13.08.2023-
O Movimento Cristão o Espírito Santo em Ação presta tributo, com o texto abaixo, a uma grande serva de Cristo, que nos é grande exemplo de caridade. Abaixo, um pouco da vida e da obra de Irmã Dulce dos Pobres.
Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes nasceu em Salvador, em 26 de maio de 1914. Ela foi a segunda a nascer, dos cinco filhos do dentista e advogado Augusto Lopes Pontes. Ele mantinha uma escola para pessoas carentes, e seu maior gosto era a dedicação às entidades assistenciais. Sua mãe se chamava Dulce Maria de Souza Brito Lopes Pontes, e morreu aos 26 anos de idade.
Ao visitar algumas áreas carentes de Salvador, acompanhada por uma tia, Maria Rita manifestou o desejo de se dedicar à vida religiosa. Tentou entrar para o Convento do Desterro, porém, foi recusada, em virtude de ser muito jovem. Tinha somente 13 anos. No entanto, preocupada com a miséria reinante, transformou a casa da família em centro de atendimento, e passou a atender mendigos e doentes, fazendo curativos e cortando os seus cabelos.
Quando concluiu o magistério, aos 18 anos, o pai perguntou-lhe o que gostaria de ganhar como presente de formatura. Surpreso, ele ouviu a resposta:
- Não quero nada, só quero que o senhor me deixe ser freira.
Dele, e da irmã, Dulcinha, Maria Rita recebeu muito apoio. Contudo, a família não imaginava que aquela mocinha, aparentemente tão frágil, iria se transformar em uma fortaleza e um raro exemplo de bondade e amor ao próximo.
Ela viajou para a cidade de São Cristóvão, em Sergipe, e entrou na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição. Lá, aos 20 anos de idade, após um período de seis meses de noviciado, ela foi ordenada freira, e passou a se chamar Irmã Dulce, em homenagem à sua mãe. Era o dia 15 de agosto de 1934.
De volta a Salvador, trabalhou como enfermeira voluntária e professora de geografia. Mas, achando que não tinha vocação para lecionar, resolveu se dedicar ao trabalho social nas ruas, e à evangelização junto aos bairros operários de Salvador.
Aos domingos, ela se dirigia às favelas dos Alagados - um antigo mangue, aterrado com lixo e cheio de barracos - e de Itapagipe, na Cidade Baixa, para socorrer os necessitados, e foi nessas áreas que se concentraram suas principais atividades e obras sociais.
Irmã Dulce tocava sanfona, animava o almoço dos operários e lhes ensinava o catecismo. Ao verificar que eles não possuíam qualquer direito trabalhista e, tampouco, tinham assistência médica, ela convocou uma reunião. O primeiro encontro contou com a presença de quatro homens e seis mulheres. A religiosa pensou em desistir. Porém, no segundo encontro, duzentas pessoas estiveram presentes. Irmã Dulce construiu, na área, uma farmácia, um posto médico e uma cooperativa de consumo. Para tanto, foi atrás de donativos, falou com empresários e, no final, conseguiu atingir seu objetivo.
A freira baiana, que se estivesse viva teria completado 101 anos no último dia 26 de maio, construiu com a ajuda de suas amizades as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), a maior rede de atendimento público do Brasil.
Para alimentar tantos pobres, de manhã, ela saía com uma caminhonete e percorria feiras e supermercados, onde os comerciantes já a esperavam com algum saco de verdura, um pouco de cereal, ou qualquer outro produto que pudessem ou quisessem doar. O importante era não voltar de mãos vazias.
Tinha desejo de fundar um movimento operário, que oferecesse assistência material e religiosa às pessoas carentes. Com esse objetivo, ela juntou-se, mais tarde, a um grupo de operários, que era coordenado pelo frade alemão Hildebrando Kruthaup. Os dois grupos se fundiram e, em 10 de janeiro de 1937, surgiu a União Operária de São Francisco (UOSF), o primeiro Movimento Cristão Operário de Salvador. A instituição se mantinha com a arrecadação advinda de três cinemas, que os religiosos construíram com doações.
Posteriormente, ela fundou o Círculo Operário da Bahia, que proporcionava atividades culturais e recreativas aos trabalhadores e familiares; fundou também uma escola de ofício; e criou, em 1939, o Colégio Santo Antônio, uma instituição pública de ensino para os operários e suas famílias.
Chamada de Irmã Dulce dos Pobres, ela ocupou um barracão abandonado, na década de 1950, na Ilha dos Ratos, com doentes, idosos, mulheres, crianças e jovens, e deu início à sua obra assistencialista. Contudo, o prefeito de Salvador ordenou que todos se retirassem dali. Sem mais opções, a religiosa conversou com a madre superiora, e ela permitiu que o galinheiro do convento de Santo Antônio fosse transformado em albergue para os pobres. Quando foi parabenizá-la pelo trabalho realizado, a madre perguntou sobre o destino de suas galinhas. Com bastante calma, Irmã Dulce, apontou para um dos doentes e respondeu: elas viraram canja e estão na barriga deles.
