Sinal dos Tempos: A cada 50 minutos, alguém tenta o suicídio no Rio Grande do Sul.


25.05.2008 - Três pessoas cometem suicídio por dia no Estado
Apenas no ano passado, foram registradas 1.074 mortes.

A cada 50 minutos, alguém tenta o suicídio no Rio Grande do Sul. No curso de 24 horas, três conseguem. Ao fim de um ano, como em 2007, 1.074 terão dado fim à própria vida para encerrar um sofrimento insuportável. Trata-se de uma tragédia silenciosa.

Uma comparação ajuda a dimensionar o infortúnio: 1.074 suicídios superam as 916 perdas humanas no trânsito registradas no ano passado em vias urbanas de Porto Alegre e em todas as rodovias estaduais e federais do Estado. É como se cinco desastres iguais àquele com um Airbus A320 da TAM, no aeroporto de Congonhas (SP), em julho, se repetissem num espaço de 12 meses.

As mortes a conta-gotas são atos quase sempre doentios, sem glamour ou heroísmo. Abalam famílias, desestruturam lares e multiplicam sofrimento dos que ficam — talvez por isso, pais, mães, irmãos e filhos de suicidas sejam definidos como sobreviventes.

O drama é desconhecido porque se refere a um assunto tabu: inicia-se na casa de quem morre, envolve médicos e amigos mais chegados e toma conta das redações dos jornais. A imprensa tem o temor de incentivar, mesmo que involuntariamente, suicidas em potencial.

No Rio Grande do Sul, há 9,7 casos para grupo de 100 mil pessoas (o mais alto coeficiente do país), mais do que o dobro da taxa do Brasil (o índice revelado em 2004 era de 4,4 casos para cada 100 mil). Na hipótese otimista, estimam estudiosos, para cada um dos 1.074 que se mataram houve 10 tentativas. Na pessimista, 20. Uma violência que deixa seqüelas físicas e psíquicas.

— De acordo com cálculos do Banco Mundial e da Universidade de Harvard (Estados Unidos), calcula-se que 1,4% do total de doenças se deva a tentativas (de suicídio). Essa porcentagem chegará aos 2,4% no ano 2020 — alerta Neury Botega, professor de Psicologia Médica do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Os números surpreendem, mas uma realidade é igualmente perturbadora: o despreparo do Estado — governos municipais, estadual e federal — para lidar com este fenômeno. Um plano nacional, lançado em 2006, ainda dá os primeiros passos.

Em meados dos anos 90, países como Finlândia, com o dobro de suicídios do Estado, atacaram a depressão da população em geral e tiveram sucesso na redução de casos. No final daquela década, a diminuição foi de cerca de 20%.

Embora seja a unidade da federação com a maior incidência, e alguns municípios ostentem números superiores aos de países escandinavos, o Rio Grande do Sul não dispõe de um programa de prevenção.

Inexistem dados conclusivos capazes de elucidar as peculiaridades do Estado, mas as características da colonização devem ser levadas em consideração na interpretação do fenômeno.

— Uma das explicações pode estar relacionada a fatores socioculturais complexos como a influência étnica de europeus (alemães e italianos) no Estado — opina o psiquiatra e pesquisador Jair Segal, que se dedica a investigar o gene associado ao comportamento suicida.

As razões para um ato drástico e desesperado — seja em Porto Alegre ou em Budapeste, uma das capitais com mais altos índices no mundo — são complexas. É consenso entre pesquisadores que a depressão e o sofrimento psíquico andam de mãos dadas com suicidas em potencial — o que não significa que todos se matarão.

— O que explica que, de duas pessoas com depressão, uma vá morrer por suicídio e outra não? Há fatores de vulnerabilidade, de predisposição genética, familiar e também epigenética (a interferência de fatores ambientais, ao longo de gerações, promovendo mudanças de determinados genes). Cada um vai se desenvolver individualmente — diz o psiquiatra Gustavo Turecki, PhD em neurociências e coordenador do Grupo Mcgill de Estudos Sobre Suicídio, em Montreal (Canadá).

Diferentemente do que o senso comum sugere, a ocorrência não é alta apenas entre idosos e adultos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para o crescimento entre jovens e adolescentes em todo mundo, inclusive no Estado.

De todos os 11.493 gaúchos que se mataram entre 1996 e 2006, 2.821 (24,4%) tinham menos de 30 anos. Isoladamente, a faixa etária que mais se mata é a que concentra pessoas entre 40 e 49 anos (20,5%).

