PARTE 1
BERNARDINO GIUSEPPE BUCCI
Frade Menor Capuchinho
LUÍSA PICCARRETA
Coletânea de memórias sobre a Serva de Deus
Propriedade do autor
Na capa:
1. Obra de Ângela Ciccone, Retrato de Luísa Piccarreta.
2. Corato, Largo Plebiscito, 1938 (coleção privada, Prof. Giuseppe Gallo).
As fotografias reproduzidas no interior do livro fazem parte do Arquivo «Luísa Piccarreta» do Pe. Bernardino Bucci, Capuchinho.
Impressão: Tipolitografia Miulli
Via Roma, 52 – San Ferdinando di Puglia – Tel. 0883.622036
© 2000 Propriedade do autor.
71049 Trinitapoli (FG)
Paróquia da Imaculada dos Frades Menores Capuchinhos
EDIÇÃO NÃO COMERCIÁVEL
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO
PREFÁCIO
CAPÍTULO 1
Notas biográficas
Datas significativas
Confessores e conselheiros espirituais
Os bispos
Elenco dos escritos de Luísa Piccarreta
CAPÍTULO 2
O Reino da Vontade Divina
Algumas orações inéditas
CAPÍTULO 3
A epiléptica curada
O sino da discórdia
Uma bordadeira perfeita
As chagas misteriosas
O Beato Padre Pio, Luísa Piccarreta e Rosária Bucci
O segredo da tia Rosária
CAPÍTULO 4
Aníbal Maria de Francia e Luísa Piccarreta
Recordações de Rosária Bucci
O Beato Aníbal de Francia e os Frades Capuchinhos
da Província Monástica da Apúlia
Preferência de Luísa pelos Capuchinhos
Padre Salvatore de Corato e Luísa Piccarreta
CAPÍTULO 5
Um almoço estranho
A renúncia malograda
Profecia
O mar borrascoso
CAPÍTULO 6
Profecia da púrpura
O bispo curado
CAPÍTULO 7
Luísa e as crianças de Corato
O soldado fracassado
A criança ressuscitada
Isa Bucci e Luísa Piccarreta
Gemma Bucci e Luísa Piccarreta
CAPÍTULO 8
Uma cura
O capricho dos cavalos
O cenáculo da rua Panseri
O cavalo curado
O soldado noivo
CAPÍTULO 9
Luísa, terror dos poderes diabólicos
A morte santa de Luísa Piccarreta
O jovem morto e ressuscitado
NOTAS BIOGRÁFICAS DO AUTOR
APRESENTAÇÃO
A atenção amorosa a conservar a memória de pessoas da nossa terra que, com o humilde trabalho quotidiano e com a aceitação dos sofrimentos da vida, se distinguiram no amor a Deus e ao próximo, impeliu o Pe. Bernardino Bucci, nosso frade capuchinho, a escrever as «recordações de família», concernentes à figura de Luísa Piccarreta, chamada familiarmente «Luísa a santa».
O interesse por Luísa é digno de nota, quer pela atenção que hoje se presta ao aprofundamento da mística (e Luísa é assim porque, com a sua contemplação e a aceitação dos seus sofrimentos físicos e espirituais, alcançou uma notável intimidade com Jesus), quer porque Luísa foi conhecida e frequentada por alguns dos nossos frades (Pe. Fedele de Montescaglioso, Pe. Guglielmo de Barletta, Pe. Salvatore de Corato, Pe. Terenzio de Campi Salentini, Pe. Daniele de Triggiano, Pe. Antônio de Stigliano, Pe. Giuseppe de Francavilla Fontana, para citar apenas alguns) que lhe puderam oferecer elementos essenciais da espiritualidade franciscana, assimilando dela o amor a Cristo e o compromisso no cumprimento da Vontade Divina.
Possa este livro, que vê o Pe. Bernardino empenhado com muito amor e entusiasmo, ser útil a quantos o lerem para sentirem-se impelidos a aprofundar a espiritualidade de Luísa e fazerem-se promotores da sua beatificação.
Pe. Mariano Bubbico
Ministro Provincial
dos Frades Menores Capuchinhos da Apúlia
PREFÁCIO
Por uma vigorosa exortação do venerado – hoje emérito – arcebispo de Trani, D. Giuseppe Carata, fui impelido a escrever os testemunhos sobre Luísa Piccarreta, reunidos oralmente dos meus familiares e de outras pessoas que conheceram pessoalmente esta Serva de Deus. Em alguns episódios acho-me diretamente envolvido.
Na minha infância, tive contatos contínuos e diretos com a Serva de Deus, facilitados pela minha tia, Rosária Bucci que, por cerca de quarenta anos, assistiu dia e noite a Serva de Deus. As duas trabalhavam juntas, com bordados de almofadas, tirando disto o seu próprio sustento. Os meus parentes eram unidos à família Piccarreta por numerosos vínculos. As minhas irmãs Isa e Gemma frequentavam assiduamente a casa de Luísa, também para aprender a bordar almofadas. Gemma, a menor, era a mais amada por Luísa, que no seu nascimento sugerira que lhe dessem esse nome. A irmã de Luísa, Angelina, foi madrinha de batismo e de crisma das minhas irmãs. Tínhamos tanta intimidade com ela que na família todos lhe chamavam «Tia Angelina».
Falava-se com Luísa com muita familiaridade. Recordo que minha mãe ia periodicamente à casa de Luísa e se entretinha com ela por longo tempo. Nada se sabe dos seus colóquios. Creio que Luísa lhe profetizara a sua morte precoce. Presumo-o do fato de que minha mãe falava com frequência da morte e nos fazia compreender que não viveria por muito tempo. Morreu com 51 anos de idade, três anos depois do falecimento de Luísa. No momento da morte, vestia uma camisa da Serva de Deus.
Da Serva de Deus recebi pessoalmente santinhos e pequenas imagens. Não obstante a nossa familiaridade, diante de Luísa eu permanecia em silêncio, encantado pelo fascínio que emanava.
Recolhi e anotei muito material, mas não me é possível organizá-lo inteiramente para publicá-lo; isto exigiria muito trabalho e tempo suficiente, que me é negado. Tive que fazer opções e publicar aquilo que julguei mais interessante. Com isto não quero afirmar que os outros episódios registrados não são dignos de ser conhecidos. Estou plenamente persuadido de que qualquer episódio que se refere a Piccarreta é útil para enquadrar a sua figura no seu tempo.
Prometo que continuarei o trabalho de organização e de pesquisa das memórias, e publicarei uma biografia mais exaustiva da Serva de Deus, obra iniciada há algum tempo e que espero concluir quanto antes.
Padre Bernardino Giuseppe Bucci
CAPÍTULO 1
Notas biográficas
A Serva de Deus Luísa Piccarreta nasceu em Corato, na província de Bari (Itália), no dia 23 de abril de 1865, e ali faleceu em fama de santidade a 4 de março de 1947.
Luísa teve a sorte de nascer em uma daquelas famílias patriarcais, que ainda resistem nos nossos ambientes da Apúlia e gostam de viver no campo aberto, povoando as nossas aldeias. Os seus pais, Vito Nicola e Rosa Tarantino, tiveram cinco filhos: Maria, Rachele, Filomena, Luísa e Ângela. Maria, Rachele e Filomena casaram-se. Ângela, comumente chamada Angelina, ficou solteira e viveu ao lado da irmã Luísa até à sua morte.