Esse foi o marco inicial de uma das obras sociais mais grandiosas existentes no país. O convento, mais tarde, deu origem ao Hospital Santo Antônio, um centro médico, social e educacional que, ainda hoje, atende aos pobres.
Irmã Dulce não lia jornais, não via televisão, quase não comia e pouco dormia. Por várias décadas, Irmã Dulce acordava diariamente às 5h da manhã e não tinha horário para dormir. Alimentava-se mal, sofria de enfisema pulmonar, doença crônica, na qual os tecidos dos pulmões são gradualmente destruídos. Três vezes por semana, jejuava. Suas refeições se resumiam a um pouquinho de arroz e legumes, que cabiam em um prato de sobremesa. Carnes, doces e refrigerantes não faziam parte de seu cardápio. Ela dormia, no máximo, quatro horas por noite, sentada em uma cadeira de madeira maciça. Agia assim para pagar uma promessa que fez, mas findou dormindo na espreguiçadeira durante trinta anos. Só interrompeu o costume quando os médicos a proibiram. Seus sacrifícios, porém, eram proporcionais à felicidade que sentia.
Mas, nem a fragilidade conseguia deixá-la quieta. Durante os períodos em que estava adoentada ou precisando de ajuda, Irmã Dulce não abria mão da devoção a Santo Antônio, conhecido por ser o padroeiro dos pobres. O santo acompanhava a freira nas suas orações diárias. Nos momentos mais difíceis das Obras Sociais, Irmã Dulce recorria à intercessão de Santo Antônio.
Em 1952, um grande barulho assustou as freiras do convento. Quando Irmã Dulce correu até a janela, ainda pôde ver a explosão: um ônibus e um bonde haviam colidido. Antes que o socorro chegasse ao local, ela puxou uma mangueira, subiu num caixote, quebrou a janela dianteira do ônibus e, com o hábito chamuscado, conseguiu salvar doze passageiros. Dezesseis pessoas, entretanto, morreram queimadas no acidente.
Mesmo com a saúde frágil, ela construiu e manteve uma das maiores e mais respeitadas instituições filantrópicas do país. Os baianos consideravam-na um "Anjo bom". Ela era tão respeitada e amada que, na década de 1980, o papa João Paulo II, na visita ao Brasil, fez questão de visitá-la e conhecer sua obra.
A religiosa fundou outros estabelecimentos. Dentre eles, um orfanato, o Centro Educacional Santo Antônio, em Salvador, que abriga mais de trezentas crianças e jovens, com idades de três a dezessete anos. Este Centro oferece cursos profissionalizantes, e lá são cultivadas verduras e legumes para o próprio consumo. Ela inaugurou um asilo, o Centro Geriátrico Júlia Magalhães; e fundou o Hospital Santo Antônio, no convento de mesmo nome. Irmã Dulce pedia doações em gabinetes de governadores, prefeitos, secretários e presidentes da República, sempre com a mesma determinação.
Acometida por graves problemas de saúde - tinha somente 30% da capacidade respiratória - foi internada em 1990, e passou por diversos hospitais. Quando os médicos lhe perguntavam como havia passado à noite, ela dizia: passei na boate. Ela chamava de boate o tubo de oxigênio que a mantinha viva.
Na segunda visita de João Paulo II ao Brasil, Irmã Dulce e o papa, em 20 de outubro de 1991, voltaram a se encontrar no Convento Santo Antônio. Mas, ela já estava muito doente.
Depois de dezesseis meses de agonia, a religiosa solicitou: Quero morrer ao lado dos pobres. Ela faleceu no Convento Santo Antônio, no dia 13 março de 1992. Seu velório, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, congregou políticos, empresários, artistas, operários, milhares de pessoas de todas as camadas sociais. A religiosa foi sepultada no altar do Santo Cristo, na Basílica de Nossa Senhora da Conceição da Praia.
O Hospital Santo Antônio, fundado por ela em 1970, e ampliado em 1983, hoje recebe verbas regulares do Governo Federal, mas as doações continuam sendo imprescindíveis. A instituição possui 1,1 mil leitos e atende, diariamente, a quatro mil pessoas.
O Memorial Irmã Dulce (MID), em Salvador, inaugurado em 1993, mantém uma exposição permanente sobre a vida e a obra da freira baiana, e recebe cerca de vinte mil visitantes por ano. Ele está localizado em um prédio anexo ao Convento Santo Antônio, no bairro de Roma, e faz parte do roteiro turístico oficial da capital baiana. Numa decisão da Diretoria da Bahitursa, empresa de turismo do Governo do Estado. O memorial expõe nove mil itens, entre o hábito usado pela religiosa, fotografias, documentos, maquetes e livros. A instituição preservou, ainda, da forma como foi deixado, o quarto onde Irmã Dulce dormiu, em uma espreguiçadeira, durante mais de trinta anos.
Depoimentos de quem conheceu Irmã Dulce
Norberto era engenheiro de origem alemã e veio para Bahia trazido pela família. Taciano era médico-cirurgião e morava na capital baiana. Iracy saiu de São Félix, no Recôncavo da Bahia, para estudar na capital. Essas três pessoas, talvez não tivessem se conhecido em situações normais na Salvador dos anos 1960. Mas, suas trajetórias foram unidas pela amizade que cultivaram com Irmã Dulce (1914-1992).
