14.08.2008 - Artigo do Padre Inácio José do Vale
“O homem, por si só, não tem nenhuma grandeza: só se torna grande pela sua vocação e pela consagração total a uma obra sobre-humana. Ninguém, sob este aspecto, foi maior do que Paulo. A completa absorção e extinção do próprio eu em Cristo: este é o segredo da sua grandeza”.
Mons. Josef Holzner (1877-1947)
Autor da obra: Paulo de Tarso
Assim Deus escolheu o profeta Jeremias: “A palavra do Senhor me foi dirigida nos seguintes termos: Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu te construí profeta para as nações” (Jr 1, 4.5).
O Apóstolo Paulo tinha consciência de ter sido escolhido por Deus desde o ventre materno. Ele mesmo escreve: “Quando, porém, aquele que me separou desde o seio materno e me chamou por sua graça, houve por bem revelar em mim o seu Filho, para que eu o evangelizasse entre os gentios” (Gl 1, 15).
São Lucas, o primeiro historiador da Igreja e discípulo de Paulo, confirmava essa grandeza de vocação: “Mas o Senhor insistiu: “Vai, porque este homem é para mim um instrumento de escol para levar o meu nome diante das nações pagãs dos reis, e dos filhos de Israel” (At 9, 15; Capítulos 22 e 24).
Para realização de uma grande obra, sempre haverá uma grandeza de vocação.
São Paulo Apóstolo foi escolhido para fazer uma missão jamais visto e repetida na História da Igreja.
Na história do povo de Deus, houve tarefas especiais que foram executadas por homens especiais na unção do Eterno e Todo-Poderoso. Paulo foi um deles.
Apóstolo e Profeta
“Pois o Senhor Deus não faz coisa alguma sem revelar o seu segredo a seus servos, os profetas” (Am 3,7).
Realmente, muitas revelações no Novo Testamento foram predestinadas ao profeta da graça: Paulo. “Em Antioquia, na Igreja local havia profetas e doutores: Barnabé, Simeão, Lúcio, Manaém e Saulo” (At 13,1).
Segue seu testemunho: “Paulo apóstolo – não da parte dos homens nem por intermédio de um homem, mas por Jesus Cristo e Deus Pai que o ressuscitou dentre os mortos – e todos os irmãos que estão comigo, às Igrejas da Galácia. É porventura o favor dos homens que agora busco, ou o favor de Deus? Ou procuro agradar aos homens? Se eu quisesse ainda agradar aos homens, não seria servo de Cristo. Com efeito, eu vos faço saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, pois eu não recebi nem aprendi de algum homem, mas por revelação de Jesus Cristo” (Gl 1, 1. 2. 10-12).
Por que entre vários apóstolos, profetas, doutores, evangelistas, pastores, Paulo foi escolhido para receber e escrever a maior parte das revelações neotestamentária?
Jesus responde: “Ninguém conhece o pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27).
“Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi” (Jo 15, 16).
Pela graça de Deus Paulo recebeu extraordinárias revelações e fez jus delas, trabalhando mais do que todos os apóstolos (1 Cor 15, 10).
Para não se encher de soberba, foi lhe dado um aguilhão na sua carne, com isso freava seu instinto de exaltação (2 Cor 12, 7).
Amós não era profeta nem filho de profeta: era vaqueiro e o Senhor Deus, o tirou de junto do seu rebanho para profetizar ao povo de Israel (Am 7, 14.15).
Paulo não teve o privilégio de fazer parte do Colégio Apostólico escolhido por Cristo e nem se converteu pela pregação apostólica ou testemunho cristão.
Ele diz: “Posteriormente, apareceu a Tiago, e, depois, a todos os apóstolos. Em último lugar, apareceu também a mim como a um abortivo. Pois sou o menor dos apóstolos, nem sou digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus” (1 Cor 15, 7-9).
Essas palavras são referências ao caráter anormal, impetuoso, “cirúrgico” da grandeza vocacional de Paulo. Ele não faz diferença alguma entre a aparição no caminho de Damasco e as manifestações divinas de Jesus desde o batismo até a ascensão (Cf. At 1, 22; Ef 3, 1-8).