Luísa nasceu no domingo in Albis e foi batizada nesse mesmo dia. Seu pai – poucas horas depois do nascimento – envolveu-a com uma coberta e levou-a à paróquia onde lhe foi administrado o Santo Batismo.
Nicola Piccarreta era empregado em uma feitoria de propriedade da família Mastrorilli, situada no centro das Murgas, na localidade de Torre Desesperada, a 27 quilômetros de Corato. Quem conhece estes lugares pode apreciar a solenidade do silêncio que impera ali, submerso entre as colinas ensolaradas, despojadas e pedregosas. Nessa feitoria Luísa transcorreu longos anos da sua infância e adolescência. Diante do povoado ainda existe a amoreira frondosa e secular, com uma grande cavidade no tronco em que Luísa, quando era criança, se escondia para rezar, longe dos olhos indiscretos. Foi nesse lugar solitário e ensolarado que para Luísa teve início aquela aventura divina que a conduzirá ao longos das sendas do sofrimento e da santidade. Com efeito, foi precisamente nesse lugar que teve de sofrer penas indizíveis devido aos assaltos do maligno, que às vezes a atormentavam também fisicamente. Para libertar-se de tal sofrimento, Luísa recorria de maneira incessante à oração, dirigindo-se de modo especial à Santíssima Virgem, que a consolava com a sua presença.
A Divina Providência conduzia esta criança ao longo de veredas tão misteriosas, a ponto de ela não conhecer qualquer alegria senão Deus e a sua Graça. Efetivamente, um dia o Senhor disse-lhe: «Dei voltas e mais voltas à terra, olhei uma por uma as criaturas, para encontrar a menor de todas. A tua pequenez agradou-me e escolhi-te; confiei-te aos meus anjos a fim de que te acudam, não para fazer-te grande, mas para que conservem a tua pequenez, e agora quero começar a grande obra do complemento da minha vontade. Nem com isso te sentirás maior mas, pelo contrário, a minha vontade far-te-á menor e continuarás a ser a pequena filha da Vontade Divina» (cf. Volume XII, 23 de março de 1921).
Com nove anos de idade, Luísa recebeu pela primeira vez Jesus Eucarístico e a Santa Crisma, e a partir desse momento aprendeu a permanecer em oração por horas inteiras diante do Santíssimo Sacramento. Com 11 anos, quis inscrever-se na associação das Filhas de Maria – florescente nesse período – na igreja de São José. Com a idade de 18 anos, Luísa fez-se terciária dominicana com o nome de Irmã Madalena. Ela foi uma das primeiras a inscrever-se na Terceira Ordem, cujo promotor era o seu pároco. A devoção de Luísa à Mãe de Deus desenvolverá nela uma profunda espiritualidade mariana, prelúdio daquilo que um dia escreveria sobre Nossa Senhora.
A voz de Jesus conduzia Luísa ao desapego de si mesma, de tudo e de todos. Com cerca de 18 anos de idade, do varanda da sua casa na rua Nazario Sauro, teve a visão de Jesus sofredor sob o peso da cruz que, erguendo o olhar em sua direção, pronunciou estas palavras: «Alma, ajuda-me!». Foi a partir desse momento que se acendeu em Luísa um insaciável anseio de sofrer por Jesus e pela salvação das almas. Assim, iniciaram aqueles sofrimentos físicos que, acrescentados aos espirituais e morais, alcançaram o heroísmo.
A família interpretou estes fenômenos como uma enfermidade e recorreu ao auxílio da ciência médica. Todavia, todos os médicos que foram interpelados ficaram admirados diante de um caso clínico tão único e singular. Luísa era sujeita a uma rigidez cadavérica - não obstante desse sinal de vida – e não existiam curas que pudessem aliviá-la dessas penas indizíveis. Quando terminaram todos os recursos da ciência, recorreu-se à última esperança: os sacerdotes. Foi chamado à sua cabeceira um sacerdote agostiniano, Padre Cosma Loiodice, que se encontrava em família pelas famosas «leis sicardianas» (de Giuseppe Siccardi [1802-1857]: jurista e político italiano que, em 1850, apresentou uma série de leis em vista de limitar alguns privilégios eclesiásticos, dando origem a violentas reações por parte do episcopado subalpino de então); com a admiração de todos os presentes, bastou um sinal da cruz, que o Padre fez sobre o seu pobre corpo, para que a enferma adquirisse imediatamente as suas faculdades normais. Depois que o Padre Loiodice partiu para o convento, foram chamados alguns sacerdotes seculares que, com um sinal da cruz, faziam com que Luísa voltasse para a normalidade. Ela estava convencida de que todos os sacerdotes eram santos, mas um dia o Senhor disse-lhe: «Não porque são todos santos, oxalá o fossem, mas somente porque são a continuação do meu sacerdócio no mundo, tu deves submeter-te sempre à sua autoridade sacerdotal; nunca vás contra eles, quer eles sejam bons os maus» (cf. Volume I). Luísa submeter-se-á sempre à autoridade sacerdotal, durante toda a sua vida. Este será um dos pontos que mais a farão sofrer. Para Luísa, a maior mortificação era a necessidade quotidiana da autoridade sacerdotal para regressar às ocupações habituais. Nos primeiros tempos, ela padeceu as incompreensões e os sofrimentos mais humilhantes precisamente da parte dos sacerdotes que a consideravam uma jovem exaltada, louca, uma pessoa que queria chamar sobre si mesma a atenção dos outros. Certa vez, deixaram-na naquele estado por mais de 20 dias. Aceitando o papel de vítima, Luísa começou a viver um estado muito particular: cada manhã ficava rígida, imóvel, contraída na sua cama, e ninguém era capaz de a estender, erguer os seus braços, movimentar a sua cabeça ou as suas pernas. Como sabemos, era necessária a presença do sacerdote que, abençoando-a com um sinal da cruz, anulava aquela rigidez cadavérica, fazendo-a voltar às suas ocupações normais (bordado de almofadas). Um caso único: os seus confessores jamais foram os seus diretores espirituais, tarefa esta que nosso Senhor queria reservar a si mesmo. Jesus fez-lhe ouvir a sua voz diretamente a sua voz, ensinando-a, corrigindo-a, se fosse necessário repreendendo-a, e de modo gradual levou-a aos elevadíssimos píncaros da perfeição. Por longos anos, Luísa foi sabiamente educada e preparada para receber o dom da Vontade Divina.
Quando o arcebispo dessa época, D. Giuseppe Bianchi D. Giuseppe Dottula (22 de dezembro de 1848 – 22 de setembro de 1892), tomou conhecimento daquilo que estava acontecendo em Corato, ouviu o parecer de alguns sacerdotes e em seguida quis assumir este caso sob a sua autoridade e responsabilidade e, depois de uma reflexão amadurecida, julgou oportuno delegar um confessor particular na pessoa do Pe. Michele De Benedictis, esplêndida figura de presbítero, a quem Luísa abriu pormenorizadamente a sua alma. O Pe. Michele, sacerdote prudente de vida santa, impôs limites aos seus sofrimentos e ela nada devia fazer sem o seu consentimento. Foi precisamente o Pe. Michele que lhe mandou comer pelo menos uma vez por dia, embora imediatamente depois vomitasse tudo. Luísa devia viver somente da Vontade Divina. Foi sob a guia deste sacerdote que obteve a autorização de permanecer continuamente na cama, como vítima de expiação. Corria o ano de 1888. Luísa permaneceu imobilizada no seu leito de sofrimento, sempre sentada por mais 59 anos, até à morte. Observe-se que até então ela, embora aceitasse a condição de vítima, tinha ficado na cama sempre ocasionalmente, porque a obediência jamais lhe consentira permanecer na cama de maneira contínua. Contudo, a partir do primeiro dia de 1889, ficará na cama de modo permanente.
