Frade Bernardino: Coletânea de memórias sobre a Serva de Deus Luísa Parte 2


Parte 2

BERNARDINO GIUSEPPE BUCCI
Frade Menor Capuchinho

LUÍSA PICCARRETA
Coletânea de memórias sobre a Serva de Deus

E ela respondeu-me: «Sem dúvida, pois eram internas; só eu e algumas pessoas os vimos. Entre estas, os confessores e as irmãs Cimadomo, e parece-me que também a sua sobrinha Giuseppina. Com efeito, se se tomasse a mão de Luísa e se a colocasse diante do sol, o furo interno era visível. Muitas vezes, quando eu entrava de noite no seu quarto, a encontrava totalmente molhada de sangue; dos pés, das mãos e do seu lado escorria tanto sangue a ponto de impregnar a sua camisola e a cama. Às vezes o sangue chegava ao chão. Não só o corpo, mas também a cabeça e o rosto estavam cobertos de sangue: parecia um crucificado. Nas primeiras vezes deixei-me impressionar, julgando-a morta por hemorragia e corria em busca de toalhas para limpá-la, mas quando voltava a encontrava totalmente limpa, exceto os lençóis. Tudo desaparecia. Este fenômeno acontecia duas ou três vezes por ano».

«Mas tu – disse-lhe – nunca falou deste fenômeno?».

«Não – respondeu-me – só o Pe. Benedetto Calvi o conhecia. Ele proibiu-me absolutamente de falar deste fenômeno e disse-me que me teria negado a absolvição, se por acaso eu tivesse tido a imprudência de o narrar a alguém. Tu és o único que sabes, e espero que Luísa não leve a mal».

Depois de um momento de silêncio, continuou: «Peço-te que não divulgues este fenômeno».

Deu-me a impressão de se ter arrependido de o dizer. Com efeito, era a primeira vez que o narrava.

Este é um dos inúmeros fenômenos que dizem respeito à vida de Luísa, e que permaneceram desconhecidos.

Depois de uma longa pausa, a tia retomou a palavra: «Geralmente, Luísa trabalhava apenas para as igrejas, confeccionando toalhas bordadas para altares, camisas e sobrepelizes para sacerdotes. Dado que lhe pediam incessantemente, às vezes ela confeccionava cobertas bordadas de cama para jovens casais. Luísa tinha um fraco particular pela santificação das famílias, e muitos jovens esposos iam ter com ela para receber conselhos. Quanto bem ela fez e quantas famílias salvou da ruína! Eu saía de casa quando Luísa se fechava no quarto em oração, e pouco depois de voltar tocava o sino, pelo que eu ficava muito tranquila. Quando eu devia ausentar-me por alguns dias, a sua sobrinha Giuseppina vinha substituir-me. Mas às vezes, quando eu estava distante, em casa ou na igreja ou ainda na casa de alguma amiga, e ouvia o sino, deixava tudo, mesmo o almoço, e corria à casa de Luísa. Em virtude deste meu modo de se comportar, eu era considerada um tipo estranho não só pela família, mas também por terceiros. Não podia dar explicações, porque só eu ouvia o toque do sino, e se eu o dissesse aos outros, taxar-me-iam de louca e visionária, motivo pelo qual me calava e quando me perguntavam a razão de tal atitude, procurava sempre desviar-me deste assunto, fingindo que não ouvia. Tudo isto me causava um grande sofrimento. Muitas vezes, depois de uma corrida arquejante, eu encontrava Luísa em oração».

Perguntei-lhe: «E quem tocava o sino?».

«Não sei», respondeu.

«E o que Luísa dizia?».

«Nada».

«E o que fazias?».

«Ajoelhava-me ao lado da sua cama e rezava».

«Mas não notavas nada durante a oração de Luísa? É verdade o que se dizia de Luísa, que muitas vezes se encontrava suspensa no ar?».

«Não posso falar destas coisas, pois Luigi sempre me proibiu de narrá-las. Só o seu confessor sabia tudo e era o depositário dos seus fenômenos extraordinários. Por sua vez, Luísa fingia sempre que não havia nada de novo, nem permitia que se dissesse sequer uma palavra. Tudo devia ser submetido à autoridade do sacerdote e só ele podia dizer se tais fenômenos podiam ser divulgados. Luísa nada fazia e nada escrevia sem a autorização do seu confessor, e estava tão submissa à autoridade da Igreja, que nada se devia saber ou ser escrito e divulgado sem o consentimento da mesma. É nesta linha que se poderá saber tudo de Luísa; tudo está registrado nos seus escritos».

Então, acrescentei: «Mas os seus escritos não podem revelar tudo da sua vida, porque a vida de Luísa é muito mais complexa».

«Isto é verdade – retorquiu-me ela – e eu poderia dizer muitas coisas que ninguém sabe».

«E por que te obstinas em não falar?. «Se Luísa tivesse desejado que se soubessem, tê-las-ia escrito, ou a Igreja lhe teria pedido que as escrevesse: é claro que determinados fenômenos que se verificavam, dos quais eu e algumas outras pessoas fomos testemunhas, não são úteis para a santificação das almas. O Senhor permitiu que se conhecesse tudo o que é útil para a Igreja e as almas; o restante não é útil. Enquanto falo, parece-me que profano a intimidade que se tinha criado entre Deus e Luísa, e os homens não o compreenderiam. A mensagem que Luísa deixou ultrapassa a sua própria pessoa. Luísa desejava que somente o Senhor tivesse toda a honra e glória, e a sua pessoa devia desaparecer no nada; era por isso que ela amava a solidão e o silêncio, e muito a incomodava quando observava que a sua pessoa era objeto de veneração por parte das pessoas, pois ela considerava-se somente uma pobre enferma, necessitada de tudo. Eu e as outras sabíamos muito bem que Luísa não tinha necessidade de nada, e nós devíamos ser as sentinelas do seu mistério. Quantas manhãs encontrava Luísa totalmente arrumada, com o altar já preparado para a Santa Missa, com as velas acesas!».

«E como isto acontecia, se Luísa nunca pôs os pés no chão por cerca de setenta anos? Mas estás certa daquilo que dizes?».

«Certíssima! Pois só eu entrava no seu quarto».

«Nunca quisestes obter uma explicação?».

«Pensei que os Anjos a servissem, especialmente o seu Anjo da guarda, do qual ela era extremamente devota. Muitas vezes o seu quarto estava imbuído de perfume».

«E os outros sentiam esse perfume?».

«Sim, todos aqueles que assistiam à Santa Missa. Recordo-me que certa vez o Pe. Cataldo De Benedictis que, na ausência do seu confessor, tinha vindo celebrar a Santa Missa, me disse: "Não coloques perfume no quarto, porque se não saio dali tonto". Assegurei-lhe que ninguém o havia perfumado, mas ele não acreditou em mim».

«É verdade que Luísa vomitava inteiramente, tudo o que comia?».

«Sim. Porém, este fenômeno era conhecido por todos, porque Luísa devia viver somente da Vontade de Deus. Mas muitos não acreditavam e pensavam que engolia algo».

«Também eu testemunhei este fato mais de uma vez, quando vinha encontrar-te na casa de Luísa».