Pela graça e misericórdia de Deus, Paulo foi constituído profeta, apóstolo, pregador e doutor das nações. O grande missionário dos gentios (At 13, 1-4; 1 Tm 2, 7).
A Igreja está edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual é Jesus Cristo a pedra angular (Ef 2, 20).
Paulo faz parte desse fundamento da Igreja de Deus que ele tanto o perseguiu.
Sempre se refere como perseguidor da Igreja de Deus (Cf. 1 Cor 15, 9; Gl 1, 13; Fl 3,6).
Por amor a Igreja, Paulo sofreu muito, andou e governou bem a casa de Deus e morreu gloriosamente por ela (At 9, 16; 1 Cor 11, 23-28; 1 Tm 3, 4.5.15; 2 Tm 4, 6-8).
Tudo Para Todos
O monsenhor alemão Josef Holzner, que estudou trinta nos a vida do Apóstolo Paulo escreve: “Saulo só se movia por um único interesse, que devorava todos outros: o interesse religioso. Explica-se assim que tenha ficado solteiro, embora o casamento fosse considerado obrigatório entre os rabinos. Certamente isso teria o seu quê de insólito, mas o caso tinha precedentes entre os grandes vultos da história, como Elias e Jeremias. Um célebre rabino, que também permanecera solteiro, justificava o seu celibato com esta frase: “Que posso fazer? Toda a minha alma pertence à Torah. Que os outros perpetuem a raça humana!”É possível que Santo pensasse assim: mais tarde, já cristão, pôde fundamentar o seu celibato em motivos mais profundos, baseando-se na mística da “esposa de Cristo”.
Escreve Paulo: “Quisera que todos os homens fossem como sou; mas cada um recebe de Deus o seu dom particular; um, deste modo; outro, daquele modo. Contudo, digo às pessoas solteiras e às viúvas que é bom ficarem como eu. Mas, se não podem guardar a continência, casem-se, pois é melhor casar-se do que ficar abrasado” (1 Cor 7, 7-9).
Toda vocação é especial, é impar, com carisma próprio e cheia de mistérios, com características algumas reveladas e outras misticamente não. Daí a pergunta: por que com aquele foi realizado tal obra e com esse não? E por que não temos respostas para tão grande projeto e seu protagonista?
Existe vocação especialíssima e realizações grandiosas que vai além da razão e da força humana? Com certeza, isso é tremendo. É mistério. Só o Divino Espírito Santo sabe tudo e como operaracionar tal engenharia.
Uma força sobrenatural toma posse da mente e do corpo para realizar os seus desígnios. Tanto para o bem (Dn 3, 16.17; At 19, 11.12) quanto para o mal (Dn 3, 1.15; At 19, 13-19).
A história prova a bondade dos pacificadores e a crueldade dos ditadores.
Deus chamou Paulo para uma vocação especialíssima e um amor incondicional a seu Filho.
Ele mesmo escreve: “Mas o que era para mim lucro eu o tive como perda, por amor de Cristo. Mais ainda: tudo eu considero perda, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por ele, eu perdi tudo e tudo tenho como esterco, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo a justiça da Lei, mas a justiça que vem de Deus, apoiada na fé” (Fl 3, 7-9).
“Quando a mim, não aconteça gloriar-me senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Pois eu trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6, 14.17).
“Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2, 20).
“Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” (F 1, 21).
Paulo sabia que em tudo Cristo tinha a primazia (Cl 1, 18), por isso ele escreve: “Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a todo custo. E isso tudo eu faço por causa do evangelho, para dele me tornar participante (1 Cor 9, 22.23).
Por amor a Cristo a Igreja e o Evangelho, o Apóstolo dos Gentios é considerado o segundo fundador do cristianismo pela obra colossal na teologia e nas missões.
O teólogo alemão Willian Wrede diz: “Paulo é o segundo fundador do cristianismo. Foi ele que fez do cristianismo uma religião salvífica”.