Em 1898, o novo arcebispo D. Tommaso De Stefano (24 de março de 1898 – 13 de maio de 1906) delegou como novo confessor o Pe. Gennaro di Gennaro, que cumpriu tal tarefa por 24 anos. Intuindo as maravilhas que o Senhor realizava nessa alma, o novo confessor mandou categoricamente que Luísa escrevesse tudo aquilo que a Graça de Deus atuava nela. De nada valeram todos os motivos apresentados pela Serva de Deus para subtrair-se à obediência do seu confessor: nem sequer a sua escassíssima preparação literária a pôde eximir da obediência. O Pe. Gennaro di Gennaro foi insensível e irremovível, embora soubesse que a pobrezinha só tinha frequentado a primeira série do primeiro grau. Assim, no dia 28 de fevereiro de 1899, teve início a redação do seu diário, que se concluiu com 36 volumes espessos! O último capítulo foi completado em 28 de dezembro de 1939, dia em que ela recebeu a ordem de não escrever mais.
Quando o seu confessor faleceu, no dia 10 de setembro de 1922, sucedeu-lhe o cônego Pe. Francesco De Benedictis, que a assistiu somente por quatro anos, pois morreu a 30 de janeiro de 1926. O arcebispo, D. Giuseppe Leo (17 de janeiro de 1920 – 20 de janeiro de 1939) delegou como confessor ordinário um jovem sacerdote, Pe. Benedetto Calvi, que permaneceu ao lado de Luísa até à morte dela, compartilhando todos aqueles sofrimentos e incompreensões que se abateram sobre a Serva de Deus nos últimos anos da sua vida.
No início do século, o nosso povo teve a ventura de ver percorrer a Apúlia o Beato Aníbal Maria de Francia, que em Trani desejava abrir uma casa, masculina e feminina, da sua congregação nascente. Tendo tomado conhecimento de Luísa Piccarreta, foi visitá-la e a partir desse momento estas duas almas foram unidas indivisivelmente por propósitos comuns. Também outros sacerdotes ilustres frequentaram Luísa, como por exemplo o jesuíta Gennaro Braccali, Eustachio Montemurro, falecido com fama de santidade, e Ferdinando Cento, Núncio Apostólico e Cardeal da Santa Mãe Igreja. O Beato Aníbal tornou-se o seu confessor extraordinário e revisor dos seus escritos, que pouco a pouco eram regularmente examinados e aprovados pela autoridade eclesiástica. Por volta de 1926, o Beato Aníbal mandou que Luísa escrevesse um caderno de memórias sobre a sua infância e adolescência. O Beato Aníbal publicou vários escritos de Luísa, dentre os quais ficou muito famoso o livro L’orologio della Passione («O relógio da Paixão»), que teve quatro edições. A 7 de outubro de 1928, depois que se construiu a casa das irmãs da congregação do Zelo Divino em Corato, para satisfazer o desejo do próprio Beato Aníbal, Luísa foi transportada para o convento. O Beato Aníbal já tinha falecido com fama de santidade em Messina.
Em 1938 abateu-se uma terrível tempestade sobre Luísa Piccarreta: de Roma ela foi publicamente reprovada e os seus livros foram proibidos. Assim que foi publicada a condenação do Santo Ofício, ela submeteu-se imediatamente à autoridade da Igreja (1).
De Roma, enviado pelas autoridades eclesiásticas, apresentou-se um sacerdote que lhe pediu todos os seus manuscritos, os quais foram pacífica e prontamente entregues por Luísa. Assim todos os seus escritos foram fechados no arquivo secreto do Santo Ofício.
Por disposições superiores, no dia 7 de outubro de 1938 Luísa teve que abandonar o convento e encontrar uma nova habitação. Assim, transcorreu os seus últimos nove anos de vida em uma casa na rua Madalena, lugar que os idosos de Corato conhecem bem e de onde, em 8 de março de 1947, viram sair o seu ataúde.
A vida de Luísa fora muito modesta; ela possuía pouco ou nada. Vivia em uma casa alugada, assistida amorosamente pela sua irmã Angelina e por algumas mulheres piedosas. Aquele pouco que ela possuía não lhe bastava sequer para pagar o aluguel da casa. Para sustentar-se, dedicava-se assiduamente aos bordados de almofadas, tirando daí aquilo que lhe bastava para manter a própria irmã, uma vez que ela não tinha necessidade de roupas nem de calçados. O seu alimento consistia de poucos gramas de vianda, que lhe eram oferecidos pela sua assistente Rosária Bucci. Luísa nada pedia, nada desejava e vomitava imediatamente o alimento que ingeria. O seu aspecto não era o de um moribundo, mas nem sequer o de uma pessoa perfeitamente sadia. Contudo, nunca estava inerte: as suas forças eram consumadas no sofrimento quotidiano ou no trabalho e, para quem a conhecia profundamente, a sua vida era considerada um milagre contínuo.
Era admirável o seu desapego de qualquer lucro que não proviesse do seu trabalho diário! Com firmeza, ela rejeitava o dinheiro e os vários presentes que lhe eram enviados com qualquer pretexto. Além disso, nunca aceitou dinheiro pela publicação dos seus livros. Ao Beato Aníbal, que certo dia lhe queria entregar o dinheiro derivado dos direitos de autor, ela respondeu assim: «Não tenho qualquer direito, porque o que ali está escrito não é meu» (cf. «Prefácio» ao livro L’orologio della Passione, Messina 1926). Rejeitava indignada e restituía o dinheiro que às vezes as pessoas piedosas lhe enviavam.
A habitação de Luísa parecia um mosteiro, pois nenhum curioso tinha acesso à mesma. Ela estava sempre circundada por poucas mulheres, que viviam da sua própria espiritualidade, e por algumas jovens que frequentavam a sua casa para aprender a bordar almofadas. Era precisamente desse cenáculo que saíam numerosas vocações religiosas. Porém, a sua obra não se limitava às jovens, uma vez que muitos jovens também foram convidados por ela a entrar nos vários institutos religiosos e no sacerdócio.
O seu dia iniciava por volta das cinco horas da manhã, quando à sua casa chegava o sacerdote para abençoá-la e celebrar a Santa Missa, oficiada pelo seu confessor ou por algum seu delegado: privilégio que ela obteve de Leão XIII, confirmado por São Pio X em 1907. Depois da Santa Missa, Luísa permanecia em oração de ação de graças por cerca de duas horas. Por volta das oito horas iniciava o seu trabalho, que durava até ao meio-dia; após o almoço frugal, permanecia sozinha no seu quarto, em recolhimento. À tarde – depois de algumas horas de trabalho – recitava o Santo Rosário. À noite, por volta das vinte horas, Luísa começava a escrever o seu diário e adormecia por volta da meia-noite. De manhã, encontrava-se imobilizada, rígida, contraída na cama, com a cabeça dobrada à direita, e era necessária a intervenção da autoridade sacerdotal a fim de acordá-la para as suas ocupações diárias e colocá-la sentada na cama.