«E então, o que mais queres saber? Contudo, muito se desperdiçava e nessa época, como sabes, havia uma grande miséria. Também eu falei disso a Luísa, embora a sua alimentação fosse tão frugal, que só bastava para um recém-nascido. E a sua resposta foi: "Sejamos obedientes". Com efeito, no que diz respeito a este fenômeno, os confessores eram intransigentes, duros e inflexíveis. Parece-me que havia uma ordem específica do bispo. Certa vez, o confessor disse-me com voz forte: "Deve comer todos os dias, e todos devem saber que ela come, se não colocarão sentinelas à sua porta, como fizeram com Teresa Newman, provocando uma grande confusão nos jornais"».

«Mas ela bebia água ou outros líquidos?».

«Nunca lhe dei água para beber; ela só tomava suco de amêndoas amargas, que as irmãs Cimadomo lhe traziam. Às vezes também a tua irmã Isa preparava este suco, e para isso pedia as amêndoas à tia Nunzia» (3).

«Mas as amêndoas amargas não contêm veneno? E com o passar do tempo não fazem mal ao organismo?».

«Não sei, mas posso afirmar com consciência certa que era o único líquido que ela bebia sem vomitar».

«O suco era pelo menos adoçado?».

«Não – respondeu-me – mas agora basta, já disse quase tudo aquilo que podia e que também todos sabiam».

«Mas gostaria de saber mais!».

«Não! Isto é apenas curiosidade; se Luísa desejar, poderei revelar-te muitas outras coisas, então eu mesma te chamarei».

Assim terminou o colóquio com a tia Rosária (4). Era o dia 15 de outubro de 1970.

Rosária Bucci viveu durante quarenta anos ao lado de Luísa Piccarreta.

Uma bordadeira perfeita

Não obstante a mutilação nos dedos da mão, para a admiração de todos, a tia Rosária tornou-se uma bordadeira perfeita. Aprimorava os trabalhos de Luísa e tornou-se a mestra de todas as jovens que frequentavam o curso de bordado. Além disso tornou-se indispensável e, com efeito, depois da morte dos pais de Luísa, passou a ser a governante da sua casa. Era ela que recebia os pedidos e concluía os contratos de trabalho. Porém, não dizia a ninguém quais eram os bordados de Luísa, porque a Serva de Deus não queria que o seu trabalho fosse objeto de particular atenção e admiração. Após a morte de Luísa, o trabalho de bordado não se deteve, porque a tia Rosária mantinha viva a tradição dos bordados, que se tornou florescente graças a Luísa Piccarreta. O fato de a tia Rosária ser uma bordadeira perfeita era considerado por todos um milagre contínuo, uma vez que a sua mutilação física não lhe teria podido consentir a execução de um trabalho tão delicado como o bordado. Para trabalhos que podiam valer milhões – pois eram necessários anos de empenho – pediam-se somas muito modestas. Por este motivo, nós sobrinhos lamentávamos com a tia e ela respondia: «O dinheiro tem pouco valor, o importante é poder viver». A tia Rosária narrava-nos que uma proibição categórica fora prescrita por Luísa no que se referia ao recebimento de dinheiro, a qualquer título que fosse, especialmente de ofertas. Se por acaso às vezes chegassem somas de dinheiro por carta, as mesmas eram imediatamente devolvidas ao destinatário. Luísa afirmava que para ela aquilo que já possuía era demasiado, e que não havia necessidade de nada. Aquele pouco dinheiro, fruto do seu trabalho, era suficiente para a manutenção da tia Rosária e da irmã de Luísa, Angelina. É característica a resposta que a Serva de Deus deu ao Beato Aníbal, quando este lhe desejava dar os direitos de autor para as suas obras publicadas: «Não tenho qualquer direito – disse ela, rejeitando o dinheiro que lhe era oferecido pelo Beato – porque o que está escrito não me pertence».

As chagas misteriosas

Por volta de 1940 a tia Rosária, uma mulher robusta e cheia de saúde, sem sentir qualquer dor, começou a ter chagas que, com o passar do tempo, se tornavam cada vez maiores e purulentas. De forma especial, eram bem visíveis duas chagas enormes, semelhantes a dois furúnculos entumecidos, posicionados precisamente debaixo do queixo. Estas feridas emitiam um pus quase contínuo e algumas gotas do mesmo caíam até mesmo no prato, enquanto ela comia. Sentia uma sensação de repugnância durante estas situações desagradáveis, e procurava afastar-me da mesa, mas para não fazer pesar o embaraço que isto nos causava, minha mãe detia-me pela mão, dando-me às vezes alguns beliscões. Como co-proprietária dos bens de família, a tia Rosária vinha com frequência comer em nossa casa. As suas chagas, que então se difundiram pelo corpo inteiro, especialmente no peito e nas costas, eram amorosamente curadas pela minha mãe, que exortava a tia Rosária a ir a Bari para consultar um especialista. Mas certo dia a minha tia apresentou-se à mesa completamente curada. Todos ficaram assombrados. Com efeito, no lugar das feridas havia pequenos sinais cicatrizados. Ninguém comentou, mas quando ela foi embora, recordando os episódios antigos e novos, meu pai comentou: «Ched femn c fatt' vdai caus nov» («Essa mulher fez-nos vez sempre coisas novas»), referindo-se a Luísa. Também meu pai alimentava uma grande devoção por Luísa a Santa e, no seu leito de morte, desejou apertar no peito a camisa dela. Minha mãe vestiu essa mesma camisa no momento da sua partida para o céu.

Mas o que tinha acontecido com a minha tia?

Eis a sua narração, que teve lugar durante uma das visitas que lhe fazia periodicamente quando era vice-pároco no convento de Barletta.

Exortada pela minha mãe, a tia Rosária foi a Bari para consultar um especialista em dermatologia. O diagnóstico foi terrível. «Estimada senhora – disse-lhe o médico – estas chagas são cancerígenas e difundir-se-ão cada vez mais em todo o seu corpo. É uma espécie de lepra, uma enfermidade raríssima». Pode-se imaginar o estado de ânimo da minha tia, quando ouviu estas palavras. Depois de perambular várias horas por Bari, à noite voltou à casa de Luísa e desabafou-se com a Serva de Deus, dizendo-lhe irritada: «Estou sempre contigo, e permites que me aconteçam certas coisas? Não tenho filhos que me possam curar». Luísa deixou-a falar, e depois disse-lhe: «Rosária, Rosária... procuraste todos os médicos, descuidando o único verdadeiro remédio». Quando ouviu estas palavra, a minha tia tomou imediatamente todos os seus remédios, os rolos de gaze e de algodão e lançou fora da varanda (tudo isto aconteceu na casa da rua Madalena, onde moravam nessa época). Depois, disse: «Agora confio-me a nosso Senhor e às tuas orações». Antes de ir para a cama, Luísa chamou-a, pediu que se ajoelhasse ao lado do seu leito e juntas rezaram durante muito tempo. Depois, a minha dia levantou-se e foi para a cama. Ela dormia em uma cama de casal, em companhia de Angelina. Nessa mesma noite, a tia Rosária sentiu um bem-estar em todo o próprio corpo e, quando se levantou na manhã do dia seguinte, observou que todas as chagas tinham secado; estavam cobertas somente por uma ligeira crosta, que caiu durante o dia: ela estava totalmente curada. Espalhou-se a voz do milagre, mas ninguém ousava falar dele de forma aberta, embora todos soubessem que Luísa tinha interferido. E isto porque Luísa não queria que tais fenômenos se atribuíssem à sua pessoa. «Não sou capaz de fazer milagres, pois é nosso Senhor que os faz», afirmava. Por estes motivos, nenhum episódio extraordinário que se verificava com a sua intervenção era objeto de anúncios, mas contudo estes difundiam-se em silêncio.