O renomado historiador inglês Paul Johnson afirma: “Paulo foi a primeira e a maior personalidade cristã; sempre foi a mais controvertida, e, com freqüência, a mais malcompreendida. Porém, a verdade é que Paulo não inventou o cristianismo, nem o perverteu: ele o salvou da extinção”.
Para o grande estudioso da teologia paulina, que cerca de 40 anos tem se dedicado a esse assunto, o teólogo britânico James D.G. Dunn escreve: “Paulo mais do que qualquer outra pessoa contribui para que o novo movimento originário de Jesus torna-se religião realmente internacional e intelectualmente coerente. Paulo foi efetivamente chamado o “segundo fundador do cristianismo”, que, “em comparação com o primeiro, exerceu, sem dúvida alguma, a influência ... mais forte”. Ainda que se deva considerar isso uma avaliação exagerada da importância de Paulo, permanece o fato de que a influência e os escritos de Paulo moldaram o cristianismo mais do que o fizeram os escritos / a teologia de qualquer outro indivíduo. Mas se a teologia é medida em termos de articulação da fé cristã, as Cartas de Paulo lançaram um fundamento da teologia cristã que nunca teve rival nem substituto”.
Dunn afirma: “Paulo é o maior teólogo cristão de todos os tempos”.
Escatologia Paulina
Paulo descreve três grupos de pessoas: os judeus, os gregos e a Igreja de Deus (Cf. 1 Cor 10, 32).
O profeta Paulo é completo em sua escatologia.
Sobre o futuro de Israel ele dedica três capítulos na Epístola aos Romanos: 9, 10 e 11.
Ele escreve: “O endurecimento atingiu uma parte de Israel até que chegue a plenitude dos gentios, e assim todo Israel será salvo” (Rm 11, 25-28).
Paulo foi escolhido por Cristo para levar o seu nome as nações pagãs (gentios) dos reis e dos filhos de Israel (At 9, 15).
Em Atos 18, 6 Paulo definiu a sua missão aos gentios. Na Carta aos Efésios ele diz: “A mim, o menor de todos os santos, me foi dado esta graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo (Ef 3,8). Daí o título que recebeu: Pregador, Apóstolo e Doutor dos gentios (1 Tm 2,7).
Sobre a Igreja, ninguém recebe tão profunda revelação do Corpo de Cristo como o Apóstolo Paulo. “Por meio da Igreja conhecemos os mistérios de Deus oculto desde os séculos” (Ef 3, 9-11). “Todo poder de Cristo e da Igreja e o seu mistério relacional (Ef 3, 20.21; 5, 32).
Pela misericórdia e pela graça da conversão (Rm 11, 30-32; Ef 2.8), segundo a eficácia da ação do poder de Deus (Ef 1, 19; Fl 2, 13), Judeus e gentios são reconciliados pelo sangue de Cristo (Ef 2, 13).
Em Jesus Cristo, não há mais separação ou estrangeiros, todos são um em Cristo Jesus, formando assim a grande família dos santos de Deus (Gl 3, 28; Ef 2, 18.19; Cl 3, 11).
No desenrolar escatológico de Paulo, nada pode vencer essa Família. Todos os inimigos dela serão derrotados.
Vejamos: os Principados, as Autoridades, os Dominadores deste mundo de trevas e contra os Espíritos do Mal, que povoam as regiões celestiais (Ef 6, 10-12). O anticristo e todo o seu império de injustiça (2 Ts 2, 1-12). A terrível apostasia (1 Tm 4, 1-5). A corrupção e a deprovação dos homens nos últimos tempos (2 Tm 3, 1-9). A falsa ciência (1 Tm 6, 20). E o último inimigo a ser destruído será a morte (1 Cor 15, 25).
Paulo tinha um desejo enorme para estar com Cristo. É tão belo e tão abissal a sua vontade que nos encanta.
Diz ele: “Pois isso me é muito melhor” (Fl 1, 21-23).
Se ele não podia partir para Cristo; com ânsia esperava a sua vinda.