Luísa faleceu com a idade de 81 anos, 10 meses e nove dias, a 4 de março de 1947, depois de 15 dias uma forte pneumonia, a única enfermidade da sua vida. Ela morreu no fim da noite, na mesma hora em que todos os dias a bênção do sacerdote a libertava do seu estado de rigidez. Nessa época o arcebispo era D. Francesco Petronelli (25 de maio de 1939 – 16 de junho de 1947). Luísa permaneceu sentada na cama. Não foi possível estendê-la e – o que constitui um fenômeno extraordinário – o seu corpo não passou pela rigidez cadavérica e permaneceu na posição em que sempre estivera.
Assim que se difundiu a notícia a morte de Luísa, como um regato em cheia, toda a população acorreu à sua casa e foi necessária a intervenção da polícia para conter a multidão que, dia e noite, ia ver Luísa, mulher muito querida ao coração da população. Uma voz ressoava: «Morreu Luísa a Santa!». Para conter toda a multidão que ia vê-la, com o consentimento da autoridade civil e do oficial sanitário, o seu corpo permaneceu exposto por quatro dias, sem dar qualquer sinal de corrupção. Sentada na sua cama, vestida de branco, Luísa não parecia morta; parecia que dormia, uma vez que, como já se disse, o seu corpo não passou pela rigidez cadavérica. Com efeito, sem qualquer esforço era possível movimentar a sua cabeça em todas as direções, erguer os seus braços, dobrar as mãos e todos os dedos; podia-se também levantar as suas pálpebras e observar os seus olhos brilhantes não velados. Todos a consideravam ainda viva, imersa em um sono profundo. Uma equipe de médicos convocados de forma especial declarou, depois de atentos exames do cadáver, que Luísa estava realmente morta e que portanto se devia pensar em uma morte verdadeira e não a uma morte aparente, como todos imaginavam.
Luísa tinha afirmado que nasceu «ao contrário»; por isso, era justo que a sua morte fosse «ao contrário» em relação às outras criaturas. Ela permaneceu sentada, como tinha sempre vivido, e sentada teve que ir para o cemitério, em um ataúde especialmente construído, com as partes laterais e a frente feitas de vidro, de maneira que todos a pudessem ver, como uma rainha no seu trono, vestida de branco, com o Fiat no seu peito. Mais de 40 sacerdotes, o Cabido e o Clero local participaram no cortejo fúnebre; revezando-se as irmãs carregavam-na nos ombros, e uma imensa multidão de cidadãos a circundava: as ruas estavam apinhadas de maneira inverossímil; também as varandas e os tetos das casas estavam repletos de gente, e o cortejo prosseguia com grande dificuldade. As exéquias da pequena filha da Vontade Divina foram celebradas na Igreja Matriz por todo o Cabido. Cada um procurou levar para casa uma recordação, flores, depois de ter tocado o ataúde que, poucos anos mais tarde, foi trasladado para a paróquia de Santa Maria Greca.
Em 1994, no dia da solenidade de Cristo Rei na Igreja Matriz, Sua Excelência D. Carmelo Cassati, na presença de um público numerosíssimo e de representantes estrangeiros, abriu oficialmente o processo de beatificação da Serva de Deus Luísa Piccarreta.
Datas significativas
1865 Luísa Piccarreta nasceu no dia 23 de abril, domingo in Albis, em Corato, Bari (Itália), e os seus pais Vito Nicola e Tarantino Filomena, tiveram cinco filhos: Maria, Rachele, Filomena, Luísa e Angela.
Depois de poucas horas do nascimento de Luísa, o seu pai envolveu-a em uma coberta e levou-a à Igreja Matriz para ser batizada. A sua mãe não sofres as dores do parto; o seu nascimento foi indolor.
1872 Recebeu Jesus eucarístico no domingo in Albis e, no mesmo dia, foi-lhe administrado o sacramento da Crisma, pela mãos de D. Giuseppe Bianchi Dottula, então arcebispo de Trani.
1883 Com a idade de 18 anos, da varanda da sua casa vê Jesus curvado sob o peso da cruz, que lhe diz: «Alma, ajuda-me!». A partir desse momento, alma solitária, viveu em contínua união com os sofrimentos inefáveis do seu Esposo divino.
1888 Torna-se Filha de Maria e Terciária dominicana com o nome de Irmã Madalena.
1885-1947 Alma eleita, seráfica esposa de Cristo, humilde e piedosa, dotada por Deus de dons extraordinários, vítima inocente, pára-raios da Justiça divina, nos 62 anos ininterruptos de cama, foi Arauta do Reino da Vontade Divina.
4.III.1947 Repleta de méritos, na luz eterna da Vontade Divina terminou – como viveu – os seus dias para triunfar com os anjos e os santos nos esplendores eternos da Vontade Divina.
7.III.1947 Por quatro dias, os seus restos mortais foram expostos à veneração de uma imensa multidão de fiéis, que iam à sua casa para ver pela última vez Luísa a Santa, muito querida ao seu coração. O funeral foi um verdadeiro triunfo; Luísa passou como uma rainha, carregada sobre os ombros, no meio de alas de gente. Todo o clero, secular e religioso, acompanhou o ataúde de Luísa. A liturgia fúnebre realizou-se na Igreja Matriz, com a participação do inteiro Cabido. Na parte da tarde, Luísa foi enterrada na capela gentílica da família Calvi.
3.VII.1963 Os seus restos mortais foram sepultados definitivamente em Santa Maria Greca.
20.XI.1994 Festividade de Cristo Rei. Na Igreja Matriz de Corato, na presença de um numerosíssimo público local e forasteiro, D. Cassati abriu de forma oficial o processo de beatificação da Serva de Deus Luísa Piccarreta.
A primeira imagenzinha da Serva de Deus Luísa Piccarreta, publicada em 1948, com o imprimatur de D. Reginaldo Addazzi, O.P.
Confessores e conselheiros espirituais
1. Pe. Cosma Loiodice frade e primeiro confessor.
2. Pe. Michele De Benedictis confessor de Luísa criança, nomeado em 1884 seu confessor oficial com o mandato de D. Giuseppe B. Dottula.
3. Pe. Gennaro di Gennaro pároco de São José, confessor de 1898 a 1922; por obediência, mandou a Serva de Deus escrever tudo o que o Senhor lhe revelava no dia-a-dia.
4. Pe. Aníbal Maria di Francia de 1919 a 1927, por ordem do bispo, foi seu confessor extraordinário; revisor eclesiástico dos escritos da Serva de Deus; publicou alguns dos seus escritos, entre os quais «L’orologio della Passione».
5. D. Ferdinando Cento Núncio Apostólico e Cardeal da Santa Romana Igreja.
6. Pe. Francesco De Benedictis confessor de 1922 a 1926, sucedendo ao Pe. Gennaro di Gennaro.
7. Pe. Felice Torelli pároco de Santa Maria Greca
8. Pe. Ciccio Bevilacqua coadjutor na Igreja Matriz, confessor ocasional.
9. Pe. Luca Mazzilli coadjutor, confessor ocasional.
10. Pe. Benedetto Calvi confessor estável de 1926 a 1947, por ordem de D. Giuseppe Leo.
Pe. Peppino Ferrara, celebrante ocasional.
Pe. Vitantonio Patruno, celebrante ocasional.
Pe. Clemente Ferrara, arcipreste e celebrante ocasional.
Pe. Cataldo Tota, reitor do Seminário de Bisceglie e pároco da igreja de São Francisco.