O Beato Padre Pio, Luísa Piccarreta e Rosária Bucci

Luísa Piccarreta e o Beato Padre Pio de Pietrelcina conheciam-se desde há muito tempo, sem jamais se encontrarem, dado que Luísa estava sempre sentada na cama e Padre Pio vivia isolado no convento dos Padres Capuchinhos de São João Redondo (5).

Uma pergunta nasce espontaneamente: como se conheceram?

É difícil sabê-lo, mas é fora de dúvida o fato de que se conheciam e se estimavam.

A tia Rosária narra que Luísa falava do Padre Pio com respeito e veneração, definindo-o: «Um verdadeiro homem de Deus», que ainda devia sofrer muito para o bem das almas.

Por volta de 1930, chegou a casa de Luísa uma personagem enviada pessoalmente pelo Padre Pio. Ele era Federico Abresch, convertido pelo Beato de Pietrelcina. O senhor Frederico falou prolongadamente com Luísa. Não sabemos o conteúdo da sua conversa, mas é certo que o senhor Frederico se tornou apóstolo da Vontade Divina e periodicamente visitava Luísa, com quem se entretinha sempre em longos diálogos.

Quando o seu filho recebeu a primeira comunhão das mãos do Padre Pio, foi acompanhado imediatamente também a Luísa que – segundo quanto se narra – lhe teria profetizado o sacerdócio.

Hoje a criança de então é sacerdote, trabalha na Congregação para os Bispos em Roma e é conhecido pelo nome de Mons. Pio Abresch.

Quando Luísa foi condenada pelo Santo Ofício e as suas obras proibidas, o Padre Pio enviou-lhe esta mensagem através de Federico Abresch: «Cara Luísa, os santos servem o bem das almas, mas o seu sofrimento nunca tem limites». Nesse período, também o Padre Pio se encontrava em grande dificuldade.

O Beato Padre Pio enviava muitas pessoas a Luísa Piccarreta e, aos habitantes de Corato que iam a São João Redondo, dizia: «O que vindes fazer aqui? Tendes Luísa, ide ter com ela».

O Padre Pio aconselhou a alguns dos seus fiéis (entre os quais Federico Abresch) que abrissem em São João Redondo um centro de espiritualidade que se inspirasse na Serva de Deus Luísa Piccarreta.

Hoje a herdeira desta vontade do Padre Pio é a senhora Adriana Pallotti (filha espiritual do Padre Pio), que fundou em São João Redondo uma Casa da Vontade Divina, conservando viva a chama acesa pelo Padre Pio com o senhor Federico Abresch). A senhora Adriana Pallotti afirma que foi o Beato Padre Pio a encorajá-la a difundir a espiritualidade de Luísa Piccarreta em São João Redondo e a contribuir à divulgação da Vondade Divina no mundo, como desejava o Padre Pio.

A tia Rosária frequentava periodicamente São João Redondo, de forma especial após a morte de Luísa. O Padre Pio conhecia-a muito bem e, quando Luísa ainda vivia, assim que a via, dizia: «Rosária, como está Luísa?».

A tia Rosária respondia-lhe: «Está bem!».

Depois da morte de Luísa, a tia Rosária intensificou as visitas a São João Redondo, também para receber iluminação e conselhos do Padre Pio.

Ela foi a única lâmpada que permaneceu acesa para resolver o cado de Luísa Piccarreta, no que diz respeito à sentença do Santo Ofício, visitava várias personalidades eclesiásticas e enfrentava também a Congregação do Santo Ofício. Certa vez entrou – não se sabe como – no escritório do Cardeal Ottaviani, então Prefeito dessa Congregação, que a escutou benignamente, prometendo interessar-se pelo caso.

Com efeito, poucos dias depois, a tia Rosária foi convocada por D. Addazzi, arcebispo de Trani, que lhe disse: «Senhora, não sei se devo repreendê-la ou admirá-la pela coragem que teve ao enfrentar o cão de guarda da Igreja, o grande defensor da fé, sem ser mordida».

A conclusão foi que se obteve a autorização de transportar os despojos mortais de Luísa para o cemitério da igreja de Santa Maria Grega.

Luísa dissera à minha tia: «Tu serás a minha testemunha», e certo dia o Padre Pio disse-lhe de repente estas palavras no seu dialeto de Benevento: «Rosa’, va nanz, va nanz ca Luísa iè gran e u munn sarà chin di Luísa» («Rosária, vai avante, vai avante que Luísa é grande e o mundo estará repleto de Luísa»).

A minha tia narrava com frequência este episódio, mas as coisas não iam bem: tudo fazia supor que Luísa iria cair no esquecimento.

Certo dia após a morte do venerado Padre Pio, a minha tia disse: «O Padre Pio profetizou que Luísa será conhecida no mundo inteiro». E repetia esta frase que o Padre Pio pronunciara no seu dialeto.

Respondi-lhe que o caso de Luísa Piccarreta não seria de fácil solução. Efetivamente, mesmo em Corato já não se falava mais dela, e a frase do Padre Pio podia considerar-se uma observação consoladora. Todavia, a tia Rosária retorquiu: «Não! Durante a confissão, o Padre Pio disse-me que Luísa não é um fato humano, é uma obra de Deus, e Ele mesmo a fará emergir. O mundo permanecerá assombrado diante da sua grandeza; não transcorrerão muitos anos antes que isto aconteça. O novo milênio verá a luz de Luísa».

Permaneci em silêncio perante esta afirmação, e então a tia fez-me a seguinte pergunta: «E tu, acreditas em Luísa?».

Respondi-lhe que sim.

Então, disse-me: «Daqui a alguns dias vem à minha casa porque devo dizer-te algo muito importante».

Corria a década de 70, e o Padre Pio falecera havia poucos anos.

O segredo da tia Rosária

Em 1975, precisamente em 2 de fevereiro – recordo que era um dia muito frio – a minha tia chamou-me à sua casa. Era muito idosa e começava a ter problemas nos olhos, derivantes da diabete. Os meus dois sobrinhos, Vicente e Sara, iam à sua cada para lhe fazer companhia.

Nesse dia, encontrei-a sentada atrás da cristaleira, recitando o rosário. Sentei-me ao seu lado e, depois de a cumprimentar, perguntei-lhe o que desejava dizer-me de tão importante.

