23.08.2019 -
Por Roberto de Mattei
Toda a atenção destes dias na Itália está concentrada na crise política. Mas há outra crise, mais grave e mais extensa, que constitui o âmago profundo da crise política: é a crise religiosa e moral do Ocidente. A crise política é visível, entra através de nossa mídia em nossas casas, e até mesmo um olho ou ouvido distraído a percebe. A crise religiosa e moral só a percebem aqueles que têm uma sensibilidade espiritual desenvolvida. Quem está imerso no materialismo da vida contemporânea possui uma capacidade refinada para captar o prazer dos sentidos, mas fica espiritualmente obnubilado, se não completamente cego. A crise religiosa e moral é uma crise que ocorre quando o homem perde de vista seu objetivo final e os critérios que devem orientar suas ações. A sociedade mergulha no agnosticismo, se dissolve e morre.
Na Itália, por exemplo, a crise do governo nos faz esquecer um compromisso importante. Está prevista para 24 de setembro uma audiência do Tribunal Constitucional a fim de julgar a legitimidade do artigo 580 do Código Penal, que pune o crime de instigar ou ajudar o suicídio. O supremo corpo jurídico do Estado italiano convidou o Parlamento a promulgar uma nova lei até essa data, caso contrário será o próprio Tribunal que definirá o roteiro. Mas a Corte já declarou que em alguns casos o suicídio pode ser admitido (e, portanto, “assistido” no nível médico e administrativo), porque “a proibição absoluta da ajuda ao suicídio acaba limitando a liberdade de autodeterminação do paciente na escolha de terapias, incluindo as destinadas a libertá-lo do sofrimento” (Portaria nº 207, de 16 de novembro de 2018). A autodeterminação do indivíduo é a regra suprema de uma sociedade que ignora a existência de uma lei moral inscrita no coração de cada homem, à qual os homens e as sociedades devem obedecer se quiserem evitar a autodestruição.
A crise política em curso parece excluir a possibilidade de que o Parlamento possa enfrentar a questão do suicídio até setembro e, portanto, é provável que o Tribunal Constitucional inflija um novo e sério golpe ao direito à vida, rumo a uma completa liberalização da eutanásia. Após o testamento biológico, um novo passo adiante será dado no caminho da cultura da morte que caracteriza a sociedade contemporânea.
O suicídio assistido é a ajuda médica, psicológica e burocrática aos que decidiram morrer. É um crime moral como a eutanásia. A lei natural e divina proíbe o suicídio porque o homem não é o dono de sua vida, como não o é da vida dos outros. O suicídio é um ato supremo de rebelião contra Deus porque, como ensina a filosofia tradicional, não pode haver ato de maior domínio do que querer destruir algo que não nos pertence (Victor Cathrein SJ, Philosophiamoralis, Roma, Herder 1959, p. 344). No suicídio parece realizar-se o destino do homem moderno, incapaz de se elevar além do horizonte terrestre de sua própria existência, prisioneiro de sua própria imanência. O homem destrói a si mesmo quando rejeita o peso da própria existência, que todos são chamados a suportar.
O suicídio é praticado não só pelos homens, mas também pelas nações, pelas civilizações, e intentado até mesmo pela Igreja, considerada na humanidade dos homens que a compõem. A Igreja vive há mais de 50 anos um processo suicida que Paulo VI definiu como “autodemolição” (discurso no Seminário Lombardo de Roma em 7 de dezembro de 1968). Essa autodemolição hoje poderia ser chamada de verdadeiro “suicídio assistido” da Igreja. Assistido porque induzido e favorecido por aqueles fortes poderes que sempre combateram a Igreja.
O documento preparatório do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, com o culto da Natureza substituindo o da Santíssima Trindade, a abolição do celibato eclesiástico e a negação do caráter sacramental e hierárquico do Corpo Místico de Cristo, é o último exemplo desse suicídio assistido causado pelos líderes da Igreja e encorajado por seus inimigos. O Instrumentum laboris sobre a Amazônia, disse o cardeal Walter Brandmüller, “acusa o sínodo dos bispos e, em última análise, o Papa de uma grave violação do ‘depositum fidei’, o que significa, como consequência, a autodestruição da Igreja”.
Os católicos minimalistas propõem como alternativa ao suicídio assistido a sedação profunda, através da qual a morte do paciente é alcançada indiretamente, mas de modo também inexorável. Nós não pertencemos a este grupo. Não somos capazes, por conta própria, de salvar os doentes, porque só há um médico que pode fazê-lo em qualquer momento: Aquele que fundou a Igreja, que A dirige e prometeu que Ela não perecerá. Este doutor de almas e corpos é Jesus Cristo (Mateus 8, 5-11). A Igreja e a sociedade Lhe pertencem e nenhum renascimento é possível fora do retorno à Sua lei.
Fonte: “Corrispondenza romana”, 21-8-2019.
Matéria traduzida do original italiano por Hélio Dias Viana.
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