Paulo emprega a palavra grega parousia que significa comumente “chegada” ou “retorno” para vinda de nosso Senhor Jesus Cristo com todos os santos (1 Ts 2, 19; 3, 13; 4, 15; 5, 23).
Paulo usa a palavra grega apantésis para falar a respeito da ocasião em que os cristãos tessalonicenses forem arrebatados com ele nas nuvens em sua parousia (1 Ts 4, 17).
Na parousia de Jesus Cristo, Paulo afirma que os mortos ressuscitarão primeiro e os vivos, em seguida, irão com ele para encontrar com o Senhor, nos ares. E assim, estaremos para sempre com o Senhor (1 Ts 4, 13-17).
Aos impenitentes, injustos, que não quiseram conhecer a Deus e não quiseram obedecer ao evangelho do Senhor Jesus Cristo, vão padecer castigo na eterna perdição (2 Ts 1, 8.9).
Quem não fez do seu corpo templo do Espírito Santo, mas do contrário, fez dele teatro do pecado, não herdarão o Reino de Deus (1 Cor 3, 16.17; 6, 9-11).
São Paulo Apóstolo, o pregador do Evangelho da graça de Deus (At 20, 24), nunca deixou de anunciar todo o desígnio de Deus (At 20, 27).
O teólogo irlandês e maior estudioso do Jesus histórico John Dominic Crossan e o teólogo americano Jonathan L. Reed, ambos autores do livro Em Busca de Paulo - como o apóstolo de Jesus opôs o reino de Deus ao Império Romano, no final da obra escrevem: “Demos a este livro o título Em Busca de Paulo. Não usamos a forma “São Paulo”para que o título não viesse a prejudicar o resultado. Mas agora sabemos plenamente e com clareza que encontramos um santo não apenas para a sua época, mas para sempre”.
Conclusão
Para trabalhar na messe do Senhor Deus, temos que ter consciência de duas coisas: primeira, convicção da vocação para desempenhar com amor o serviço em prol do Reino de Deus.
Segunda, convicção da necessidade da graça do bom Deus em nossas vidas e o sofrimento e glória em nosso ministério.
Nada é superior a vocação divina. Nenhum sucesso preenche a fuga de uma vocação. O sagrado bem que se faz respondendo o chamado celestial é incalculável e incomensurável.
A graça da vocação leva a pessoa ao caminho do auto-conhecimento e a busca ardente de perfeição.
A alma é ínclita do vocacionado, salva e eterna em Cristo Jesus. É a felicidade da vocação que da sentido a vida, e que iluminado pela Santíssima Trindade constrói obras imortais.
A paz e a justiça, o amor e o belo, ainda se praticam devido a valentia dos consagrados vocacionados que se arvoram a propalar seus valores eternos numa sociedade tão corrompida.
Que o diga o Apóstolo dos Gentios, Paulo: a grandeza de uma vocação.
A grandeza da vocação está na radicalidade do amor ao bom Deus e ao próximo.
Pe. Inácio José do Vale
Pároco da Paróquia São Paulo Apóstolo
Professor de História da Igreja
Faculdade de Teologia de Volta Redonda
e-mail: [email protected]
Bibliografia
Holzner, Josef. Paulo de Tarso, São Paulo: Quadrante, 1994.
Dunn, James D.G. A Teologia do Apóstolo Paulo, São Paulo: Paulus, 2003.
Crossan, John Dominic e Reed L. Jonathan. Em busca de Paulo: como o apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus ao Império Romano, São Paulo: Paulinas, 2007.
Johnson, Paul. História do Cristianismo, Rio de Janeiro: Imago, 2001.
Tillich. Paul. História do Pensamento Cristão, São Paulo: Aste, 2000.
Heijkoop, Hendrik L. Eventos Futuros – O porvir, São Paulo: Depósito de Literatura Cristã, 2004.
Deissmann, Gustav Adolf. Paul: A Study in Social and Religion History, New York: Harper & Row, Harper Torchbooks, 1957.