15.09.2018 -
A corajosa denúncia dos escândalos eclesiásticos feita pelo arcebispo Carlo Maria Viganò suscitou a aprovação de muitos, mas também a desaprovação de alguns, convencidos de que se deve cobrir de silêncio tudo aquilo que desacredite os representantes da Igreja.
Esse desejo de proteger a Igreja é compreensível quando o escândalo é uma exceção. Pois em tal caso há o risco de generalizar, atribuindo a todos o comportamento de alguns. Diferente é quando a imoralidade constitui a regra, ou pelo menos um modo de vida generalizado e aceito como normal.
Neste caso, a denúncia pública é o primeiro passo para a necessária reforma dos costumes. Quebrar o silêncio faz parte dos deveres do pastor, como adverte São Gregório Magno: “O que representa, com efeito, para um pastor o ter medo de dizer a verdade senão virar as costas ao inimigo com o seu silêncio? Se em vez disso ele luta pela defesa do rebanho, ele constrói um baluarte contra os inimigos para a casa de Israel. É por isso que o Senhor adverte pelos lábios de Isaías: ‘Clama em alta voz, sem constrangimento; faze soar a tua voz como o trompete’ (Is 58, 1).”
Nas origens de um silêncio culposo há muitas vezes uma falha em distinguir entre a Igreja e os homens da Igreja, sejam estes simples fiéis, bispos, cardeais ou papas. Uma das razões para essa confusão é precisamente a eminência das autoridades envolvidas nos escândalos.
Quanto maior a sua dignidade, mais se tende a identificá-los com a Igreja, atribuindo o bem e o mal indiferentemente a eles e a Ela. Na realidade, o bem pertence somente à Igreja, enquanto todo o mal se deve apenas aos homens que a representam.
É por isso que a Igreja não pode ser chamada de pecadora. “Ela — escreve o padre Roger T. Calmel O.P. (1920-1998) — pede perdão ao Senhor não por pecados que Ela teria cometido, mas pelos pecados que cometemos seus filhos, na medida em que não a ouvimos como Mãe” (Breve apologia da Igreja de sempre, Editora Ichtys, Albano Laziale 2007, p. 91).
Todos os membros da Igreja, tanto os da esfera docente como os da discente, são homens cuja natureza foi ferida pelo pecado original. Nem o batismo torna os fiéis impecáveis, nem a Ordem sagrada torna tais os membros da Hierarquia. Até mesmo o Sumo Pontífice pode pecar e errar, exceto quando faz uso do carisma da infalibilidade.
Devemos também lembrar que não foram os fiéis que constituíram a Igreja, como acontece nas sociedades humanas, criadas pelos membros que as compõem, e que se dissolvem quando esses se separam.
Dizer “Nós somos Igreja” [n.d.t.: nome de um movimento internacional que visa democratizar a Igreja] é falso, porque a pertencença dos batizados à Igreja não deriva de sua vontade: é o próprio Cristo que convida a fazer parte do seu rebanho, repetindo a todos: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi” (Jo 15, 16). A Igreja fundada por Jesus Cristo tem uma constituição humano-divina: humana, porque possui um componente natural e receptivo, composto por todos os fiéis, sejam eles membros do clero ou do laicato; e outro sobrenatural e divino, por sua alma.
Jesus Cristo, sua Cabeça, é o seu fundamento, enquanto o Espírito Santo é o seu propulsor sobrenatural. Assim, a Igreja não é santa por causa da santidade de seus membros, mas seus membros é que são santificados por Jesus Cristo, que A dirige, e pelo Espírito Santo, que lhe dá vida. Portanto, atribuir alguma culpa à Igreja é o mesmo que atribuí-la a Jesus Cristo e ao Espírito Santo. Deles procede todo o bem, ou seja, “tudo que é verdadeiro, tudo que é nobre, tudo que é justo, tudo que é puro, tudo que é amável, tudo que é de boa fama, tudo que é virtuoso e louvável” (Fil. 4, 8), e dos homens da Igreja procede todo o mal: desordens, escândalos, abusos, violência, torpezas, sacrilégios.