Ela olhou-me e disse: «O que te digo agora é muito importante. Procura fazer bom uso disto e exorto-te a meditar sobre as maravilhas do Senhor que nos concedeu Luísa, criatura preciosa perante os olhos de Deus e instrumento da sua misericórdia. Dificilmente encontrarás uma alma tão preciosa e grande. Luísa supera-se a si mesma e só pode ser contemplada plenamente no mistério de Deus. Maria é aquela que, com o seu "Fiat", trouxe a redenção ao mundo, motivo pelo qual o Senhor a enriqueceu de maneira tão admirável a ponto de ser uma criatura elevada à dignidade de Mãe de Deus. Maria é a Mãe de Deus e nenhuma criatura jamais poderá igualá-la na grandeza e no poder; depois de Deus, só Ela exprime ao mundo as maravilhas do Senhor. Depois de Nossa Senhora vem Luísa, que traz ao mundo o terceiro "Fiat", o "Fiat" da Santificação».

A tia Rosária disse isto pacatamente, cadenciando as palavras, persuadida daquilo que afirmava. Fiquei deslumbrado diante de tais asserções.

«Eis por que Luísa ficou sempre imobilizada em uma cama e cada dia era oferecida às Majestades Divinas como vítima de expiação à Santíssima Vontade de Deus – continuou ela. Deus compadeceu-se desta criatura e foi tão cioso no que se lhe refere que a tirou do meio dos homens, confiando-a somente à sua Igreja, a fim de que a tutelasse e humanamente a forjasse com infinitas penitências e incompreensões. A minha Luísa não conheceu qualquer consolação humana, mas apenas divina, e mesmo o seu corpo estava perenemente suspenso entre o céu e a terra, e a sua vida terrena foi uma contínua contradição em relação às vidas humanas normais. Também no seu corpo ela devia ser totalmente de Deus».

Depois, ela confiou-me: «Certo dia, o Senhor disse a Luísa: "Todos aqueles que te viram e conheceram se salvarão" (6).

Caro Peppino, este é um extraordinário dom de Deus e permaneceu escondido no silêncio porque Luísa não queria que se difundisse, se não a sua pessoa se haveria de tornar objeto de curiosidade ou de veneração, que ela dizia que não merecia. Certo dia, somente o seu confessor me disse que podia revelar estas coisas com discrição. Agora disse-o a ti, com a esperança de que possa fazer bom uso disto».

Nesse dia fiquei encantado com a linguagem utilizada pela tia Rosária, que expressou conceitos teológicos de forma perfeita, usando até mesmo expressões poéticas.

Por puro caso, os apontamentos reunidos perderam-se e assim limitei-me a escrever aquilo de que me recordo.

A sua morte, quase imprevista, não me deu tempo de lhe fazer ulteriores interrogativos que esclarecessem melhor aquilo que já me tinha confiado.

A tia Rosária faleceu em 1978.

A mão do Padre Pio de Pietrelcina, marcada com o estigma, elevou-se milhares de vezes para abençoar os fiéis no final da Santa Missa.

A rua Madalena em Corato. A casa em que a Serva de Deus Luísa Piccarreta morou nos últimos anos da sua vida santa.

Notas do Capítulo 3

1) Este é um aspecto de Luísa Piccarreta que nunca se aprofundou e que seria digno de maior atenção: que influência Luísa teve no ambiente camponês?

2) A mãe de Luísa Piccarreta faleceu alguns meses depois do encontro com a tia Rosária, precisamente no dia 19 de março de 1907, solenidade de São José. O seu pai, ao contrário, morreu apenas quinze dias depois. Luísa fala deles prolixamente nos seus escritos.

3) A tia Nunzia era irmã de minha mãe, e seu marido era um camponês.

4) Muitas vezes a tia Rosária dava a impressão que falasse com Luísa antes de dar uma resposta aos interrogativos que eu lhe apresentava. Foi o meu sobrinho Vicente quem me disse estas coisas, confirmadas por um senhor mexicano que participara no Encontro internacional sobre Luísa Piccarreta na Costa Rica. Quando visitou Corato, este senhor teve longos diálogos com a minha tia.

5) Narra-se que quando Luísa foi condenada, o arcipreste de Corato, Pe. Clemente Ferrara, pregou na Igreja-Mãe que ninguém mais podia ir à casa de Luísa, e quem o fizesse seria excomungado. A proibição foi alargada também aos sacerdotes que também pregavam neste sentido nas suas igrejas. Com a admiração de todos, especialmente das irmãs Cimadomo que não abandonaram Luísa, certo dia apresentou-se um frade que permaneceu várias horas em colóquio com Luísa. Ninguém sabia dizer quem era esse frade capuchinho. Alguns diziam que reconheceram nesse frade o Padre Pio, que teria ido consolar Luísa. Isto não se encontra confirmado em qualquer parte e a tia Rosária não quis abordar qualquer discussão sobre este acontecimento. Nem sequer se podem interrogar Angelina e as irmãs Cimadomo, falecidas já há muito tempo.

6) Acredito que o Senhor quisesse dizer que o conhecimento de Luísa não se podia limitar à sua pessoa, mas devia ter no centro a sua mensagem.

CAPÍTULO 4

Aníbal Maria di Francia e Luísa Piccarreta

A tia Rosária falava com frequência e de bom grado sobre o Beato Aníbal Maria di Francia, fundador dos Rogacionistas e das Irmãs do Zelo Divino.

Falava do Beato como se fosse um seu íntimo familiar e, para o indicar, usava a expressão «Padre Francia». Eu mesmo Interessei-me muitíssimo por esta personagem e várias vezes pedi aos Padres Rogacionistas se por acaso no seu arquivo havia algo acerca das relações entretecidas entre Luísa e o Beato Aníbal. Fui também ao Instituto de Santo Antônio de Corato, casa desejada pessoalmente pelo Beato, com a específica finalidade de transferir para ali Luísa, para que ficasse no meio das religiosas.

A minha tia dizia que o Padre Aníbal concebera o projeto de transferir Luísa para o Instituto de Religiosas aberto em Trani, mas Luísa fez-lhe observar que o Senhor desejava que ela permanecesse em Corato. O projeto do Padre Aníbal realizou-se em 1928, depois da sua santa morte.

Aníbal di Francia era o confessor extraordinário da Serva de Deus Luísa Piccarreta e foi ele que publicou as suas obras. O Beato Aníbal faz parte daquela plêiade de sacerdotes que edificaram a Igreja de Deus com a própria santidade e com as suas obras, realizadas em favor dos órfãos abandonados. A obra destes homens foi de grande benefício para a Itália e a Igreja, durante um período em que triunfava o anticlericalismo.

Em conformidade com as palavras da tia Rosária, o Beato gozava de grande estima de parte de São Pio X, que facilmente lhe concedia audiências particulares. Parece que São Pio X prestava muita atenção a Luísa Piccarreta: o Beato submetia-lhe os escritos dela antes de os mandar imprimir.

A tia Rosária afirmava que depois de ter lido alguns escritos de Luísa, em particular a famosa obra sobre a Paixão de nosso Senhor, publicada com o título de L'orologio della Passione, São Pio X disse: «Caríssimo Padre, deves ler estes escritos de joelhos, pois ali é nosso Senhor Jesus Cristo quem fala». E foi o próprio Pontífice que exortou o Padre Aníbal a divulgar os escritos (1).

