21.09.2019 -
DA PRÁTICA DA PACIÊNCIA NAS TRIBULAÇÕES
1. Passar por tribulações nesta vida é um grande sinal de predestinação. Como disse São Gregório: 'Viver no meio de aflições, neste mundo, é próprio dos eleitos, aos quais está reservada a bem-aventurança eterna'. Assim vemos nas vidas dos santos que todos, sem exceção, foram sobrecarregados de cruzes nesta terra. É o que escreveu São Jerônimo a Santa Eustóquia: 'Procura e verás que todos e cada um dos santos sofreram as tribulações; só Salomão viveu no meio dos prazeres, e talvez por isso se condenou'. O apóstolo diz que todos os predestinados devem ser semelhantes a Jesus Cristo (Rm 8, 29). Ora a vida de Jesus Cristo foi um contínuo padecer; por conseguinte, diz ainda o Apóstolo, para sermos glorificados com Jesus Cristo, é preciso que com ele passemos pelos sofrimentos (Rm 8, 17).
2. Mas sofrer com Jesus Cristo é sofrer com paciência, como nosso divino Salvador que não repelia injúria com afronta, conforme nota São Pedro (I Pe 2,23). Diz São Gregório que, assim como sofrer com paciência é sinal de predestinação, assim sofrer com impaciência é presságio de condenação. Por isso nos adverte o Senhor que nós não alcançaremos a salvação senão nos sofrimentos tolerados com paciência (Lc 21, 19). E fiquemos bem persuadidos que se Deus nos envia tribulações, é unicamente porque nos quer bem: desse modo procura desapegar-nos dos prazeres terrenos, que nos podem fazer perder a salvação eterna.
Diz Santo Agostinho: 'O mundo é tão amargo que todas as suas delícias são incapazes de satisfazer o coração do homem e todas se reduzem a amarguras e remorsos de consciência; e ainda assim é amado. Avaliai, pois, quanto mais o seria, se fosse doce, e como então nos esqueceríamos da alma, do paraíso e até de Deus!' ... O testemunho mais certo do amor é padecer pela pessoa amada; e o sacrifício mais agradável a Nosso Senhor é abraçar com paciência todas as cruzes que nos envia (I Cor 13,4). O amor é paciente, suporta tudo: as cruzes exteriores, como a perda da saúde, das honras, dos parentes, dos amigos; as cruzes interiores, como as ansiedades, as tentações, as dores, as desolações espirituais. A virtude se prova com a paciência.
É por isso que, nas vidas dos santos, costuma-se fazer especial menção da sua paciência nas adversidades. É assim que o Senhor prova a nossa fidelidade. O demônio nos tenta, e Deus também, mas o demônio o faz para nos perder e Deus para nos salvar. Assim como o ouro se prova pelo fogo, assim Deus experimenta os seus servos pelo fogo das tribulações (Sb 3,6)... Ó Deus! Quem olha para o crucifixo e vê Deus morto em um mar de dores e de desprezos, como é possível, se o ama, não suportar de boa vontade, ou antes não desejar sofrer todos os males por seu amor? Santa Maria Madalena de Pazzi dizia: 'Todas as penas, por maiores que sejam, tornam-se suaves, quando se olha para Jesus na cruz'.
3. ...Visto que nesta vida, de boa ou má vontade todos hão de sofrer, procuremos sofrer com merecimento, isto é, com paciência. Esta virtude é um escudo que nos defende de todas as penas que nos causam as perseguições, as enfermidades, as perdas e quaisquer outros trabalhos. Quem estiver sem este broquel, está sujeito a todos os sofrimentos. Procuremos, portanto, antes de tudo, pedir a Deus a paciência; sem isto não alcançaremos tão cedo este precioso dom. Quando pois nos assaltarem as adversidades, esforcemo-nos, de nossa parte, e façamos o possível para não prorromper em palavras de impaciência e de lamentos. O fogo que arde na fornalha, logo se apaga, quando se lhe tira a possibilidade de se exalar.
