Táticas de guerra usadas por assaltantes aterrorizam o Rio Grande do Sul
15.06.2008 - Imagens do ataque simultâneo a duas agências bancárias de Triunfo, no dia 5, obtidas com exclusividade por Zero Hora, mostram o emprego de táticas militares por assaltantes da quadrilha que vem aterrorizando cidades do Interior. O bando, formado por atiradores, delimita a tiros o terreno e só deixa a cidade depois de alcançar seu objetivo. Ao apoiar um fuzil no ombro de um refém que lhe servia de escudo e atirar com aparente tranqüilidade e destreza contra policiais, um assaltante colocou em alerta a polícia gaúcha.
O uso de criminosos na linha de frente mantendo a polícia afastada a tiros, a delimitação do terreno de ação com o posicionamento de sentinelas, o desprezo com as autoridades e a preparação de uma rota de fuga que incluiu o uso de lancha revelaram o emprego de táticas militares por uma quadrilha no assalto a duas agências bancárias em Triunfo, na Região Carbonífera, no último dia 5.
Foi o mais recente de uma série de assaltos que há dois anos aterrorizam populações do Interior, alvos desguarnecidos diante da supremacia bélica do bando formado por uma fusão de quadrilhas.
Há mais perguntas do que respostas sobre os bandidos. Seriam alguns dos integrantes ex-combatentes recrutados pela nova quadrilha? Seriam atiradores de elite, conhecidos como snipers, que receberam instrução militar para manuseio de armas de guerra?
Além do isolamento geográfico e das rotas de fuga, outro detalhe atrai os assaltantes para esses municípios.
- Eles sabiam o tamanho do efetivo policial e quantas viaturas cada corporação tinha naquele momento - explica o delegado Ranolfo Viera Júnior, diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
A exemplo do que aconteceu em Bom Jesus, em julho de 2007, quando clientes e funcionários serviram de escudo no roubo ao Banrisul, os bandidos usaram reféns durante todos os passos do ataque em Triunfo.
Nem a postura do homem que, sozinho e empunhando um fuzil, protegia a retaguarda de sete comparsas depois de terem arrecadado cerca de R$ 600 mil dos cofres das agências - ele atirava contra um grupo de 10 policiais - é inédita. Lembra outro ataque, desta vez ao Banco do Brasil de Progresso, no Vale do Taquari, em fevereiro de 2006. Naquele roubo, dois criminosos se posicionaram em frente à agência, retendo a polícia com tiros de fuzil.
São técnicas de "combate à localidade", termo militar que define a ação com o objetivo de neutralizar o oponente, no caso, a polícia. Elas já teriam sido usadas pelos assaltantes em, pelo menos, seis ataques nos últimos dois anos.
Ensinadas em academias militares, as táticas são empregadas pelas Forças Armadas em controle de distúrbios civis, como os registrados no Haiti, ou para evitá-los, como ocorreu no Rio de Janeiro nos Jogos Pan-Americanos.
- Eles usaram técnicas que aprendemos na academia para a garantia da lei. Isso não é coisa de soldado, é planejamento que exige conhecimento de infantaria, de logística militar - avalia um sargento com especialização em combate urbano e em selva que atuou em áreas de fronteira na Amazônia, no Pantanal e no oeste do Estado, que prefere ter o nome preservado.
Os ataques têm impressionado os agentes do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). No último roubo, em Triunfo, três criminosos usaram reféns como escudos humanos para percorrer a pé os 253 metros que separam o Banrisul, onde o trio estava, do Banco do Brasil, onde se reuniriam com os demais membros do bando para a fuga.
A decisão de não entrar no veículo que estava na frente do Banrisul e seguir a pé atendia a um princípio básico: no automóvel não caberiam os reféns e, sem eles, os criminosos estariam vulneráveis à ação policial. Ao caminhar guarnecidos pelas vítimas, os assaltantes inibiram uma reação.
Bando imobilizou policiais, ao deixar a cidade pelo rio
O cenário de combate urbano registrado no município de 25 mil habitantes levou o diretor do Deic a relacionar o caso a outros ataques violentos, nos quais, além de planejamento, sempre há atiradores treinados. E cita como exemplos crimes em Nova Hartz (novembro de 2007) e Bom Jesus (julho de 2007), onde foi morto o então vice-prefeito, Leonardo Baroni Silveira, 36 anos, confundido com policial civil.
- Nessas quadrilhas maiores, sempre há um atirador que recebeu treinamento especial. Na quadrilha do Seco (José Carlos dos Santos, assaltante de carros-fortes preso em 13 de abril de 2006), tínhamos um ex-integrante do Exército. Esses criminosos acabam ensinando os demais - diz Ranolfo.
Como no assalto ocorrido em novembro de 2006, quando duas cidades foram sitiadas - Itati e Três Forquilhas, no Litoral Norte - , os bandidos demonstram confiança no grupo.
