17.08.2018 -
Muito se tem escrito (em tom de crítica e indignação) sobre a mudança da doutrina da Igreja sobre a pena capital introduzida por Francisco I no catecismo moderno publicado por João Paulo II, mas quase nada se tem dito sobre a coerência de tal reforma com o espírito que norteou a redação do novo catecismo.
Devo dizer que nada mais vindo do Vaticano me surpreende. Acho que a dita mudança condiz perfeitamente com todo o espírito do novo catecismo de João Paulo II, que se distingue justamente pela influência do modernismo, sobretudo em matéria de ecumenismo, diálogo inter-religioso, moral conjugal etc. Em uma palavra, a reforma feita por Francisco condiz com o novo catecismo que está embebido de antropocentrismo e da exaltação do homem em sua vida terrena e não ensina com firmeza ao homem o grave dever de servir a Deus por meio da confissão da religião verdadeira, a fim de alcançar a salvação eterna. Basta ver como são entusiásticas suas referências às chamadas religiões monoteístas e anódinas suas referências às penas eternas do inferno, hoje postas em dúvida por Francisco I.
O que me causa espécie é que Francisco se preocupe com a abolição da pena capital, quando são pouquíssimos os países que a preveem e a aplicam efetivamente. O que, diga-se, é lamentável. De maneira que, assim me parece, a razão que leva o bispo de Roma a tomar essa iniciativa só pode ser uma: induzir os católicos a pensar que, de fato, a Igreja pode reformar sua doutrina nos mais diversos capítulos de toda a dogmática e de toda a moral.
Com efeito, se sobre uma questão gravíssima como a licitude da pena de morte a Igreja pode mudar sua doutrina, não se limitando a dizer que hoje, em razão de circunstâncias diversas, a pena capital não se verifica mais oportuna ( juízo que em si é da competência da autoridade civil e não da autoridade eclesiástica) mas afirmando que, hoje, em face de uma consciência mais viva da dignidade humana, a Igreja ensina que a pena de morte é moralmente inaceitável, nada impedirá que Francisco diga amanhã aos católicos que compreendam que, tendo chegado a Igreja à consciência mais profunda da dignidade da mulher, não pode negar-lhe o sacramento da ordem. O mesmo critério vale para todas as questões mais controvertidas da atualidade com que se tem defrontado a Igreja.
Deixando de lado objetivo de Francisco ao reformar o catecismo moderno, o que me parece importante sublinhar é que o abolicionismo da pena de morte e a legalização quase universal do aborto são duas faces de um mesmo problema: houve, após o Vaticano II, uma exaltação da vida terrena do homem, o esquecimento do seu destino sobrenatural (o esquecimento dos novíssimos), a negação prática do inferno, enfim, a redução do cristianismo a humanismo; houve, também, uma abertura da Igreja à cultura laica ou secular moderna, e tudo isto levou os católicos a perder a consciência do sagrado não só na liturgia, mas em todos os setores da vida. E a consequência não pode ser outra senão a nossa triste e inegável realidade: a imensa maioria dos católicos hoje vive só para a vida terrena sem nenhuma esperança sobrenatural, sem pensar nos novíssimos.
Realmente, se a vida terrena não é um simples meio para merecer a verdadeira vida, mas é a única vida, não se justifica racionalmente a pena de morte. Esta parecerá uma crueldade, e o aborto, pelo contrário, parecerá justificável em muitos casos na medida em que o exigir a vida feliz da gestante neste mundo.
Depois de décadas de um otimismo estúpido com o mundo moderno, com a avanço das ciências e da tecnologia (recorde-se o ditirambo de Paulo VI à ida do homem à lua!), depois da adesão da hierarquia à cultura laica (incompatível com a visão católica sobre o destino sobrenatural do homem), depois de a Igreja pós-conciliar ter condenado o homem a uma vida totalmente profana sem nenhum sentido do sagrado e do mistério (o que está patente na nova liturgia), depois de ter ensinado na Dignitatis Humanae a liberdade dos cultos, será muito difícil, senão impossível, um combate eficaz dos católicos contra o crime do aborto e uma apologia da necessária e justa pena de morte. O erro é contagioso e corrompe as inteligências.
E o pior é que muitos se contentam com um combate ao aborto apontando apenas causa pro causa, isto é, dizendo que a causa da legalização do aborto é a usurpação da função legislativa pelo Judiciário ou o desrespeito à consciência da maioria da população. Tudo isso é falso. Recorde-se o ocorrido na Irlanda e em outros países. A verdadeira causa, a causa última, é a apostasia resultante da abertura da Igreja à cultura moderna, especialmente ao direito político moderno que diz que o poder emana do povo e não de Deus. No estado laico, ou melhor no estado ateu (que invoca Deus no preâmbulo das suas constituições só para enganar os tolos) não há lugar para a sacralidade da vida humana. Há lugar para a idolatria do homem. Por isso, o Vaticano combate a pena de morte porque atenta contra o culto ao homem, enquanto o mundo inteiro promove o aborto. Nesta confusão toda a fé católica é a única condenada à pena de morte.
Anápolis, 15 de agosto de 2018.
Festa da Assunção de Nossa Senhora.
Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa
Visto em: santamariadasvitorias.org
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