Pode um Bispo discordar do Papa? O caso de São Policarpo e o Papa S. Aniceto


09.06.2019 -

n/d

Por Atila Sinke Guimarães

Pareceu-nos oportuno o tema para que nossos leitores formem uma ideia, através de exemplos históricos, da distinção fundamental existente na Santa Igreja: o elemento Divino, imutável, perene e infalível; e o elemento humano, mutável, transitório e - quando se trata do Sumo Pontífice - infalível dentro dos limites estabelecidos pelo Concílio do Vaticano l.

Tal precisão de conceitos torna-se particularmente necessária na época de confusão doutrinária, cultural e moral em que vivemos. E as lições, como também os exemplos do passado, verificados no decorrer da História da Igreja, podem servir como preciosos ensinamentos para os dias de hoje.

A história, em toda a sua objetividade, será para nós, como observava um autor Latino, “testemunha dos tempos, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, mensageiro do passado”.

O bom aroma da presença de Nosso Senhor Jesus Cristo ainda não se tinha desfeito nas duas gerações que se seguiram, e o calor de Pentecostes ainda ardia na plêiade de varões que sucedeu aos Apóstolos, quando se deu no seio da Igreja nascente de então, um episódio famoso - a Querela Pascal - que de alguma maneira repetiria, pela discussão entre São Policarpo e Santo Aniceto o episódio da resistência de São Paulo com São Pedro em Antioquia.

Santo Aniceto era Papa. O décimo Bispo de Roma que ocupava a Cátedra da Verdade, numa época em que tão pouco tempo reinavam os Papas ávidos do martírio. Recebera ele de seus antecessores uma tradição pascal que remontava até São Pedro e São Paulo. São Policarpo, ancião de 85 anos, fora sagrado Bispo de Smirna pelo próprio São João Evangelista. Convivera com vários Apóstolos, e observava a comemoração da morte de Jesus Cristo na data a ele ensinada pelo discípulo amado.

Percorrendo a vida de São Policarpo, toma-se conhecimento, segundo Santo Irineu (cfr. Eusébio, "História Eclesiástica", V. XXIV, 16), da viagem que o velho Bispo de Smirna fez a Roma, sob o pontificado de Santo Aniceto, em 154. Os dois santos tinham algumas questões secundárias para regular, que foram logo aplainadas. Mas havia um problema capital que eles não puderam resolver mediante acordo: era a questão pascal.

Os Asiáticos comemoravam a Páscoa a 15 nisan (mês judaico) qualquer que fosse o dia da semana. Os romanos a celebravam no domingo que seguia ao 14 nisan. Esta diversidade de datas trazia consigo uma diversidade de ritos e festas. A Páscoa era para os asiáticos o dia da morte do Senhor; eles ali jejuavam, mesmo que ela caísse no domingo, e rompiam o jejum à tarde; a solenidade terminava pela Eucaristia e pelo ágape (cfr. Schmidt, "Gespräche Jeus mit seinen Jüngern”, Leipzig, 1919, p. 699 e ss.).

Os romanos, pelo contrário, consagravam à memória da Morte e da Ressurreição de Cristo três dias: sexta-feira, sábado e domingo. Os dois primeiros dias eram luto e jejum; a vigília do sábado para o domingo preparava os fiéis para a festa da Ressurreição celebrada no domingo. Essa diferença de usos litúrgicos era tanto mais incômoda quanto, na Igreja de Roma, os asiáticos eram bastante numerosos. Estes, em seu conjunto, permaneciam fiéis a seu costume particular. Os Papas toleravam a divergência, mas desejavam vivamente reduzi-la.

São Policarpo, sem dúvida o desejava tanto quanto Santo Aniceto, e pode-se conjecturar que, se este ancião impôs a si uma cômoda viagem a Roma, foi sobretudo para regular uma tão grave questão. Apesar da boa vontade, evidente de parte a parte, não se pôde chegar ao acordo. "Aniceto não podia persuadir a Policarpo de não observar aquilo que com João, o discípulo de Nosso Senhor, e com os outros Apóstolos, de quem fora familiar, ele tinha sempre observado. E Policarpo também não podia conduzir a esta prática Aniceto que lhe dizia dever seguir o costume dos presbíteros que o haviam precedido". Essas são as palavras textuais de Santo Irineu, discípulo de São Policarpo, em uma carta ao Papa São Vítor, relatada por Eusébio em sua "História Eclesiástica". (V, XXIV,16 ).

Os dois Santos igualmente zelosos de suas tradições diferentes inclinavam-se diante desse obstáculo que parecia intransponível. Não podendo assegurar a uniformidade de tudo, eles guardavam ao menos a paz entre si. E para dar disso um sinal claro e manifestar também sua veneração por São Policarpo, o Papa Santo Aniceto deixou ao Bispo de Smirna a honra de celebrar a Missa na Igreja de Roma.

Maiores detalhes sobre o encontro dos dois santos podem ser estudados na obra de Flische-Martin (“Histoire de l’Eglise”, 1947, Bloud et Gay T. l, p. 341 e T. ll, p. 87 e ss.). Quanta paz nas resoluções daquele tempo; quanta confiança nos desígnios superiores da Providência que haveriam de vencer!

