1979.
Monteiro, Douglas Teixeira. "Igrejas, seitas e agências: aspectos de um ecumenismo popular". In: Valle, Edênio e Queiroz, José. A cultura do Povo. São Paulo: Cortez e Moraes / EDUC, 1979.
Weber, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Brasília: UnB,
1981.
Aquino, Prof. Felipe. Falsas Doutrinas-seitas e religiões, 7ª / ed. - Lorena: Cléofas, 2006.
Oliveira, Raimundo de Seitas e heresias, um sinal do fim dos tempos, 32ª ed. - Rio de Janeiro: 2007.
Documento de Aparecida. Texto Conclusivo da V Conferencia Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. 2ª ed. - Edições CNBB, Paulinas e Paulus: 2007.
Vam Baalem, J.K. O Caos das Seitas. São Paulo: Imprensa Batista Regular, 1970.