Mons. Michele Samarelli, vigário-geral de Bari.
Mons. Ernesto Balducci, vigário-geral de Salerno.
Mons. Luigi D’Oria, padre espiritual do Seminário regional de Molfetta e vigário-geral de Trani.
Muitos outros sacerdotes, religiosos e seculares, que não citamos, iam periodicamente e por vários motivos à casa da Serva de Deus.
Pe. Benedetto Calvi, último confessor de Luísa Piccarreta.
Os bispos (2)
1. D. Bianchi Dottula Giuseppe (1848-1892).
2. D. Marinangeli Domenico (1893-1898).
3. D. de Stefano Tommaso (1898-1906) [Luísa começa a escrever os seus diários].
4. D. Vaccaro Giulio (1906), administrador.
5. D. Carraio Francesco P. (1906-1915).
6. D. Regime Giovanni (1915-1918).
7. D. Tosi Eugênio (1918-1920), administrador.
8. D. Leo Giuseppe M. (1920-1939).
9. D. Petronelli Francesco (1939-1947). Faleceu em 16 de junho de 1947, três meses depois da piedosa morte de Luísa Piccarreta.
10. D. Addazzi Reginaldo G.M. (1947-1971). Deu a Luísa o título de Serva de Deus e permitiu a divulgação da imagenzinha com a oração.
11. D. Carata Giuseppe (desde 1971), emérito. Com aprovação canônica, em 1986 deu início à Associação da Vontade Divina em Corato, depois de um percurso de uma década. Contemporaneamente, solicitado pelo Cardeal Palazzini, então Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, deu ordem de reunir os testemunhos sobre a Serva de Deus.
12. D. Cassati Carmelo, emérito. No dia da festividade de Cristo Rei de 1994, abriu o processo de beatificação de Luísa Piccarreta.
13. D. Picchierri Giovanni Battista, atual arcebispo de Trani. É conferida a ele a continuação da causa de beatificação da Serva de Deus Luísa Piccarreta.
Elenco dos escritos de Luísa Piccarreta
Datas dos diários escritos por Luísa Piccarreta, por obediência aos seus confessores.
Mesmo para os seus escritos, Luísa devia depender unicamente da autoridade da Igreja.
Com efeito, foi com extrema relutância que, submetendo-se à obediência, começou a escrever no dia 28 de fevereiro de 1899.
Volumes Datas
I-II de 28 de fevereiro a 30 de outubro de 1899.
III de 1º de novembro de 1899 a 4 de setembro de 1900.
IV de 5 de setembro de 1900 a 18 de março de 1903.
V de 19 de março a 30 de outubro de 1903.
VI de 1º de novembro de 1903 a 16 de janeiro de 1906.
VII de 30 de janeiro de 1906 a 30 de maio de 1907.
VIII de 23 de junho de 1907 a 30 de janeiro de 1909.
IX de 10 de março de 1909 a 3 de novembro de 1910.
X de 9 de novembro de 1910 a 10 de fevereiro de 1912.
XI de 4 de fevereiro de 1912 a 24 de fevereiro de 1917.
XII de 16 de março de 1917 a 26 de abril de 1921.
XIII de 1º de maio de 1921 a 4 de fevereiro de 1922.
XIV de 4 de fevereiro a 24 de novembro de 1922.
XV de 28 de novembro de 1922 a 14 de julho de 1923.
XVI de 23 de julho de 1923 a 6 de junho de 1924.
XVII de 10 de junho de 1924 a 4 de agosto de 1925.
XVIII de 9 de agosto de 1925 a 21 de fevereiro de 1926.
XIX de 23 de fevereiro a 15 de setembro de 1926.
XX de 17 de setembro de 1926 a 21 de fevereiro de 1927.
XXI de 23 de fevereiro a 26 de maio de 1927.
XXII de 1º de junho a 14 de setembro de 1927.
XXIII de 17 de setembro de 1927 a 11 de março de 1928.
XXIV de 19 de março a 3 de outubro de 1928.
XXV de 7 de outubro de 1928 a 4 de abril de 1929.
XXVI de 7 de abril a 20 de setembro de 1929.
XXVII de 23 de setembro de 1929 a 17 de fevereiro de 1930.
XXVIII de 22 de fevereiro de 1930 a 8 de fevereiro de 1931.
XXIX de 13 de fevereiro a 26 de outubro de 1931.
XXX de 4 de novembro de 1931 a 14 de julho de 1932.
XXXI de 24 de julho de 1932 a 5 de março de 1933.
XXXII de 12 de março a 10 de novembro de 1933.
XXXIII de 19 de novembro de 1933 a 24 de novembro de 1935.
XXXIV de 2 de dezembro de 1935 a 2 de agosto de 1937.
XXXV de 9 de agosto de 1937 a 10 de abril de 1938.
XXXVI de 12 de abril a 28 de dezembro de 1938.
A Serva de Deus, enquanto escreve os seus diários com os olhos fixos no crucifixo.
Notas do Capítulo 1
1) Eis o texto que a Serva de Deus enviou ao seu bispo nessa ocasião:
Fiat! In Voluntate Dei! Eu abaixo assinada, tendo tomado conhecimento do decreto com que, em data de 13 de julho de 1938, a Suprema Congregação do Santo Ofício condenava os livros por mim escritos e publicados: 1) O relógio da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, com um tratado sobre a Vontade Divina; 2) No reino da Vontade Divina; 3) A Rainha do Céu no reino da Vontade Divina; espontânea e prontamente cumpro o dever de alma cristã, de apresentar a minha incondicional, imediata, completa e absoluta submissão ao juízo da Santa Romana Igreja, pelo que sem qualquer restrição reprovo e condeno quanto a Suprema Congregação do Santo Ofício reprova e condena nos meus supramencionados escritos publicados, no sentido em que a mesma Suprema Congregação compreende. Apresento esta minha declaração de igual modo ao meu amadíssimo Arcebispo D. Giuseppe M. Leo, implorando-lhe a caridade paterna de a fazer chegar por seu intermédio ao Santo Ofício.
Confirmo-me
Luísa Piccarreta de Corato
2) Publicamos o elenco dos bispos que se sucederam na Diocese de Trani durante a vida de Luísa Piccarreta e dos que se interessaram pela sua causa de beatificação.
CAPÍTULO 2
O Reino da Vontade Divina
«E agora uma palavra a todos vós que lereis estes escritos... Peço-vos, suplico-vos que recebais com amor aquilo que Jesus nos quer dar, ou seja, a sua Vontade.
Mas para dar-nos a sua quer a nossa, caso contrário aquela não poderá reinar. Se soubésseis... Com este amor o meu Jesus quer dar-vos o maior dom que existe no Céu e na terra, que é a sua Vontade!
Oh, quantas lágrimas amargas Ele derrama, porque vê que com a vossa vontade vos arrastais por toda a terra depauperada! Não conseguis manter um bom propósito, e sabeis por quê? Porque a sua Vontade não reina convosco.
Oh, como Jesus chora, suspira pela vossa sorte! E soluçando pede-vos que façais reinar em vós a sua Vontade. Ele quer fazer-vos mudar o destino: de enfermos a sãos, de pobres a ricos, de frágeis a fortes, de volúveis a imutáveis e de escravos a reis. Não deseja grandes penitências, nem longas orações, nem outras coisas; mas que em vós reine a sua Vontade, e que a vossa vontade não tenha mais vida.