O crescimento de conteúdo mórbido nas páginas da internet potencializa o problema de saúde pública. Os internautas que procuram informações sobre métodos de suicídio têm maior probabilidade de encontrar sites encorajando a prática do que oferecendo apoio ao usuário para evitar que o ato seja realizado, como revela um estudo veiculado no British Medical Journal.

Pesquisadores usaram os sites Google, Yahoo, MSN e Ask em busca de assuntos relacionados ao suicídio e descobriram que as três páginas que apareciam com maior freqüência eram favoráveis a pôr fim à própria vida.

Em agosto de 2006, um adolescente de 16 anos, morador da Capital, teve o suicídio assistido e incentivado pela internet, naquele que se caracterizou como o primeiro caso conhecido do país. Além dele, sabe-se de outros dois jovens brasileiros que fizeram o mesmo.

— Uma pessoa que pensa em tirar a própria vida está em profundo sofrimento e precisa de ajuda — sintetiza a doutora em psicologia Blanca Susana Guevara Werlang, diretora da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e coordenadora do Grupo de Prevenção e Intervenção em Comportamento Violento.

Fonte: Jornal Zero Hora RS

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Lembrando...

Número de suicídios no país preocupa Ministério da Saúde
05.06.2007 - Suicídio vira questão de saúde pública

Brasil, que está entre os países com maior número absoluto de casos, enfrenta o problema com políticas de prevenção e apoio a quem apresenta riscos

Tema que questiona a existência drasticamente e conseqüência da falta total de esperança, o suicídio começa a ser encarado pelo Ministério da Saúde (MS) como um problema de saúde pública e, por isso, ganha ações preventivas. No Brasil, são 4,5 casos para cada 100 mil habitantes. Apesar de essa média estar longe da amostra de países como Japão, onde a taxa é de 25 mortes por 100 mil habitantes, o Brasil se enquadra na lista dos dez países com maiores números absolutos de suicídio, já que é muito populoso.

Em 2004, foram 7.987 suicídios no País, o que representou 0,8% do total de óbitos do ano em questão. “A cada ano, um milhão de pessoas em todo o mundo é vítima da morte voluntária. Exatamente um indivíduo anula a vida a cada 40 segundos”, diz o psiquiatra Humberto Correa, presidente do 2º Congresso Latino-americano de Suicidologia, que será sediado em Belo Horizonte, entre os dias 28 e 30 de junho.

Por essas dimensões críticas, já em 1999, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou o Programa de Prevenção do Suicídio (Supre, em inglês), com o objetivo de alertar a população em geral. Agora, o MS está prestes a concluir um plano inédito no Brasil chamado de Amigos da Vida. Trata-se de uma estratégia nacional de prevenção do suicídio (veja mais na página 16). “Será o primeiro país da América Latina a adotar uma ação preventiva”, acrescenta Humberto.

Na lista das estratégias brasileiras, está o alerta em relação aos fatores de risco. “Desde o ano passado, quando o ministério começou a falar sobre um plano para reverter os suicídios e as tentativas, os médicos estão mais preocupados com a situação. Já se sabe que é preciso investigar se o paciente tem pensamentos suicidas de forma serena e sensata”, assegura o psiquiatra Paulo Tavares de Lima, do Hospital Ulysses Pernambucano, onde muitos pacientes possuem condições mentais associadas ao comportamento suicida. Por isso, garante Paulo, a equipe de saúde fica sempre atenta.

“Um transtorno mental encontra-se presente na maioria dos casos”, garante o médico Neury José Botega, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Num artigo da Revista Brasileira de Psiquiatria, de março deste ano, ele revela que uma revisão de 31 artigos científicos publicados entre 1959 e 2001, que englobou cerca de 15,6 mil suicídios na população geral, mostrou que caberia um diagnóstico de transtorno mental, durante o ato fatal, em 97% dos casos.

Aproximadamente 10% dos indivíduos que sofrem de esquizofrenia falecem por suicídio. “Tenho um irmão psicótico com 27 anos e que entrou em depressão na adolescência. Passou a usar drogas e se tornou agressivo. Nossa família o incentivou a fazer tratamento, mas ele nunca finalizou as etapas das terapias”, conta o profissional autônomo P.G. “Um dia, ele avisou que iria caminhar. Mas saiu para tentar suicídio. O fato não foi consumado, mas ele teve fratura externa e se recusa a fazer fisioterapia. Agora é que começa a voltar a andar.”

Embora os transtornos mentais sejam o fator de risco mais grave, os especialistas frisam a necessidade de derrubar o mito de que, para o suicídio acontecer, necessariamente existe um problema de ordem psiquiátrica. “Há uma falsa idéia de que apenas os esquizofrênicos se suicidam”, alerta Paulo.