O Papa Santo Aniceto, enquanto sucessor de Pedro, manda efetuar a unificação das liturgias pascais. São Policarpo, o último dos três grandes Padres Apostólicos - São Clemente de Roma e Santo Inácio de Antioquia já haviam morrido - levanta-se em sua Diocese de Smirna, na Ásia Menor, e discorda do Papa.

Não se tratava de uma obediência contestatária ou de impertinência orgulhosa. Mas o que visava São Policarpo era a defesa de um legado sagrado que lhe fora confiado por São João e outros Apóstolos. E para que ficassem claras aos olhos de todos as respeitosas intenções que o moviam, São Policarpo, talvez o mais idoso Bispo da época, iniciou uma penosa viagem a Roma para expor suas ações ao Soberano Pontífice.

Era tal a deferência manifestada por São Policarpo nesta ocasião em relação à Sé Apostólica, que historiadores de peso consideram a viagem do venerável ancião como um dos mais significativos sintomas da primazia que Roma já gozava sobre o conjunto das outras Igrejas da época.

Uma viagem em meados do século ll depois de Cristo entre uma cidade da Ásia Menor (atual Turquia) como Smirna, e Roma, implicava num conjunto de incertezas e incomodidades. Somavam-se a isso as perseguições romanas, que continuamente colocavam em risco a Fé e a vida daqueles primeiros católicos. Arrostando tais perigos, São Policarpo chegou a Roma.

Um espírito demasiadamente dulçuroso imaginaria Santo Aniceto abrindo mão de sua posição, emocionado pela fadiga do ancião. E outro espírito, pouco acostumado com os antecedentes históricos do Dogma da Infalibilidade Pontifícia, julgaria que são Policarpo, tendo exposto suas razões e não tendo convencido o Pontífice, deveria acatá-lo sem mais explicações.

Nem uma coisa nem outra aconteceu. Santo e santo, Papa e Bispo apresentaram seus argumentos, discutiram com respeito e convicção. Nenhum dos dois cedeu em suas posições; não foi possível chegar a um acordo. Entretanto, a harmonia católica não foi rompida, a paz foi louvada. Santo Aniceto homenageou o grande ancião do oriente e ambos despediram-se. Continuava a vigorar na Igreja a dualidade de ritos.

Somente mais tarde, em 190, movido por outras razões - para impedir a infiltração judaica dentro da igreja - o Papa São Vítor aboliu o rito oriental judaico. Mesmo assim, em alguns lugares o Pontífice permitiu a continuação daquele rito inicial (Flische-Martin, op. cit., T. ll, pp. 92-93).

Tal permissão foi concedida pelo senso diplomático de Santo Irineu, discípulo de São Policarpo, o qual, a exemplo do seu mestre, foi até o Papa expor seus argumentos a favor do rito oriental, e assim salvar a unidade da Igreja, que corria risco, devido ao anátema lançado por São Vítor contra os que não aderissem à liturgia romana.

São Policarpo desobedeceu a Santo Aniceto?

O consenso unânime dos documentos da época e o testemunho da tradição nem cogitam de uma desobediência. Igual posição assumem os historiadores.

A viagem de São Policarpo e sua discussão respeitosa com Santo Aniceto constituem galardões para glória e santidade de ambos e nunca desdouro de qualquer dos dois Santos.

Publicado pelo grupo católico Tradition in Action do Brasil

Site: www.traditioninactiondobrasil.com.br

Do amigo de fé e combate, Lucas Colleta.

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Nota de www.rainhamaria.com.br

Declarou o zeloso Arcebispo Marcel Lefebvre:

"O Papa recebeu o Espírito Santo, não para pregar novas verdades, mas para manter a fé de sempre. Por esta razão, nós escolhemos o que sempre foi ensinado, e fechamos nossos ouvidos às novidades destruidoras da Igreja".

"Se acontecesse do papa não fosse mais o servo da verdade, ele não seria mais papa. Não digo que ele não o seja mais – notem bem, não me façam dizer o que não disse – mas se acontecesse disso ser verdade, não poderíamos seguir alguém que nos arrastasse ao erro. Isto é evidente.  Não sou eu quem julga o Santo Padre, é a Tradição. Eis porque estamos prontos e submissos para aceitar tudo o que for conforme à nossa fé católica, tal como foi ensinada durante dois mil anos mas recusamos tudo o que lhe é contrário. Já ouvimos a objeção: Então cabe a nós julgarmos a fé católica? Mas não será dever de um católico julgar entre a fé que lhe ensinam hoje e a que foi ensinada e crida durante vinte séculos e que está escrita nos catecismos oficiais. Como foi que agiram os verdadeiros fiéis diante das heresias? Preferiram dar o sangue a trair sua fé. O Santo Padre não pode, de forma alguma, pedir-nos que abandonemos nossa fé, que é algo absolutamente impossível – e a conservação da nossa fé. Pois bem, nós escolhemos não abandonar a nossa fé, porque nela não podemos errar. A Igreja não pode estar errada no que tem ensinado durante dois mil anos, e por esse motivo nos apegamos a essa Tradição que  tem se manifestado de forma admirável e definitiva. Por esta razão, nós escolhemos o que sempre foi ensinado e fechamos nossos ouvidos às novidades destruidoras da Igreja".

 

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