Ter Irmã Dulce como amiga não era tarefa simples, como lembra Iracy Vaz Lordello, 80 anos, que atualmente é a voluntária mais antiga das Osid. “Muitas vezes saímos de madrugada para poder fazer trabalho com as pessoas que precisavam embaixo de chuva ou de sol.
O exemplo de amor dela com as pessoas era uma coisa muito boa. Isso me enchia de alegria e até hoje eu sinto prazer em ajudar as pessoas”, conta Iracy, que chega diariamente nas Osid, no Largo de Roma, às 5h.
Nas Osid, Iracy percorre as enfermarias do Hospital Santo Antônio rezando pelos pacientes, assim como Dulce fazia. Depois, cuida pessoalmente do café dos médicos e - quem passar por ela não passa sem ser percebido. “Irmã Dulce me ensinou a olhar as pessoas nos olhos e ajudar a quem precisa. Assim foi nossa amizade e é esse o caminho que ela ensinou para fazer com as pessoas que vêm aqui”, diz.
Quando participou de um curso de culinária, dona Irá, como carinhosamente é chamada pelos funcionários das Osid, ganhou habilidades de confeitar bolos. Com isso, passou a ajudar ainda mais Irmã Dulce no seu trabalho de conseguir donativos para a realização dos projetos de assistência nas comunidades carentes. “Dulce sempre pedia para fazer um bolinho para agradar quem ajudava as Osid”, orgulha-se.
Assim como Dulce, Iracy faz questão de manter a humildade em todos os gestos. Um elogio ao trabalho que realiza é sempre sobressaltado com um abraço e uma “fuga”. “Não faço mais do que a minha obrigação. Não precisa agradecer por nada”, argumenta Iracy durante um abraço caloroso para em seguida ajudar outra pessoa. Essa é a rotina que ela aprendeu com a amiga freira.
Outro querido amigo de Dulce era o médico Taciano Campos, que morreu no último dia 18 de maio. Campos, até a morte de Dulce, em 1992, era sempre acionado por ela nos momentos de necessidade e assistência aos doentes - mesmo fora do seu horário de trabalho, em domingos ou feriados. “Com Irmã Dulce não tinha dia certo quando o objetivo dela era ajudar as pessoas. Ela vinha na nossa sala de descanso e puxava pelo braço para poder irmos atender os doentes. Nunca reclamei. Ela tinha em mim um amigo”, contou Taciano, em 2012 em evento das Osid acompanhado pelo jornalista Jorge Gauthier, do CORREIO, que realizava pesquisas para o livro Irmã Dulce: os Milagres pela Fé.
“Dr. Taciano foi o grande companheiro de Irmã Dulce nos tempos heroicos, quando o hospital carecia de recursos humanos, materiais e financeiros, há 40 anos”, comentou Maria Rita Pontes, superintendente das Obras Sociais, em nota sobre o falecimento do médico que era assessor técnico do Centro de Ensino e Pesquisa da instituição.
Fiel apoiador das Osid, o engenheiro Norberto Odebrecht (1920-2012– costumava dizer que Irmã Dulce era sua mãe profissional. Ele se juntou a Iracy e Taciano - e muitos outros amigos apoiadores das Osid - ao longo da trajetória de Dulce.
Odebrecht, pouco depois de se formar, ajudou Dulce na construção do Círculo Operário da Bahia. O projeto do COB, encabeçado por Dulce e pelo frei Hildebrando Kruthanp, tinha como objetivo a difusão das cooperativas, a promoção cultural e social dos operários e a defesa dos seus direitos.
“Realmente nós convivíamos intimamente e vivíamos aquele COB. Vivemos todo aquele problema daquela obra. Ela de um lado conseguindo doações e materiais e eu aplicando aquilo. Era um trabalho de parceria. Era uma comunicação contínua, garantindo o sucesso dela e consequentemente o meu”, contou o engenheiro em vide depoimento gravado nos anos 2000, ao qual o CORREIO teve acesso.
No vídeo, ele lembra da persistência de Dulce para conseguir recursos. “Era muita fé que ela tinha. Para ela não tinha dificuldade para conseguir donativos para alimentar os doentes”, contou o empresário que, em 1960, construiu o Albergue Santo Antônio, que tinha 150 leitos.
Disse a Irmã Dulce: "Se o pobre representa a imagem de Deus, então nunca é demais o que fazemos pelos pobres. O importante é fazer caridade, não falar de caridade. Se Deus viesse à nossa porta, como seria recebido? Aquele que bate à nossa porta, em busca de conforto para a sua dor, para o seu sofrimento, é um outro Cristo que nos procura".
Diz na Sagrada Escritura:
"Perguntar-lhe-ão os justos: - Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber?
Quando foi que te vimos peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos?
Quando foi que te vimos enfermo ou na prisão e te fomos visitar?
Responderá o Rei: - Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes". (São Mateus 25, 34 -40)