Oh, escutai-O e estou pronta a dar a vida por cada um de vós, a padecer qualquer sofrimento, contanto que abrais as portas da vossa alma, e a Vontade do meu Jesus reine e triunfe nas gerações humanas!
Agora todos vós aceitai o meu convite; vinde comigo ao Éden, onde teve início a vossa origem, onde a Entidade suprema criou o homem, o fez rei e lhe deu um reino a dominar; este reino era o universo inteiro, mas o seu cetro, a sua coroa e o seu mandato provinham do fundo da sua alma, em que residia o Fiat divino, como Rei dominante, e constituía a verdadeira realeza no homem. As suas vestes eram reais, mais fúlgidas que o sol, os seus atos nobres e a sua beleza arrebatadora. Deus amava-o muito e divertia-se com ele, chamando-o meu pequeno rei e filho. Tudo era felicidade, ordem e harmonia.
Este homem, nosso primeiro pai, traiu a si mesmo e o seu reino e, fazendo a sua vontade, amargurou o seu Criador-rei, que muito o tinha exaltado e amado, e perdeu o seu reino, o reino da Vontade Divina, em que tudo lhe fora dado. As portas do reino foram-lhe fechadas e Deus retirou para Si o reino que dera ao homem. E entretanto, escutai um meu segredo.
Ao retirar para Si o reino da Vontade Divina, Deus não disse que não o voltaria a dar ao homem, mas conservou-o em reserva, esperando as gerações futuras, para capturá-las com graças surpreendentes, com luz ofuscante, a ponto de eclipsar a vontade humana que lhe fez perder um reino tão santo; e com atrativos de admiráveis e prodigiosos conhecimentos da Vontade Divina, fazer com que sintamos a necessidade, o desejo de colocarmos de parte a nossa vontade, que nos torna infelizes, e de abraçarmos a Vontade Divina. Portanto, o reino é nosso; por isso, coragem!
O Fiat supremo espera-nos, chama-nos e impele-nos a entrar em posse dele. Quem poderá negar-se, quem será tão pérfido a ponto de não escutar a sua chamada e não aceitar tanta felicidade?
Abandonemos os miseráveis trapos da nossa vontade, a veste de luto da nossa escravidão em que ela nos lançou, e vestir-nos-emos como rainhas e ornamentar-nos-emos com adornos divinos!
Por isso, dirijo um apelo a todos: escutai-me! Sabeis, sou uma Pequenina, a menor de todas as criaturas... bloquear-me-ei na Vontade Divina juntamente com Jesus, virei como pequena ao vosso seio e, com gemidos e prantos, baterei à porta dos vossos corações para pedir-vos, como uma pequena mendicante, os vossos trapos, as vestes de luto, a vossa vontade infeliz, para dá-los a Jesus; a fim de que arda tudo e, restituindo-vos a sua Vontade, vos volte a dar o seu reino, a sua felicidade, a candura da suas vestes reais. Se soubésseis o que significa a Vontade de Deus! Ela contém o Céu e a terra; se permanecemos com Ela, tudo é nosso, tudo toma de nós; se não ficamos com Ela, tudo é contra nós; e se possuímos algo, somos verdadeiros ladrões do nosso Criador e vivemos à base de fraude e de furto.
Por isso, se quiserdes conhecê-la, leiais estas páginas: nelas encontrareis o bálsamo para as feridas, que a vontade humana nos provocou com crueldade, o novo ar totalmente divino e a renovada vida toda celeste; sentireis o Céu na vossa alma, vereis novos horizontes e novos sóis, e não raro encontrareis Jesus com o rosto molhado de pranto, que quer dar-vos a sua Vontade. Ele chora porque vos quer ver felizes e, vendo-vos infelizes, soluça, suspira e intercede pela felicidade dos seus filhos; e, pedindo-vos a vossa vontade para arrancar-vos da infelicidade, dá-vos a sua, como confirmação da dádiva do seu Reino.
Portanto, dirijo um apelo a todos. E faço este apelo juntamente com Jesus, com as suas próprias lágrimas, com os seus suspiros ardentes e com o seu Coração que arde, que quer dar o seu Fiat. Saímos de dentro do seu Fiat e dele recebemos a vida; é justo e imperioso que para ele retornemos, na nossa querida e interminável herança.
E em primeiro lugar dirijo um apelo ao Sumo Pontífice, a Sua Santidade, ao Representante da Santa Igreja, e por conseguinte ao Representante do Reino da Vontade Divina. Aos seus pés santos, esta Pequenina deposita este reino, a fim de que o faça conhecer; e para que, com a sua voz paterna e autorizada, chame os seus filhos a viver neste reino tão santo. O Fiat supremo o invista e forme o primeiro Sol da Vontade Divina no seu Representante na terra; e, formando a sua vida primária n’Aquele que é o chefe de toda a Igreja, difunda os seus raios intermináveis no mundo inteiro e, eclipsando todos com a sua luz, forme um só rebanho e um só Pastor!
O segundo apelo, dirijo-o a todos os Sacerdotes. Prostrada aos pés de cada um, rezo e imploro para que se interessem em conhecer a Vontade Divina. E digo-lhes: hauri dela o primeiro movimento, o primeiro ato; aliás, fechai-vos no Fiat e sentireis quão dócil e querida é a sua vida; bebereis nela todas as vossas ações; sentireis em vós uma força divina, uma voz que fala sempre, que vos dirá coisas admiráveis jamais escutadas; sentireis uma luz que obscurecerá todos os males e, comovendo os povos, vos dará o domínio sobre eles.
Quantos esforços fazei sem frutos, porque falta a vida da Vontade Divina! Partistes para os povos um pão ázimo do Fiat, e por isso eles, comendo-o, o encontraram empedernido, quase indigesto; e, não sentido a vida neles, não se renderam aos vossos ensinamentos. Portanto, comei este pão do Fiat divino, e assim formareis com todos a sua vida e uma só vontade.
O terceiro apelo, dirijo-o a mundo inteiro, a todos os meus irmãos, irmãs e filhos. Sabeis por que chamo todos vós? Porque quero dar a todos a vida da Vontade Divina! Ela é mais que o ar, que todos nós podemos respirar; é como o sol, do qual todos nós podemos receber o bem da luz; é como a palpitação de um coração, que em todos quer pulsar; e eu, como pequena criança, desejo, suspiro por que todos vós tomeis a vida do Fiat! Oh, se soubésseis quanto bem receberíeis, daríeis a vida para fazê-la reinar em todos vós!
Esta Pequenina deseja revelar outro segredo, que Jesus lhe confiou; e digo-vo-lo, a fim de que me deis a vossa vontade e, em contrapartida, recebais a de Deus, que vos fará felizes na alma e no corpo.
Desejais saber por que a terra é infecunda? Por que em vários pontos do mundo, com os terremotos, a terra se abre e enterra no seu seio cidades e pessoas? Por que o vento e a água formam tempestades e devastam tudo? Por que existem tantos males, que todos vós conheceis?
Porque as coisas criadas seguem uma Vontade Divina, que as domina, e por isso são poderosas e imperiosas; são mais nobres que nós, pois nós somos dominados por uma vontade humana e por isso somos degradados, frágeis e impotentes. Se, para a nossa sorte, pusermos de lado a vontade humana e tomarmos a vida da Vontade Divina, então também nós seremos fortes e imperiosos; seremos irmãos de todas as coisas criadas, que não só já não nos incomodarão, mas nos darão o domínio sobre elas e nós seremos felizes no tempo e na eternidade!