Aníbal ia periodicamente à casa de Luísa, na rua Nazario Sauro, e permanecia com ela durante várias horas em diálogos espirituais.

Com frequência acompanhava até Luísa algum bispo, italiano ou estrangeiro, entre os quais a tia Rosária recorda a visita de um prelado da Hungria. Para esclarecer algumas dúvidas, o Beato Padre conduzia a Luísa alguns teólogos que, depois de terem falado prolongadamente com a Serva de Deus, se reuniam em outra sala, para debater por longas horas sobre o que tinham acabado de ouvir.

A tia recorda que um bispo húngaro, depois de ter falado com Luísa, saiu do seu quarto perturbado e pronunciou as seguintes palavras em italiano imperfeito: «Rezai pelo meu povo»; Luísa falara-lhe do futuro nada róseo que esperava a pátria desse prelado. A tia Rosária não soube dizer-me com exatidão quem era esse bispo, nem o seu específico lugar de proveniência, mas disse-me apenas: «Bispo magiar».

Compreendi que se tratava de um bispo proveniente da Hungria.

As visitas do Padre Aníbal não se reduziam unicamente ao colóquio com Luísa; ele proferia conferências a todas as pessoas que frequentavam a casa de Luísa, especialmente aos jovens e às moças; estas conferências produziram frutos copiosos. Com efeito, muitas jovens se tornaram religiosas e muitos moços se encaminharam-me pela via do sacerdócio, enquanto não poucos foram acolhidos na sua nascente congregação.

Muitas pessoas iam à casa de Luísa para confessar-se com o Padre Aníbal. Isto foi-me confirmado pelo cônego Andrea Bevilacqua que, ainda jovem seminarista, ia também ele à casa de Luísa para confessar-se com o Padre Aníbal, que era também confessor extraordinário do venerado e bem-amado arcebispo de Trani, D. Leo.

Na minha publicação precedente não falei do Beato Aníbal di Francia, porque me aconselharam a manter silêncio a fim de não criar obstáculos à causa de beatificação em ato.

Seria muito interessante consultar os arquivos das Congregações dos Rogacionistas e das Religiosas do Zelo Divino, onde sem dúvida haverá vestígios do longo epistolário mantido entre a Serva de Deus Luísa Piccarreta e o Padre Aníbal. A minha tia dizia-me que a regra do Instituto seguia a espiritualidade de Luísa. Também seria muito interessante ler as antigas regras e constituições dos Institutos. Formulo votos por que agora que a Igreja proclamou o Padre Aníbal Beato, os Rogacionistas e as Religiosas do Zelo Divino possam revalorizar a figura da Serva de Deus Luísa Piccarreta que, com a sua oração, o seu conselho e os seus conselhos, contribuiu imensamente para o seu desenvolvimento.

Ainda há muito a dizer sobre as relações mantidas entre o Beato Aníbal a Serva de Deus Luísa Piccarreta e São Pio X, por quem Luísa nutria uma grande veneração. Já nessa época o venerava como santo, e várias vezes disse estas palavras: «Nestes tempos, o Senhor concedeu à Igreja dois grandes Pontífices: o primeiro, filho predileto de Nossa Senhora – com referência a Pio IX – e o segundo, grande defensor da Fé e da Eucaristia».

O Beato Aníbal di Francia teve que ultrapassar obstáculos enormes para realizar o seu projeto de transferir Luísa para uma casa da sua Congregação n meio das religiosas. E com frequência dizia pronunciava estas palavras: «A hospitalidade de Luísa em uma casa do meu Instituto será uma bênção de Deus para toda a Congregação».

Efetivamente, embora em Trani já houvessem duas casas da Congregação do Zelo Divino, com santa obstinação ele abriu uma casa feminina em Corato, próximo ao lugar onde Luísa nascera. O seu projeto não foi de fácil realização: o santo fundador morreu antes que a casa tivesse sido completada.

Dois anos depois da sua morte, Luísa ingressou nas Religiosas do Zelo Divino, na rua Murge.

Recordações de Rosária Bucci

O Beato Aníbal Maria di Francia frequentava a Serva de Deus, com quem se entretinha em longuíssimas conversas, permanecendo horas inteiras no pequeno quarto de Luísa, onde muitas vezes celebrava a Santa Missa.

É isto o que me recordo da narração que me dedicou a tia Rosária.

Em 1910 chegou à casa de Luísa um sacerdote que queria falar com ela. Foi o primeiro dos numerosos encontros entre os dois «santos». Quem lhe abriu a porta nesse dia foi a tia Rosária, jovem que já se tinha acostumado com o ambiente de Luísa, dado que já a frequentava havia quatro anos e por isso se tinha tornado colaboradora de Angelina na economia doméstica. Além disso, após ter aprendido bem o trabalho de bordado, a tia Rosária servia de mestra para as outras jovens aprendizes e Luísa chamava-a para aperfeiçoar os seus trabalhos, que muitas vezes era imperfeito, uma vez que a Serva de Deus não podia apertar bem os nós em virtude dos estigmas, escondidos debaixo da pele e fonte de sofrimento (2).

Em muitas ocasiões, a tia Rosária preparava uma pequena cama em um quarto da casa de Luísa, onde às vezes o Beato Aníbal descansava, especialmente quando era hóspede da família Piccarreta por mais de um dia.

A permanência do Beato na casa de Luísa era condicionada pelo fato de que ela, antes de entregar os seus escritos a Aníbal, devia lê-los todos com explicações sobre os pontos obscuros ou incompreensíveis.

Foi precisamente a minha tia que entregou ao Beato Aníbal o manuscrito do famoso livro concernente à meditação sobre a Paixão. Este foi publicado pelo Beato Aníbal com o título L'orologio della Passione, título este que inicialmente não entusiasmou Luísa. A publicação, com longas prefações de Beato, tiveram precisamente quatro edições.

A tia Rosária recorda que certa vez o Beato Aníbal exortou todas as jovens e as pessoas que ordinariamente frequentavam Luísa a lerem e a meditarem essa obra. Ao entregar-lhes esse livro, o Beato proferiu as seguintes palavras: «Antes de imprimir o manuscrito, fui recebido em audiência por Sua Santidade Pio X, a quem entreguei uma cópia do mesmo. Depois de alguns dias, tendo voltado a encontrar-se com o Santo Padre para tratar coisas referentes à minha nascente Congregação, ele pronunciou estas palavras textuais: "Imprime imediatamente L'orologio della Passione, de Luísa Piccarreta. Lede-o de joelhos, porque é nosso Senhor quem fala"».

Não dispondo de outros documentos, temos que confiar no testemunho de Rosária Bucci.

O Beato Aníbal e os Frades Capuchinhos da Província Monástica da Apúlia

Parece que os Padres Franciscanos, e de maneira especial os Capuchinhos, sugeriram ao Beato Aníbal que colocasse as suas obras sob a proteção de Santo Antônio de Pádua. É claro que entre o Beato Aníbal e os Franciscanos Capuchinhos havia uma grande estima recíproca.

