20.11.2022 -
Neste último Domingo do Tempo Comum, a Liturgia cede lugar à Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Verdadeiramente nesta Festa litúrgica ouvimos novamente, com atenção, as palavras do Apocalipse: “Dignus est Agnus, qui occisus est, accipere virtutem, et sapientiam, et fortitudinem, et honorem. Ipsi gloria, et imperium in saecula saeculorum – O Cordeiro, que foi imolado, é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a força e a honra. A Ele, a glória e a o império por todos os séculos dos séculos” (5,12). Sim, rendamos glória ao Onipotente, Onipresente e Onisciente. Glória ao Rei e Senhor da História, que tudo governa e que é esperança imortal e perene dos homens.
No Antigo Testamento vemos também uma menção forte ao reinado. Diversos são os reis que se nos apresentam nas Escrituras e que, para o bem ou para o mal, exerceram sua influência na vida do povo. Reis pagãos, tementes a Deus, frágeis, fortes, guerreiros… enfim, todos com características diversas, mas que são inseridos nas narrações bíblicas.
No Novo Testamento essa figura do Rei não se torna menos presente, mas ao contrário, é atribuída ao próprio Cristo. Sabemos que em nenhum momento Jesus se auto intitulou Rei, mas manteve-se sempre na condição de servo. Por isso está escrito que Ele “esvaziou-se de sua glória e assumiu a condição de um escravo, fazendo-se aos homens semelhantes” (Fl 2,12). E aqui seríamos tentados a fazermos aquela mesma pergunta que outrora fizera Pilatos a Cristo e que volta a ressoar no evangelho de hoje: “Ergo Rex es tu? – Então, tu és Rei?” (Jo 18,37).
Sim, olhando aquela condição em que se encontrava, envolto em correntes, flagelado, coroado de espinhos, na sua maior fragilidade, quais de nós ousaríamos dizer que era Ele rei? Quais de nós venceríamos a nossa racionalidade, a nossa mentalidade finita e cogitaríamos que Aquele que ali estava era realmente um Rei soberano? De onde era o seu Reino? Que Reino era este?
Estas perguntas, de fato, não são fáceis de serem respondidas, nem mesmo em nossos dias. Em primeiro lugar precisaríamos ter em mente que a concepção de reino segundo a nossa mentalidade é totalmente divergente da ideia do que seria o Reino de Deus. É patente que aquele é um reino finito e este um reino perene; aquele um reino onde os ricos exploram e oprimem os desfavorecidos, este é o Reino dos pobres, não apenas os pobres materiais, mas sobretudo – e primeiramente! – os pobres de espírito; aquele é o reino da escravidão; este é o reino da liberdade, onde servir já não é um peso mas uma atitude corajosa e decidida de quem está livre para amar. E se um reinado tem a fisionomia do seu rei, este reinado tem a fisionomia do amor e da verdade, que residem totalmente em Cristo Jesus. Por isso a pergunta de Pilatos não encontra-se sem resposta, mas é dada por meio de uma palavra que resume todo o projeto salvífico de Cristo: “Ego in hoc natus sum et ad hoc veni in mundum, ut testimonium perhibeam veritati: omnis, qui est ex veritate, audit vocem meam – Eu para isso nasci e para isto vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade, ouve minha voz” (Jo 18,37).
O Reino de Deus (βασιλεία τοῦ θεοῦ) é também chamado de basiléia. Neste sentido é que ele tem simultaneamente três dimensões, sendo a primeira uma dimensão cristológica, ou seja, o próprio Jesus é o Reino de Deus, Ele mesmo se intitula, ainda que entrelinhas, como o auto-basiléia, Aquele pelo qual todos os homens podem ingressar se descobrirem o real sentido da verdade que reside n’Ele.
Um segundo aspecto é o eclesial, o Reino de Deus prefigurado na Igreja. De fato, também ela é chamada a manifestar a sua continuidade entre os homens e a sua prefiguração nos tempos escatológicos. Por isso o Sagrado Concílio Vaticano II nos adverte: “Porque o reino de Cristo não é deste mundo (cfr. Jo. 18,36), a Igreja, ou seja o Povo de Deus, ao implantar este reino, não subtrai coisa alguma ao bem temporal de nenhum povo, mas, pelo contrário, fomenta e assume as qualidades, as riquezas, os costumes e o modo de ser dos povos, na medida em que são bons; e assumindo-os, purifica-os, fortalece-os e eleva-os” (Const. Dogm. Lumen Gentium, 13).
A terceira característica o Reino de Deus que cada homem traz consigo, refletido no seu caráter espiritual e moral. De fato, a vinda deste que pedimos no Pai nosso é já um prenúncio salutar daquele mesmo Reino anunciado por Nosso Senhor (Cf. Mt 25,31-46). Entretanto este anúncio não é uma reivindicação por parte de Cristo do seu reinado. É clarividente nos evangelhos que Ele nunca cedeu ao entusiasmo da população que queria proclamá-lo rei, sempre encontramo-lo a fugir destes e daqueles.
No encontro com Natanael este faz o reconhecimento do poderio de Jesus: “Tu es o Rei de Israel” (Jo 1,49), mas Ele logo trata de volver os olhos do discípulo para a parusia do Filho do Homem, naquela visão magnífica dos anjos que sobem e descem ante o Todo-Poderoso. Depois vemos a multiplicação dos pães, quando a multidão se consolava na esperança de um alimento não pago e desejam arrebata-lo para fazê-lo rei, mas ele novamente escapa (Jo 6,15).
E deparamo-nos novamente com o Evangelho. Jesus não nega a titularidade de rei, mas reafirma que o seu reino não está solidificado neste mundo (cf. Jo 18,36). Não é um reino concorrente com César e tampouco almeja roubar a coroa de Herodes. Por isso, na cegueira da incredulidade, os chefes judeus não compreendem estas palavras e colocam Jesus como um devaneador, que usa-se do povo para sentar-se no trono de César.
Na cruz está Seu trono, ali Ele pode reinar para todo o mundo e lá acontece a plenitude da encarnação, ato máximo da sua vida terrena e prefiguração do seu advento definitivo, onde ao seu lado reinaremos na glória final.
Por fim, com o autor sagrado nós queremos reconhecer que “Jesus Cristo é a testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dentre os mortos, o soberano dos reis da terra. A Jesus, que nos ama, que por seu sangue nos libertou dos nossos pecados e que fez de nós um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai, a ele a glória e o poder, em eternidade. Amém” (Ap 1,5-6).
Por Ian Farias
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