Sois felizes? Portanto, fazei isto: escutai esta pobre Pequenina que vos quer muito bem. E então, sentir-me-ei feliz, quando puder dizer que todos os meus irmãos e irmãs são Reis e Rainhas, porque todos possuem a vida da Vontade Divina!
Portanto, coragem, respondei ao apelo!
Sim, suspiro por que todos me respondais em uníssono: e muito mais, porque não sou apenas eu que vos chamo, que vos suplico: juntamente comigo, chama-vos com voz terna e comovedora o meu dócil Jesus que muitas vezes, mesmo chorando, nos diz: "Tomai como vossa vida a minha Vontade; vinde ao seu Reino".
Sabei que o primeiro a pedir ao Pai celeste que venha o seu Reino e seja feita a sua Vontade assim na terra como no Céu foi nosso Senhor, quando recitou o Pater Noster e, transmitindo-nos a sua oração, nos dirigiu um apelo e pediu que todos nós rezássemos: "Fiat Voluntas Tua sicut in coelo et in terra".
Por isso, todas as vezes que recitais o Pater Noster, Jesus é tão imbuído por este desejo de dar-vos o seu Reino, o seu Fiat, a ponto de correr para dizer juntamente conosco: "Meu Pai, sou Eu que vo-lo peço para os meus filhos, apressai-vos". Assim, o primeiro a pedir é o próprio Jesus, e além disso também vós o pedis no Pater Noster. Portanto, não amais muito?
Uma palavra conclusiva.
Sabei que ao ver os anseios, os delírios e as lágrimas de Jesus, desejoso de dar-vos o seu Reino, o seu Fiat, esta pequena Criança sente tanta impaciência, delírio e anseio por ver todos vós no Reino da Vontade Divina, todos felizes por fazer sorrir Jesus que, se não obtiver bom êxito com súplicas e lágrimas, procurará obtê-lo com caprichos diante de Jesus e de vós.
Portanto, escutai esta Pequenina, não a façais mais suspirar e dizei por favor: "Assim seja, assim seja... todos nós desejamos o reino da Vontade Divina. Fiat"» (1).
Algumas orações inéditas (2)
Encerro-me na vossa Vontade
Meu Jesus, encerro-me na vossa Vontade a fim de que respireis com o vosso respiro para respirardes com o respiro de todos e transformá-los em muitos beijos afetuosos.
Faço chegar a minha palpitação à vossa Vontade para dizer-vos em todas as palpitações: «Amo-vos, amo-vos» e, movimentando-me na vossa Vontade, dou-vos os abraços de todos a fim de que, abraçada por Vós, envolvida pelos vossos braços, ninguém mais vos ofenda e todos vos amem, adorem e bendigam, e todos façam a vossa Vontade.
Tu és a minha guia
Meu dócil Jesus, encerrai-me na vossa Vontade a fim de que eu não veja, não sinta e não apalpe senão a vossa santa Vontade e, com a sua potência, Jesus, eu forme santos nos meus atos para cumular o Céu e a terra com a Vida divina.
Rainha-mãe, sê tu a minha guia e mestra, e não permitas que eu dê um só respiro sem a Vontade Divina.
Tomai a minha vontade
Meu Jesus, dai-me a vossa Vontade e tomai a minha, a fim de que me faça santa com a vossa santidade, ame com o vosso amor, palpite com o vosso coração, caminhe com os vossos passos, realize convosco as vossas reparações e, com a minha palavra, forme um Jesus no coração de quem me escuta.
Rainha-mãe, esconde-me sob o teu manto, para defender-me de tudo e de todos.
Uma das inúmeras orações que a Serva de Deus gostava de difundir através das imagenzinhas; esta prece autografada está escrita no reverso do santinho.
Notas do Capítulo 2
1) Este apelo foi escrito pela Serva de Deus no ano de 1924.
2) Os títulos não são originais. São sobretudo palavras tiradas das orações que exprimem o tema das mesmas. As preces foram encontradas entre os objetos pessoais de Rosária Bucci e agora fazem parte do meu arquivo particular sobre a Serva de Deus.
CAPÍTULO 3
A epiléptica curada
A tia Rosária, nascida a 4 de abril de 1898, última de uma numerosa prole era, como dizia minha avó, a única filha «desafortunada» da família, pois sofria de crises epilépticas. Além disso, em virtude de um banal acidente, foram-lhe amputadas as falanges dos dedos médio, anular e mínimo da mão direita.
Com a esperança de obter a cura, minha avó levou-a a Luísa, cuja habitação era frequentada por um grupo de moças às quais ela ensinava a bordar almofadas. Pediu a Luísa que a inserisse entre elas, de maneira que pudesse aprender a profissão. Nessa época a tia Rosária tinha apenas nove anos, embora demonstrasse ser muito maior. Corria o mês de janeiro do ano de 1907, um dia muito frio e chuvoso. Luísa já era famosa em toda Corato e todos lhe chamavam Luísa a Santa. Luísa Piccarreta não era apenas uma mulher de vida santa, que todos respeitavam, mas também uma agente social. Efetivamente, ela tinha criado na própria casa uma escola de bordado de almofadas, que naquela época constituía uma grande promoção social para muitas jovens que saíam fora do ambiente caseiro e camponês (1).
Eis como o encontro teve lugar...
Eram cerca das 10 horas quando minha avó foi com a tia à casa de Luísa, situada na rua Nazario Sauro, chamada rua do Hospital. A porta foi aberta pela mãe de Luísa, já de idade avançada, que se entreteve para falar com minha avó, pedindo-lhe notícias de alguns familiares (2).
Logo que terminou o diálogo, a mãe de Luísa acompanhou as duas ao pequeno quarto da filha que, na cama, dava lições de bordado às moças.
Angelina, irmã de Luísa, pediu às jovens que estavam bordando que saíssem, trouxe uma cadeira na qual se sentou minha avó, e as duas começaram a falar.
Este é o testemunho de minha tia: «As duas falaram de vários argumentos de que não me recordo bem, como duas velhas amigas que não se encontravam havia muito tempo. Enfim, minha mãe beijou Luísa e saiu. Intuí que falaram também de mim e que Luísa tinha dado consenso ao pedido de minha mãe. Quando fiquei a sós com Luísa, ela fixou-me profundamente com um olhar de benevolência, como se me quisesse encorajar. Nada suspeitava daquilo que em seguida me teria acontecido: teria ficado ao seu lado, ininterruptamente, por quarenta anos».
Alguns dias depois, minha tia foi atingida por uma imprevista crise epiléptica, exatamente quando recebia os rudimentos do bordado de almofadas. Minha tia nunca falou deste episódio, porque era bastante discreta e reservada acerca de tudo o que se referia a Luísa, e raramente falava disto em casa. Este fato foi-me narrado pela minha mãe, que por sua vez tomou conhecimento disto através de uma sua amiga que estava presente quando o mesmo teve lugar.
Assim que minha tia caiu no chão, com a língua fora da boca que espumava pela crise epiléptica, as jovens que estavam ali assustaram-se e escaparam, enquanto minha tia era socorrida por Angelina, irmã de Luísa. Neste ínterim, Luísa não se descompôs de forma alguma, como se o caso não lhe interessasse minimamente, e continuou o seu trabalho. Uma moça, que não obstante o susto permaneceu ali, testifica: «Quando viu Rosária no chão, Luísa levantou o olhar para o céu e pronunciou estas palavras: "Senhor, se a colocastes ao meu lado, desejo que ela seja sadia". E continuou o seu trabalho». Em virtude da grande confusão que se criou, ninguém tinha prestado atenção à prece de Luísa.