Pessoalmente, muitas vezes ouvi os nossos idosos pais falarem do Beato Aníbal di Francia.

O Padre Aníbal divulgava os escritos de Luísa, muitos dos quais eram oferecidos aos nossos frades, a quem ele recomendava vivamente que não revelassem a ninguém o nome da sua autora, uma vez que a piedosa escritora desejava permanecer anônima.

O Frade capuchinho que mais falou desta circunstância foi o Padre Isaías de Triggiano, figura de sacerdote autêntico, simples e humilde. Este Padre nutria uma profunda veneração por Luísa Piccarreta e conservava ciosamente os seus escritos e alguns objetos pertencentes à Serva de Deus, entre os quais um santinho com uma oração escrita diretamente por Luísa.

O Padre Isaías pronunciava com frequência estas palavras: «Luísa é uma grande santa e o Padre Aníbal, também ele é um grande santo porque no-la fez conhecer. Os santos compreendem-se entre si. É Deus que os une».

No longínquo ano de 1917, o Padre Isaías de Triggiano era estudante capuchinho no nosso convento de Francavilla Fontana, onde em várias ocasiões os frades receberam como hóspede o Padre Aníbal Maria di Francia, que estava realizando uma sua obra na vizinha localidade de Oria.

Eis as impressões que o Padre Isaías conserva do Padre Aníbal: «Era um sacerdote genuinamente de Deus, e quando nós estudantes o víamos, o cincundávamos com muita simpatia. Todos iam confessar-se com ele. O seu aspecto era singular, também no seu modo de falar e de gesticular, sempre moderado, com uma discrição que não incutia medo, mas confiança filial. Ele falava-nos sempre da Vontade de Deus e exortava-nos a suportar as dificuldades e as contradições. Dizia-nos que uma alma, consagrada completamente a Deus, sofria e rezava por todos».

«Esta alma – dizia o Padre Aníbal ao Padre Isaías – é filha da tua terra, e este é o sinal de que o Senhor abençoa o povo da região de Bari». Para confortá-lo nas suas dúvidas e nos seus sofrimentos, ofereceu-lhe a obra L'orologio della Passione, que ele mesmo tinha feito imprimir. O Padre Isaías, que naquela época era o estudante capuchinho frei Isaías, perguntou-lhe onde se encontrava e quem era essa alma santa, mas o Padre Aníbal retorquiu-lhe: «Preocupa-te dignamente com o sacerdócio e em fazer sempre a Vontade de Deus e, com o passar do tempo, descobrirás quem é esta alma».

Depois que foi ordenado sacerdote, o Padre Isaías ia ter com Luísa Piccarreta, a quem recorria em busca de conselhos e – inúmeras vezes – para ser confortado no seu apostolado, insidiado pelas más línguas.

Nessa época, a Província Monástica da Apúlia atravessava um período não fácil, em virtude dos vários contrastes nascidos entre as duas Províncias de Bari e de Lecce, unificadas em uma única Província Monástica. Alguns sacerdotes se colocaram à frente de uma reforma que foi bloqueada por São Pio X.

A maioria deles submeteu-se, mas outros recalcitraram e terminaram por ser expulsos da Ordem e enfim excomungados. Entre eles estava o Padre Geraldo, superior e diretor do estudantado de Francavilla.

Este Padre tinha idéias singulares quando dirigia o estudantado, com uma disciplina draconiana; facilmente deixava os estudantes jejuarem, porque deviam mortificar-se e assemelhar-se ao Crucificado. O pior era que não permitia nem sequer que estudassem. O estudo deles devia ser o crucifixo e a penitência; e por conseguinte colocou nos quartos dos estudantes um enorme crucifixo e um cilício. Compreende-se muito bem em que estado de ânimo viviam todos os estudantes, muitos dos quais adoeciam. Por ocasião de uma das suas visitas, o Padre Aníbal di Francia chamou a atenção do Padre Geraldo, fazendo-o compreender que não se podiam tratar com esse regime os jovens que se encontravam na fase de crescimento. E ele mesmo deu o exemplo, levando ao convento muita providência e pedindo que lhes desse de comer até à saciedade, pelo menos de vez em quando. O Padre Aníbal era muito sensível à saúde dos jovens estudantes, e não raro dizia-lhes: «Esta não é a Vontade de Deus».

Parece que o Padre Geraldo não ficava totalmente insensível às exortações do Padre Aníbal, que sabia falar com muita convicção e caridade, a tal ponto que mesmo os corações mais duros se sensibilizavam. De fato, os resultados foram imediatamente evidentes: compraram-se os livros úteis para a formação sacerdotal dos jovens e começou-se a distribuir um pouco mais de pão e sopa.

Pouco tempo depois, o Padre Geraldo saiu da Ordem e foi excomungado pelas suas idéias bizarras e pela sua rebeldia contra a Igreja. As palavras do Venerável Aníbal concretizaram-se. Com efeito, quando os estudantes desencorajados se ajoelhavam aos seus pés para confessar-se, muitas vezes ele dizia: «Continuai a viver intensamente a Vontade de Deus, porque dentro em breve tudo mudará. Coragem!».

Muitos padres entraram em contato com o Padre Aníbal e através dele conheceram Luísa. Como esquecer o Padre Daniel de Triggiano, maravilhosa figura de Capuchinho, homem que representava uma autêntica flor de São Francisco. A sua simplicidade, palavras e gestos permanecem vivos ainda hoje em toda a nossa Província Monástica.

O Padre Daniel falava de Luísa Piccarreta como se fosse uma criatura do céu e, quando eu, ainda jovem seminarista, ia ao seu quarto para confessar-me, ele dizia-me sempre estas palavras: «Tu és Bucci de Corato? Conheceste Luísa? Sabe que ela é uma grande santa e jamais deixes de invocá-la se quiseres ser sacerdote».

O Padre Daniel foi o historiador de Triggiano e publicou também alguns manuais de piedade, recolhendo à mãos-cheias dos livros de Luísa Piccarreta. Do modo que falava de Luísa parecia que tinha tido contatos diretos com a Serva de Deus e com o Venerável Aníbal.

Ouvi falar muito da Serva de Deus Luísa Piccarreta também dos seguintes Padres: Giovanni De Bellis, enviado com frequência a Corato para a pregação, nestas ocasiões ia à casa de Luísa; João, meu coirmão de comunidade no convento de Trinitápolis, quando eu era superior e pároco, muitas vezes me falava de Luísa Piccarreta e do Beato Aníbal Maria di Francia, que ele tinha conhecido pessoalmente. Tive o privilégio de testemunhar os últimos momentos da vida do Padre João, morto com a veneranda idade de 92 anos. Ele faleceu completamente imerso na oração, com as mãos unidas e com o rosário. As suas últimas palavras foram estas: «Faça-se a Vontade de Deus». Corria o ano de 1982.