- Os assaltantes que arrecadavam o dinheiro (em Triunfo), por exemplo, sequer olhavam para o lado, estavam confiantes que os demais fariam a segurança externa. O assalto levou mais de 20 minutos, o que garantiu à quadrilha o acesso aos cofres (que só abrem 15 minutos após a senha ser digitada). É muito tempo para um assalto - afirma o delegado Juliano Ferreira, da Delegacia de Roubos.
Outro ponto que chama a atenção é a estratégia na fuga. Antes do ataque em Triunfo, os assaltantes abriram uma picada para atravessar mata à margem da rodovia por onde fugiram até o Rio Taquari, onde uma lancha os aguardaria. Ao seguir na embarcação, despistaram os policiais depois de quatro quilômetros de perseguição.
- A polícia estava preparada para perseguir em viaturas, não em lanchas - avalia o sargento consultado por Zero Hora.
Fonte: Jornal Zero Hora RS
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Lembrando...
Um Estado com o dedo no gatilho: O assassinato está em alta no Rio Grande do Sul.
08.04.2008 - O número de casos cresceu 29% entre 2000 e 2007, conforme estatísticas da Secretaria da Segurança Pública (SSP).
Pós um período de relativa estabilidade, um aumento nos homicídios ocorre desde 2005. Foram 1.352 mortes naquele ano, 1.359 em 2006 e 1.568 casos em 2007. A média em 2007 foi de 4,3 homicídios por dia no Rio Grande do Sul, um a cada seis horas. Em 2008 a média praticamente repete a do ano passado, 4,4 homicídios ao dia. Metade dessas mortes acontece na Região Metropolitana.
A tendência gaúcha é inversa à registrada no país, onde o total de homicídios vem caindo desde 2003, quando foram registrados 51 mil crimes desse tipo. Em 2006, foram 44 mil assassinatos.
Mesmo com o crescimento de homicídios nos últimos anos, o Rio Grande do Sul está longe de figurar entre os locais mais violentos do Brasil. Conforme as últimas estatísticas nacionais, referentes a 2006, o território gaúcho ocupa o 20º lugar no ranking de homicídios entre os Estados. Sua taxa média é de 18 assassinatos por 100 mil habitantes, enquanto a taxa média brasileira é de 24 por 100 mil.
A ascensão lenta e gradual do número de mortes violentas no Rio Grande do Sul intriga especialistas. O cientista social Alex Niche Teixeira, do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que as explicações podem ser múltiplas, mas ressalta que o Estado é o mais armado do Brasil. Além disso, foi o que registrou o mais alto percentual de rejeição à proposta governamental de proibir a venda de armas, no Referendo do Desarmamento, em 2005. Sete em cada 10 gaúchos disseram não à idéia de vetar o comércio bélico.
Enquanto em outros Estados o desarmamento vem aumentando desde 2003, no Rio Grande do Sul a população resiste à idéia. Quem deseja matar vai matar de qualquer jeito. Mas com bastante armas em circulação, fica mais fácil analisa Teixeira, cujo grupo prepara para este ano o Mapa da Violência-RS, um trabalho que pretende dissecar a situação de oito tipos de crimes violentos no Estado.
A favor da hipótese de Teixeira está o fato de os gaúchos possuírem mais de 800 mil armas registradas, das 3,2 milhões existentes no país. Quase todas na clandestinidade porque seus donos simplesmente não as recadastraram na Polícia Federal. Mas isso não explica tudo. A BM apreendeu 57% mais armas nos quatro primeiros meses do ano passado, se comparados com igual período de 2006, mas mesmo assim os homicídios aumentaram. Por quê?
Maior parte de vítimas e autores tem antecedentes
O diretor de Gestão e Estratégia da SSP, tenente-coronel Marco Antônio Moura dos Santos, assinala que 90% dos indiciados por homicídio no primeiro trimestre deste ano têm antecedentes criminais, enquanto 60% das vítimas também têm. Isso indica que a disputa entre criminosos em sua maioria por causa de drogas é razão da maioria dos crimes.
Quando as polícias prendem mais, como vem ocorrendo, aumentam as disputas sangrentas pela liderança nas quadrilhas ou nas áreas comenta Santos.
O fato de o número de homicídios estar crescendo no Rio Grande do Sul e em queda no Brasil não significa que o país está pacificado. Pelo contrário. Se comparado um período de mais de duas décadas, o cenário nacional é de uma epidemia de violência. Entre as mortes por fatores externos que excluem doenças , os homicídios no Brasil praticamente dobraram. Passaram de 19,8% do total, em 1980, para 37,1%, em 2005, mesmo com a queda nos últimos quatro anos.
NOITE SANGRENTA - Dez homicídios em sete horas e 20 minutos
Em um intervalo de apenas sete horas e 20 minutos, o Estado registrou pelo menos 10 assassinatos entre a noite de domingo e a madrugada de ontem. O número contrasta com a média de mortes em fevereiro, por exemplo, que foi quatro a cada 24 horas.