“Portanto — escreve o teólogo passionista Enrico Zoffoli (1915-1996), que dedicou algumas belas páginas a este tema —, não temos nenhum interesse em encobrir as faltas dos maus cristãos, padres indignos, pastores covardes, ineptos, desonestos e arrogantes. Ingênua e inútil seria a intenção de defender sua causa, atenuar sua responsabilidade, reduzir as consequências de seus erros, recorrer a contextos históricos e situações singulares para depois tudo explicar e tudo absolver”(Igreja e homens de Igreja, Edições Segno, Udine 1994, p.41).
Existe hoje uma grande sujeira na Igreja, como disse o então cardeal Ratzinger na Via Crucis da Sexta-feira Santa de 2005, que precedeu a sua ascensão ao pontificado. “Quão pouca fé existe em tantas teorias, quantas palavras vazias! Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! (Jesus).”
O testemunho de Mons. Carlo Maria Viganò é meritório porque, trazendo à luz essa sujeira, torna mais urgente o trabalho de purificação da Igreja. Deve ficar claro que a conduta de bispos ou padres indignos não se inspira nos dogmas ou na moral da Igreja, antes ela trai uns e outra, porque representa uma negação da lei do Evangelho.
O mundo que atribui à Igreja as culpas desses clérigos acusa-a de transgredir a ordem moral. Mas em nome de que lei e de que doutrina pretende o mundo colocar a Igreja no banco dos réus? A filosofia de vida professada pelo mundo moderno é o relativismo, que não reconhece verdades absolutas e sustenta que a única lei do homem é ser isento de leis. A consequência prática é o hedonismo, segundo o qual a única forma possível de felicidade é a fruição do próprio prazer e a satisfação dos instintos.Como pode um mundo desprovido assim de princípios, pretender julgar e condenar a Igreja? A Igreja é que tem o direito e o dever de julgar o mundo, porque possui uma doutrina absoluta e imutável.
O mundo moderno, filho dos princípios da Revolução Francesa, desenvolve com coerência as ideias do famoso libertino, o Marquês de Sade (1740-1814): amor livre, blasfêmia livre, liberdade para negar e destruir qualquer bastião da fé e da moral como nos dias da Revolução Francesa foi destruída a Bastilha onde Sade tinha estado preso. O resultado de tudo isso foi a dissolução da moral, que destruiu os fundamentos da convivência civil e tornou os últimos dois séculos a época mais sombria da História.
A vida da Igreja é também a história de traições, de deserções, de apostasias, de falta de correspondência à graça divina. Mas esta trágica fraqueza vai sempre acompanhada de uma extraordinária fidelidade: as quedas, mesmo as mais assustadoras, de muitos membros da Igreja, estão entrelaçadas com o heroísmo da virtude de muitos outros de seus filhos.
Um rio de santidade flui do lado de Cristo e corre luxuriante ao longo dos séculos: são os mártires que enfrentam as feras do Coliseu; são os eremitas que deixam o mundo para levar uma vida de penitência; são os missionários que vão até os confins da Terra; são os intrépidos confessores da fé que combatem cismas e heresias; são os religiosos contemplativos que sustentam com sua oração os defensores da Igreja e da Civilização Cristã; são todos aqueles que, de diferentes maneiras, conformaram as suas vidas à vida divina. Santa Teresa do Menino Jesus queria reunir todas essas vocações em um único e supremo ato de amor a Deus.
Os santos são diferentes uns dos outros, mas o que há de comum em todos eles é a união com Deus: e essa união, que nunca diminui no Corpo Místico de Cristo, faz com que a Igreja, antes mesmo de ser una, católica e apostólica, seja acima de tudo perfeitamente santa. A santidade da Igreja não depende da santidade de seus filhos: é ontológica, porque está ligada à sua própria natureza. Para que a Igreja possa ser chamada de santa, não é necessário que todos os seus filhos vivam santamente: basta que, graças ao fluxo vital do Espírito Santo, uma parte deles, ainda que pequena, permaneça heroicamente fiel à lei do Evangelho em tempos de provação.
Fonte: “Corrispondenza romana”, 12-9-2018. Matéria traduzida do original italiano por Hélio Dias Viana.
Visto em: www.abim.inf.br
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