Também o Padre Terenzio de Campi Salentini nutria muita veneração pela Serva de Deus Luísa Piccarreta e, todas as vezes que me encontrava, falava dela. Foi ele que me comunicou que tinha iniciado o processo de beatificação do Padre Aníbal, confessor de Luísa. Quando eu era um jovem noviço no convento de Alessano, o Padre Terenzio era superior. Certo dia ele ofereceu-me este testemunho: «Passei por um período de crise de fé e certo dia fui visitar Luísa, que meu ouviu benignamente. Ela esclareceu todas as minhas dúvidas e deu-me explicações teológicas tão clarividentes e profundas que para mim foram uma revelação. Todas as dúvidas que os meus estudos teológicos não tinham esclarecido foram dissipadas por Luísa. Ela certamente possuía o dom da ciência infusa».

Certo dia, durante uma aula de ascética, o Padre Guglielmo de Barletta, um dos sacerdotes mais ilustres da Província, várias vezes ministro provincial, reitor do nosso estudantado de teologia, falou sobre o Venerável Aníbal e das suas obras. Falou prolongadamente de L'orologio della Passione e do livro intitulado Maria no Reino da Vontade Divina. Referindo-se a Luísa Piccarreta, pronunciou estas palavras: «É uma alma grande e maravilhosa. Nada somos em comparação com esta alma». O Padre Guglielmo não me disse se conheceu Luísa pessoalmente.

Quase todos os nossos antigos Padres tiveram contatos diretos e indiretos com o Venerável Aníbal e Luísa Piccarreta, entre os quais devem recordar-se ainda os seguintes: Zacaria de Triggiano, várias vezes provincial; Fedele de Montescaglioso; Giuseppe de Francavilla Fontana; Tobias de Triggiano; Antônio de Stigliano, que deixou alguns escritos sobre o Servo de Deus Frei Dionísio de Barletta; Arcângelo de Barletta, também ele provincial; Pio de Triggiano, provincial; Gabriel de Corato; Timóteo de Acquarica, grande amigo do último confessor de Luísa, Pe. Benedetto Calvi, em cuja paróquia pregou muitas vezes (assistiu também à trasladação dos restos mortais de Luísa do cemitério à igreja e celebrou na Igreja-Mãe o ofício da abertura do processo de beatificação da Serva de Deus Luísa Piccarreta); e Salvatore de Corato, de quem falarei em um capítulo separado. Muitos irmãos leigos, que iam a Corato para a coleta, não deixavam de visitar Luísa: Inácio, Abel, Rosário, Brás, Vito e Crispino, que frequentemente me falavam com entusiasmo de Luísa, por quem nutriam uma grande veneração.

O Padre Terenzio de Campi Salentini, grande apreciador de Luísa Piccarreta

A preferência de Luísa pelos Capuchinhos. O Padre Salvatore de Corato e Luísa Piccarreta

Um capuchinho completamente repleto de Luísa a Santa era o Padre Salvatore de Corato. Conheci-o quando eu era estudante no Seminário de Giovinazzo (quarta e quinta séries ginasiais). O Padre Salvatore vinha transcorrer as férias conosco. Durante os passeios que fazíamos ao longo das alamedas do jardim do convento, falava-me sempre de Luísa e do modo como amadureceu a sua própria vocação capuchinha.

O Padre Salvatore era uma maravilhosa figura de capuchinho, de família rica, amabilíssimo nas maneiras, exprimia uma delicadeza de ânimo que raramente encontrei em outros frades. A sua vocação capuchinha e sacerdotal foi muito árdua e contrastada. Órfão dos pais, foi criado por uma tia que muitas vezes o levava a Luísa a Santa, a qual o considerava com muita simpatia e de bom grado se entretinha a falar com esse jovenzinho.

Certo dia, ela disse-lhe: «O Senhor quer que tu sejas sacerdote», mas o moço não deu muita importância às suas palavras. Quando se tornou um jovem belo e rico, procurado por todas as moças, empreendeu a carreira na Marinha e viajou muitíssimo. Nas longas travessias, que às vezes duravam meses, era comum que o brilhante marinheiro se distraísse na ponte do navio, contemplando o mar infinito e as estrelas. Muitas vezes lhe vinham à mente as palavras de Luísa: «O Senhor quer que tu sejas sacerdote».

Quando certa vez se encontrava em perigo de morte, não lhe restou senão invocar Luísa: «Luísa, se quiseres que eu seja sacerdote, salva-me!». O caso quis que muitos dos seus companheiros morressem enquanto que ele, por um estranho prodígio, se salvasse. Pouco tempo depois, abandonou a sua carreira, regressou a Corato e foi à casa de Luísa. Após um longo colóquio, Luísa aconselhou-o a entrar no mosteiro dos capuchinhos, dizendo-lhe que encontraria dificuldades enormes. Era o Senhor que o teria colocado à prova para experimentar a sua vocação.

Com efeito, o seu ingresso na Ordem não foi facilmente aceito, contestado por aqueles que eram adidos à formação dos estudantes. Aduziam-se os motivos da sua idade, já bastante avançada em relação aos estudantes normais, a sua vida de marinheiro, decerto repleta de vícios e, além disso afirmava-se que, proveniente de uma família abastada, encontraria muita dificuldade em abraçar uma regra por si só bastante rígida. De nada valeram as cartas de apresentação do arcipreste, Pe. Clemente Ferrara, e do Pe. Andrea Bevilacqua, que pessoalmente o acompanhou ao noviciado de Montescaglioso.

O mestre dos noviços e o superior não o aceitaram e nem sequer o fizeram entrar no convento. Assim, o pobre jovem teve que permanecer três dias fora do convento, à espera de uma resposta do Padre provincial, a quem talvez o superior e o mestre dos noviços se tinham dirigido.

As palavras de Luísa verificaram-se plenamente.

Uma vez que foi recebido na Ordem, o Padre Salvatore renunciou generosamente a todos os seus bens de família e empreendeu os estudos para tornar-se capuchinho. Quando recebeu a Ordenação sacerdotal, quis ir à casa de Luísa para celebrar a Santa Missa em ação de graças. Ele concluía as suas narrações com estas palavras: «Luísa está no meu coração e na minha vida; sinto-a muito próxima, como se me quisesse ainda falar». Depois, acrescentou: «Tenho certeza de que não a minha vida não será longa, porque Luísa tem pressa em levar-me para o Paraíso». Dizia isto com um sorriso indescritível, que parecia muito celestial.

O Padre Salvatore foi utilizado pelos superiores como educador e diretor dos nossos jovens nos seminários menores, e todos o apreciavam e gostavam dele. Os seus dotes espirituais e humanos enriqueciam o exercício do seu ministério presbiteral. A sua saúde sempre precária desde que entrara na Ordem, constituiu um sinal da Vontade de Deus que o amadureceu no sofrimento pelo Seu Reino.

Quando lhe perguntei se eu podia ler os escritos de Luísa que tinham sido condenados pelo Santo Ofício, respondeu-me que não, e disse-me: «Luísa é totalmente da e na Igreja, que muitas vezes nos diz que devemos renunciar às coisas belas. Recorda-te que tudo aquilo que a Igreja leva a cabo é a Vontade de Deus, que tem os seus tempos. Talvez o mundo ainda não esteja amadurecido para receber e compreender esta grande santa. Penso que não passará muito tempo até que o Senhor mesmo a coloque sobre o candelabro». O Padre Salvatore faleceu no dia 3 de setembro de 1956, com quarenta e um anos de idade.