A quantidade de disparos efetuados pelos agressores chama a atenção nesses casos. Uma das vítimas, morta em Esteio, por exemplo, teve o rosto desfigurado por quatro tiros, dificultando até a identificação dela pela polícia.
- Chamam na periferia de tiro do esculacho. O objetivo é humilhar o desafeto. O agressor ainda cria constrangimento até para a família que não pode velar a vítima com caixão aberto - observa Bolívar.
Em alguns dos crimes, como os ocorridos no bairro Nonoai, em Porto Alegre, e em Balneário Pinhal, a Polícia Civil já aponta a relação direta com o tráfico de entorpecentes.
- Porto Alegre não é uma ilha, o tráfico tem sido responsável pela maior parte das mortes na Região (Metropolitana) - diz Bolívar.
Para a antropóloga Ana Luiza, o perfil das vítimas revela um problema social: a ação dos criminosos na periferia cresce à medida que ações sociais do Estado nas comunidades se tornam escassas.
- É uma cultura que se cria na periferia. Os jovens acabam tendo como modelos de sucesso os traficantes ou outros criminosos que conseguem as garotas mais bonitas, andam mais bem vestidos, tem carros melhores - ressalta.
Para a professora, a violência com que foram cometidos os crimes seria uma forma de os grupos mostrarem força:
- Os criminosos se aproveitam da ausência do Estado e criam uma rede que liga as diferentes classes sociais. Além de traficantes, morrem jovens de famílias que passam a morar nessas regiões e não conhecem os códigos morais e limites impostos por por esses grupos criminosos.
Os crimes guardam semelhanças entre si: foram usadas armas de fogo contra jovens do sexo masculino - a maioria entre 15 e 30 anos - , que moravam na periferia. Sete casos foram classificados pela polícia como execuções, já que as vítimas foram atingidas com quatro ou mais tiros.
- O perfil é o mesmo da maior parte dos assassinatos no Estado. Há relação direta com a disputa entre grupos de jovens rivais, que, por meio da violência, querem demarcar seus territórios - avalia Bolívar Llantada, delegado de Homicídios.
A falta de testemunhos também caracteriza esses crimes. Até no tiroteio ocorrido no Centro Comunitário Santa Fé, na periferia de Caxias do Sul, onde dezenas de pessoas participavam de uma festa e três jovens foram mortos, a polícia encontra dificuldades em localizar pessoas dispostas a contar o que aconteceu.
Em apenas dois dos casos a polícia conseguiu ouvir testemunhas oculares, mas apenas os pais das vítimas falaram. Nos demais, ninguém viu ou ouviu nada.
- As pessoas ficam com medo de depor. As poucas informações, geralmente, são anônimas - explica Bolívar.
Para a antropóloga Ana Luiza Quadros, do Laboratório de Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a questão extrapola o medo dos moradores de represálias e teria relação com o tráfico de drogas.
- A lei do silêncio não é só garantida pela coação, mas pela identificação dos traficantes como pessoas que auxiliam a comunidade, que compram remédio, que assumem ações de responsabilidade do Estado - afirma.
Narcotráfico está por trás de grande parte das execuções
A quantidade de disparos efetuados pelos agressores chama a atenção nesses casos. Uma das vítimas, morta em Esteio, por exemplo, teve o rosto desfigurado por quatro tiros, dificultando até a identificação dela pela polícia.
Chamam na periferia de tiro do esculacho. O objetivo é humilhar o desafeto. O agressor ainda cria constrangimento até para a família que não pode velar a vítima com caixão aberto observa Bolívar.
Em alguns dos crimes, como os ocorridos no bairro Nonoai, em Porto Alegre, e em Balneário Pinhal, a Polícia Civil já aponta a relação direta com o tráfico de entorpecentes.
Porto Alegre não é uma ilha, o tráfico tem sido responsável pela maior parte das mortes na Região (Metropolitana) diz Bolívar.
Para a antropóloga Ana Luiza, o perfil das vítimas revela um problema social: a ação dos criminosos na periferia cresce à medida que ações sociais do Estado nas comunidades se tornam escassas.
É uma cultura que se cria na periferia. Os jovens acabam tendo como modelos de sucesso os traficantes ou outros criminosos que conseguem as garotas mais bonitas, andam mais bem vestidos, tem carros melhores ressalta.
Para a professora, a violência com que foram cometidos os crimes seria uma forma de os grupos mostrarem força:
Os criminosos se aproveitam da ausência do Estado e criam uma rede que liga as diferentes classes sociais. Além de traficantes, morrem jovens de famílias que passam a morar nessas regiões e não conhecem os códigos morais e limites impostos por por esses grupos criminosos.
Fonte: Jornal Zero Hora RS