Aqueles que têm transtornos de humor, de ansiedade e de personalidade chamam a atenção dos especialistas. Também estão na linha do perigo indivíduos que sofrem perdas de parentes, que têm dinâmica familiar conturbada ou que apresentam impulsividade.

Mas os especialistas enfatizam que, de todos os sinais de perigo, a depressão é o indício mais grave. “É a primeira doença de risco para a auto-anulação da vida. Entre as pessoas gravemente deprimidas, 15% se suicidam”, destaca o médico psicoterapeuta Dival Cantarelli, com base em estatísticas da OMS. À frente do Centro de Pesquisa em Qualidade de Vida da Universidade de Pernambuco (UPE), ele diz que o ponto positivo da estratégia do ministério é o trabalho de esclarecimento dos profissionais de saúde sobre a importância de se detectar precocemente as condições mentais associadas à prática do suicídio.

A depressão é traiçoeira porque pode deixar o pessoa sem esperança e, assim, surge o pensamento suicida. “O deprimido tem auto-estima diminuída e fica impotente. A morte, então, é encarada como a única forma de fugir do sofrimento de que não se tem controle”, enfatiza Paulo.

De acordo com ele, muitos suicidas têm dificuldade para fazer uma conexão entre a existência e o sofrimento. “A capacidade de discernimento e de crítica é restrita quando se tem pensamentos suicidas e, assim, geralmente o paciente não está consciente do que faz. Ele não tem certeza de que deseja morrer mesmo”, continua o médico. “Há um desejo de viver, mas não a vida que encara, e sim outra vida sem sofrimentos”, teoriza Dival Cantarelli.

Um dos detalhes que dificultam para a família e os médicos desconfiarem de que o depressivo pode ter a intenção de se matar são os episódios de depressão discretos e até mascarados. “Um quadro que soma falta de motivação para realizar atividades do dia-a-dia, distúrbios do sono, falta de apetite, além de comprometimento da auto-estima e da esperança pode mascarar uma possibilidade de suicídio”, avisa Dival.

Trata-se de um panorama que se apresenta como um fantasma que a família não consegue enxergar, principalmente num caso de transtorno afetivo bipolar (TAB), problema que atinge 1,5% da população e é caracterizado por alternância de fases de depressão e de hiperexcitabilidade. Em situações desse tipo, a elevação da angústia é um dos indícios. “É uma doença associada a um maior risco de suicídio”, afirma Humberto Correa.

O caso do advogado aposentado Manoel Fernandes Maia, 58 anos, vítima do TAB e do transtorno obsessivo compulsivo (TOC), elucida a teoria. Há dois anos, quando enfrentava crises intensas, ele pensou em se suicidar. “No momento final, desisti. Não sei bem por quê, mas acredito que minha religiosidade me ajudou a não cometer o ato. Posso dizer que se trata de um pensamento diabólico, que ninguém deveria ter”, conta Manoel, que está com as doenças controladas há um ano.

Ele explica que pensou em suicídio porque entrou em depressão grave e só enxergava a morte como saída. “Mas percebi que é uma fuga covarde. Então, busquei ajuda para me transformar numa fênix, uma ave que, segundo a tradição egípcia, durava muitos séculos e, ao ser queimada, renascia das próprias cinzas”, revela Manoel, que batizou de Fênix o livro recém-lançado em que ele escreveu detalhadamente as perturbações dos portadores de TAB e TOC.

Sobre as estatísticas, o médico psicossomatista e psicoterapeuta Meraldo Zisman alega que os suicídios geralmente são registrados como acidentes fatais. “Por isso, não se pode ter um panorama que espelhe a realidade”, complementa o médico psicossomatista e psicoterapeuta Meraldo Zisman. Em relação às tentativas, os registros oficiais são mais escassos e menos confiáveis que os dos autocídios consumados. Estima-se que o número de tentativas supere o número de suicídios em, pelo menos, dez vezes. Ao considerar o sexo, os homens praticam mais suicídio que as mulheres.

Fonte: UOL notícias (jornal do Commercio)

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Nota do Portal Anjo, www.portalanjo.com

Nos Dez Mandamentos, encontramos um que diz: “Não matarás” (Ex 20,13). É certo que a expressão negativa enfática de não matar se refere às mais variadas formas que levam à morte. Dentre elas, lembramos do assassinato, da eutanásia e do aborto. O suicídio também é considerado como a quebra desse mandamento, tendo em vista que significa autodestruição, ou negação da própria vida. O termo se origina do latim sui, que quer dizer a si mesmo, e caedere que significa cortar, matar.

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