O Padre Salvatore de Corato

A maior parte dos frades capuchinhos fotografados no grupo tiveram contatos com Luísa Piccarreta e o Beato Aníbal

O Beato Padre Aníbal, confessor extraordinário e revisor eclesiástico dos escritos de Luísa Piccarreta

Notas do Capítulo 4

1) L'orologio della Passione teve várias edições, elaboradas pelo próprio Padre Aníbal, como se pode observar das longas prefações às mesmas.

2) O fato de que Rosária Bucci se tinha tornado uma bordadeira perfeita era considerado um milagre vivo, porque lhe faltavam quatro dedos da mão esquerda, circunstância que racionalmente torna impossível este trabalho. Todos ficavam encantados com a rapidez e a perfeição dos trabalhos, que eram muito procurados.

CAPÍTULO 5

Um almoço estranho

Comecei a frequentar a casa de Luísa Piccarreta com idade de cinco anos, ali conduzido pela tia Rosária.

Quando cresci um pouco, levava com frequência a Luísa cestos cheios de fruta fresca que meu pai recolhia dos nossos terrenos.

Em várias ocasiões a minha tia pedia que almoçasse na casa de Luísa Piccarreta. Luísa não comia conosco, porque estava na cama no seu pequeno quarto, e ali consumia os poucos gramas de alimento que ingeria quotidianamente.

Certo dia, suscitado pela curiosidade, comecei a observar o cardápio que se preparava para Luísa: em um único prato havia lugar para toda a sua refeição. Era domingo, dia em que na nossa família se comia orecchiette (macarrão feito à mão, à forma de orelhinhas) com ragu. No prato destinado a Luísa foram postas não mais que cinco ou seis orecchiette e três ou quatro bagos de uva. Observando o meu assombro, a minha tia fixava-me com uma expressão satisfeita e sorridente. A uma certo momento, disse-me: «Leva este prato a Luísa». mais surpreso do que nunca, tomei o prato e levei-o ao quarto de Luísa, que estava na cama. Ela tinha acabado de terminar o seu trabalho de bordado e sobre as suas pernas foi posicionado um pequeno banco coberto com uma toalha, onde ela colocou o prato que tomou das minhas mãos. Ela fixou-me profundamente com os seus grandes olhos, sem nada me dizer; depois, tomou um bago de uva e colocou na minha boca. Saí do quarto, enquanto Luísa começava a consumar o seu estranho almoço. Assim que me sentei à mesa, ouvimos tocar o sino. A minha tia levantou-se de repente, tomou uma bandeja e foi ao quarto de Luísa. Instintivamente, segui-a e, sem o desejar, assisti a um fenômeno que me deixou perplexo. Luísa vomitou toda a refeição, inteira, que tinha comido. O fato mais extraordinário é que não teve qualquer sensação desagradável ou perturbação que geralmente acompanha o vômito. A minha tia tirou o pequeno banco dois seus joelhos, colocou-o em um dos lados do quarto, fechou as pequenas cortinas diante da cama, fechou as persianas e disse-me: Vamos embora, porque Luísa deve rezar». Quando voltei para casa, contei tudo à minha mãe, que não demonstrou qualquer surpresa, dado que havia muito tempo que já sabia daquele fenômeno. Em síntese, Luísa não comia e não bebia; vivia somente da Vontade Divina. Este fenômeno durou quase setenta anos, com a alternância das vicissitudes.

Por obediência aos seus confessores, ela devia comer pelo menos uma vez por dia, não obstante vomitasse tudo imediatamente depois.

A renúncia malograda

Certo dia, era de novo domingo, eu estava na casa de Luísa, quando ela me chamou e disse: «Hoje é domingo, em casa comerás carne, mas deixarás um pedaço para o Menino Jesus». Assegurei-lhe que o teria feito. Porém, quando saí da casa de Luísa, esqueci tudo, inclusive a promessa de deixar um pouco de carne ao Menino Jesus.

Salienta-se que naquela época a carne representava uma iguaria especial, que só se comia nas festividades e em porções racionadas.

Comi tranquilamente a carne, esquecendo-me da promessa feita na parte da manhã. Contudo, Luísa não se esqueceu e, assim que cheguei à sua casa à tarde, a primeira coisa que me disse foi: «Esqueceste a promessa feita ao Menino Jesus». Fiquei confuso e não sabia como justificar-me. A tia Rosária tirou-me fora dessa situação desagradável, dizendo: «É pequeno, não pode compreender!». Todavia, percebi que Luísa não ficou satisfeita com aquela resposta gratuita.

Profecia

A minha família, que era muito religiosa, desejava que entre nós filhos houvesse um sacerdote, dado que entre os parentes do tronco paterno havia muitos presbíteros e nessa época um primo de minha mãe, Mons. Balducci, era vigário-geral da diocese de Salerno, no tempo do célebre bispo D. Monterisi. Minha mãe entretecia uma permuta epistolar com esse seu primo, que nós não conhecíamos pessoalmente. Recordo-me apenas que minha mãe falava dele com entusiasmo.

Os olhos da família estavam fixos no meu irmão Agostino, rapaz extraordinário, educado, estudioso e reservado: em síntese, o tipo oportuno para empreender a carreira eclesiástica. A tia Rosária sentiu-se muito feliz quando meu irmão expressou o desejo de entrar no seminário; o parecer do nosso pároco, Pe. Cataldo Tota de venerada e santa memória, foi deveras encorajador.

Preparou-se o vestuário e a minha tia cozeu uma sobrepeliz rendada: estava tudo pronto para o ingresso de meu irmão Agostino no Seminário de Bisceglie. Porém, aconteceu um fato inesperado que fez tudo falir, de tal forma que meu irmão deixou de entrar no seminário. A causa de tudo foi o Padre Andrea Bevilacqua, que aconselhou a não mandar ao seminário Agostino, seu aluno no ginásio, mas a esperar que ele terminasse pelo menos a quinta série ginasial; assim, entraria diretamente no Seminário de Molfetta, sem passar pelo Seminário Menor, que o Padre Andrea não considerava à altura de garantir uma formação adequada. A tia Rosária ficou muito contrariada com este fato e, certo dia, lamentou-se com Luísa: «Depois de ter gasto tanto dinheiro, Agostino não entra mais no seminário».

Já precedentemente Luísa ficou em silêncio e indiferente quando se falava deste projeto. Embora Agostino frequentasse assiduamente a sua casa, e embora ela soubesse das suas intenções, Luísa nunca pronunciou sequer uma palavra de encorajamento neste sentido, o que ela fazia com outros jovens que demonstravam o mesmo desejo. Quando a minha tia se lamentou na minha presença, Luísa respondeu: «Rosária, Rosária... queres substituir-te à Vontade de Deus! O Senhor não o quer» e, dirigindo o seu olhar para mim, disse-lhe: «Tem cuidado deste! Porque o Senhor quer este e não aquele». A admiração da tia Rosária foi grande ao ouvir estas palavras de Luísa, que acrescentou: «Sim, precisamente este que é o rebelde da família!».

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