Quer esta oração tenha sido verdadeira ou não, a partir daquele momento a tia Rosária nunca mais teve crises epilépticas. Ela viveu até à idade de 80 anos e faleceu em função de uma crise diabética (foi isto que lhe diagnosticaram). A sua enfermidade durou um dia e meio.
Luísa Piccarreta, enquanto lê as Sagradas Escrituras.
O sino da discórdia
A tia Rosária, co-proprietária dos bens da família, tinha praticamente renunciado à metade dos lucros, que nessa época podiam considerar-se relevantes, em nosso benefício, pois éramos uma numerosa família com seis filhos estudantes. Ela vinha quase todos os dias comer em casa e senti-a senhora da situação. A obra que ela realizava em casa era muito preciosa, especialmente no que concerne aos trabalhos domésticos: contribuía na cozinha, preparava a mesa e ajudava a desfazê-la antes de ir embora.
Esta sua contribuição era muito apreciada, porque minha mãe era professora e todos nós estudantes, e dificilmente podíamos realizar os trabalhos domésticos. As poucas vezes que a tia Rosária não vinha, fazia-se tudo com confusão e de maneira apressada. Recordo que quando voltávamos da escola encontrávamos a tia Rosária sempre pronta a exortar-nos a lavar as mãos e a fazer o sinal da cruz antes de começar o almoço.
Porém, algumas vezes agia de maneira estranha, o que suscitava murmurações em nós e de forma especial em minha mãe. O modo de agir parecia-nos insolente e desafiador, como se quisesse afirmar que a dona da casa era ela.
Isto dependia também do seu caráter forte e desapegado, que dificilmente concedia confidências.
A sua presença suscitava em todos uma certa perturbação, ninguém em casa ousava pronunciar palavras que não fossem corretas e ela dificilmente aderia aos nossos desejos; nunca nos deu pequenos presentes ou dinheiro. Só era disponível quando demonstrávamos o desejo de nos confessar ou ir à igreja, especialmente à tarde, a que ela nunca faltava. Geralmente frequentava a paróquia de Santa Maria Greca, onde o seu lugar era ajoelhada, no habitual canto na capela do Santíssimo. Quando a procurávamos para algum trabalho familiar, se não estava na casa de Luísa, encontrávamo-la ajoelhada na igreja, no seu lugar de sempre.
Certo dia, disse-lhe: «Não sentes dor nos joelhos?». Ela sorriu-me e não respondeu à pergunta, mas acrescentou: «Nesse lugar ajoelhava-se Luísa, quando podia ir à igreja. É ali que Luísa falava com Jesus».
Aquele seu estranho modo de agir incomodava e, por este motivo, em nossa casa pronunciavam-se frases bastante complicadas. As causas das contendas em família, especialmente entre a tia e minha mãe, eram as seguintes.
Enquanto estávamos comendo, a tia levantava-se muitas vezes de pressa, vestia o sobretudo e ia embora.
Outras vezes, enquanto se discutia de importantes fatos de família, ela interrompia o diálogo e desaparecia. Este seu modo de se comportar deixava todos sem palavras, pois não tinha uma explicação lógica. Por isso, a tia Rosária era considerada uma mulher falsa e hipócrita, e minha mãe atribuía estas atitudes à sua soberba. Somente meu pai, que nutria um grande afeto pela sua irmã, mantinha o equilíbrio e a desculpava sempre, provocando a ira de minha mãe que se sentia ofendida pela pouca consideração que ele tinha pelas suas observações sobre a tia.
Nós, filhos, estávamos em perfeita harmonia com nossa mãe e todos nós considerávamos a tia Rosária a ovelha negra de nossa família, objeto dos nossos sarcasmos. Era necessária a intervenção de nossa mãe par moderar o nosso zelo indiscreto. Apesar de tudo, minha mãe tinha grande estima pela tia Rosária e admoestava-nos: «Recordai-vos que é sempre uma alma consagrada».
Talvez o que mais incomodava era o fato de que no dia seguinte a tia Rosária se apresentava em casa como se nada tivesse acontecido, e jamais respondia às explicações, que minha mãe pedia a respeito da sua atitude.
Quando eu era sacerdote e minha tia já era muita idosa e vivia circundada pela veneração da família, perguntei-lhe o motivo daquele seu modo de agir, e ela disse-me: «Quer mesmo saber? Interessa-te tanto?». «Sim», respondi-lhe.
Assim, começou a falar: «Eu sofria muitíssimo pelas incompreensões, mas tratava-se de provações tremendas às quais o Senhor me submetia para ser digna sentinela de Luísa. Ela transcorria muitas horas do dia em oração. Eu intuía quando desejava ficar sozinha e, sem que nada me dissesse, levantava-me do trabalho de bordado, tirava o bordado das suas mãos, apoiando-a então sobre a mesa, pedia que todos saíssem do seu quarto, fechava as pequenas cortinas da cama, fechava também o seu quarto e continuava a trabalhar em silêncio no quarto adjacente. Passavam muitas horas e, quando ouvia o sino, eu entrava sozinha no quarto de Luísa, abria as pequenas cortinas da cama, recolocava o bordado nas suas mãos de maneira que todos, ao reentrarem, a encontrassem do mesmo modo que a tinham deixado, ocupada com o trabalho. Também de manhã, enquanto estava ainda na cama, só eu ouvia o sino, às vezes por volta das três ou quatro horas. Sua irmã Angelina resmungava, porque se acordava ouvindo-me levantar. Eu ia ao quarto de Luísa e encontrava-a como que morta, sem sinal de vida, imóvel. Arrumava os seus cabelos, os travesseiros atrás dos ombros, que muitas vezes encontrava no chão. Observe-se que os (três) travesseiros estavam posicionados atrás dos ombros de Luísa... mas ela nunca se apoiava, pois eles só lhe serviam para cobrir o vazio entre a sua pessoa e a cabeceira da cama. Depois de arrumar o corpo de Luísa, eu preparava o altar para a Santa Missa. Quando o sacerdote chegava para a celebração, eu fazia-o entrar sozinho no quarto. Ele fazia-lhe um sinal da cruz no corpo e chamava-a de novo à vida. Assim que Luísa voltava à normalidade, todas as outras pessoas entravam para assistir à Santa Missa, inclusive o coroinha que estava sempre presente. Luísa assistia à Santa Missa como se estivesse em êxtase, com grandíssimo devoção, respondendo em perfeito latim. Após a comunhão todos iam embora, enquanto que Luísa se imergia em uma longa e profunda ação de graças, que durava algumas horas. Por volta de nove horas da manhã tocava o sino, entrávamos no seu quarto e ela começava o trabalho de bordado. Eu trabalhava ao lado de Luísa e usávamos os mesmos bilros, o mesmo fio e os mesmos alfinetes, enquanto eu aperfeiçoava os trabalhos de Luísa porque estes ficavam bastante soltos, dado que ela não tinha a força para puxar os fios pela dor que sentia nas mãos, em virtude dos estigmas que lhe estavam impressos».
A esta altura, interrompi-a e disse: «Mas nunca vi os estigmas nas suas mãos!».