Não tardaremos a gozar o fruto desta vitória: ao vencedor darei o maná escondido, diz o Senhor (Ap 2,17). Quando uma pessoa se faz violência para se vencer nas contrariedades, abraçando logo a cruz que Deus lhe envia, ó que doçura o Senhor lhe faz experimentar logo na mesma tribulação porque está passando, doçura oculta aos espíritos mundanos, mas não às almas que amam a Jesus Cristo! Como dizia Santo Agostinho: 'É mais doce gozar da boa consciência no meio dos trabalhos, do que estar com a consciência má no meio das delícias'.
4. Falando em geral de todas as tribulações, que nos podem sobrevir, São Tomás nos adverte que ajuda muito a recebê-las com fortaleza e preveni-las antes que venham. Assim prepara Jesus Cristo os seus discípulos para as mesmas, dizendo: 'Meus filhos, sabei que no mundo sereis aflitos e humilhados; mas tende confiança em mim que venci o mundo' (Jo 16, 33). A razão é que a previsão de um trabalho, com a resolução de o suportar com paciência, nos faz formar a ideia, não de um mal, mas de um bem com vistas à vida eterna; e, desta arte, a consideração prévia do trabalho tira da nossa alma o temor que consigo traz. Assim praticaram os santos: abraçaram as cruzes de longe, antes que chegassem. Deste modo se acharam preparados para sofrê-las com calma, mesmo quando lhes vieram de improviso. Acostumai-vos, pois, na oração, a abraçar as tribulações que provavelmente vos hão de ocorrer.
5. Quando as provações vos assaltarem, parecendo superiores às vossas forças, orai ao Senhor que venha em vosso auxílio, e confiai nele, dizendo: 'Eu tudo posso naquele que me conforta' (Fp 4,13)... Quem deu aos santos mártires o vigor para suportar tantos tormentos e mortes tão dolorosas, senão o orar e recomendar-se a Deus? Quando vos achardes já sob o peso da cruz, de novo recorrei logo a oração, segundo o conselho de São Tiago: 'Se algum de vós sofre alguma aflição, trabalho ou padecimento, ore, e não deixe de orar, enquanto o coração não tornar à calma'. O Senhor mesmo disse: 'Quando fordes atribulados, chamai-me em vosso auxílio; eu vos livrarei das vossas penas, e vós me honrareis' (Sl 49, 15).
Desde que uma alma atribulada se encomenda a Deus, ou ele a livra do mal que padece, ou lhe dá a graça de suportá-lo com paciência; e com isso a alma honra o Senhor. Santo Inácio de Loiola dizia que a maior aflição que ele podia sofrer neste mundo, teria sido ver destruída a Companhia; mas esperava que, nesse caso, lhe bastaria um quarto de hora de oração para recobrar a calma anterior. Além disso, nos tempos da tribulação, procurai comungar mais frequentemente. Durante as perseguições, os antigos cristãos se preparavam para o martírio pela comunhão frequente.
Além disso, conferenciai então com o vosso diretor ou com outra pessoa espiritual, porque uma palavra de conforto vos ajudará muito a levar a cruz com paciência. Guardai-vos, porém, de conferenciar com alguma pessoa imperfeita; porque esta poderá inquietar-vos mais e lançar-vos em confusão, principalmente quando houverdes recebido alguma afronta ou sofrerdes atualmente qualquer perseguição. Mas, sobretudo, repito, recorrei a oração, voltai-vos especialmente para Jesus sacramentado e rogai-lhe a graça de em tudo conformar-vos com sua santa vontade. Ele prometeu consolar a todos os atribulados que nele confiam, dizendo: 'Vinde a mim todos vós que sofreis e estais acabrunhados, e eu vos aliviarei (Mt 11, 28).
(Excertos da obra 'A Verdadeira Esposa de Jesus Cristo', de Santo Afonso Maria de Ligório)
Visto em: www.sendarium.com
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