O império do Anticristo será o cárcere do mundo, de onde não se poderá fugir, simplesmente porque não haverá lugar algum a que emigrar


24.03.2017 -

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Por Airton Vieira – ([email protected])

O artigo do qual este é a conclusão se intitula “Comida, sombra e água fresca – Um oásis no deserto II”[1], que por sua vez é continuação de “Antes tarde que nunca – Um oásis no deserto”[2]. Com eles tive o intento de aportar alguns elementos de reflexão a uma realidade que aos poucos deixa o status de ficcional ou “medieval” para se apresentar pulsante diante dos olhos. Lançar portanto umas pobres moedas no gazofilácio da vida, pelo que deposito minhas últimas duas[3]… até que encontre alguma outra no fundo de algum bolso, ou pelas calçadas por onde ando. E dê-se graças a Deus.

Como até agora foi feito, vamos por partes.

1) Os que estão no mundo, mas não são do mundo[4], durante os quase dois milênios de cristianismo, basicamente podemos dividi-los em três categorias, todas dignas do mais profundo respeito se nelas há um elemento de considerável importância conhecido como reta intenção: os que no mundo estão para enfrentá-lo de frente, como os cruzados; os que estão nele para serem “sal e luz”, no sentido de, permanecendo “ali”[5], lançarem sementes; os que dele se retiram, para evitar o contágio das diversas epidemias espirituais. A estes últimos dedico, de forma especial, o presente artigo.

2) Em dados momentos históricos quando a cosmovisão antropocêntrica e gnóstica de mundo imperou de forma histérica e neurastênica através do triunfo das heresias nas mentes inteligentes, como curiosamente temos visto em tempos hodiernos, tal surto trouxe invariavelmente perseguição e morte aos católicos, os únicos que possuem a cosmovisão teocêntrica em sua integridade. Isto quando se deixam guiar pela sã doutrina que possuem. Já no Antigo Testamento temos o mui didático caso dos Macabeus, que acabaram por unir as primeira e terceira categorias acima. Mas há também o Carmelo, a semente da Ordem de Nossa Senhora do Carmo, com o profeta Elias nove séculos antes de nossa era, provando que se pode ser um “homem das cavernas” sem ser cavernoso, ou anacrônico. Ainda que com suas estranhezas, temos os essênios nos tempos de Cristo e mesmo pessoas como os budistas e ermitãos de outras religiões e sociedades, com suas idiossincrasias e imperfeições. Com o advento do monacato católico, contudo, tal forma de vida se consolida como opção boa, bela e verdadeira. Vê-se por isso que a “fuga estratégica” sempre fez parte de nossa existência – se preferir, cultura – antes e depois do Autor do cristianismo, que não por acaso divide a História ao meio.

3) Cristo, como visto no artigo anterior, com certa antecedência indica que tal rumo seria além de ideal, imprescindível, ao se ver (“quem tiver olhos…”) desfilar diante dos mesmos um evento denominado por um outro profeta como “a abominação da desolação no lugar santo”[6]. Fala-se ali de um momento em que um determinado personagem muito, muito mau “tocará o terror”, sem eufemismos ou hipérboles. Um tempo interessantemente descrito por Pieper[7] em análise inteligente e perspicaz do jesuíta argentino Pe. Alfredo Sáenz[8], da seguinte maneira:

Para Pieper o Anticristo manterá um rigoroso controle de todas as instituições e dos habitantes do Império, controle não só extensivo, como também intensivo. Será um Estado totalitário, no sentido mais estrito da palavra, um império mundial que coincidirá com as ilhas políticas sonhadas pelos autores de Utopias. Um império que será o cárcere do mundo, de onde não se poderá fugir, simplesmente porque não haverá lugar algum a que emigrar. À impossibilidade de emigração exterior se unirá também a interior: haverá que adorar ao ícone da Besta, sem escapatória possível, fora do martírio. O Apocalipse nos dá um símbolo desta intenção de apoderar-se da existência pessoal do indivíduo: o boicote econômico. Diz o texto que o profeta do Anticristo exigiu a todos, “pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos”, que se façam “uma marca na mão direita ou na fronte, e que ninguém possa comprar ou vender, a não ser o que leva a marca com o nome da Besta ou com a cifra de seu nome (13, 16-17). É o reverso daquele ideal iluminista de um estado mundial feliz, sem perseguições. Em seu lugar, escreve Pieper, existirão ações policiais “que poderão tomar o caráter das campanhas exterminadoras de animais daninhos”.

O panorama vislumbrado pelo católico Pieper, convenhamos, não é tão utópico ao ponto de não poder ser real. Se se chegará ao cume de – sempre com a permissão divina – se suprimir o “sacrifício perpétuo”[9], a Eucaristia, então estejamos certos de que literalmente tudo será possível. Hollywood que o diga. E o Vaticano também. Voltaremos a Pieper mais abaixo.

Não obstante – e este meu pensamento não tem nada de original – há um sentido espiritual do mandato evangélico de buscar refúgio fora da urbanicidade quando isto ocorra. Tal sentido o podemos tomar como uma espécie pressuposto sine qua non. Explico-me. Para se estar pronto a obedecer ao mandato de fugir para as montanhas, para o deserto, há ao menos duas condições indispensáveis: saber que a fuga, em determinadas ocasiões não é sinônimo de covardia; e que para atingir geograficamente os cumes é preciso antes já ter ao menos iniciado a escalada em sentido espiritual, interior. Sobre isto há uma interessante narração a propósito da vida do santo responsável pela primeira versão oficial da Escritura Sagrada. Diz a narrativa que um seu amigo encontrou certa vez S. Jerônimo escondido na gruta de Belém. Fugindo das tentações. Censurado pelo outro por sua covardia e fraqueza de não ficar para o embate, encerou o assunto dizendo: “Basta, Vigilâncio. Se esta é a minha fraqueza, confesso que sou fraco. Prefiro fugir para vencer, do que ficar para perder”. Aqui vislumbra-se ao menos três grandes virtudes: a humildade, a coragem e a prudência, entre outras tantas. E seriam virtudes porque associadas à reta intenção. E aqui temos algo deveras importante: o reconhecimento de que enquanto estivermos “gemendo e chorando neste vale de lágrimas”, estaremos sempre expostos ao pecado, portanto, nos “vales”, nos lugares baixos. Por isso o conselho do Apóstolo: “Aquele que está de pé, veja que não caia” (1 Cor X, 12).

4) Escalar as montanhas geográficas, portanto, sem ter antes deixado para trás os vales e lugares baixos da carne, do mundo e do demônio, a tríplice concupiscência[10], não será de muita serventia. Mais. Não será de serventia nenhuma, pois sem ter ao menos iniciado a subida da espiritual mui dificilmente nos lançaríamos às montanhas terrestres. Uma vez que para pecar não é preciso sair do lugar, sem esta disposição, certamente desceríamos do terraço ou retornaríamos do campo para pegar as tralhas[11], olharíamos para trás[12], e seríamos engolidos pelo peixe[13], com a diferença de que os três dias se prolongariam por tempo muito mais considerável. Daí que, logrando com o devido e necessário esforço subir às montanhas e cumes da alma, das coisas do espírito, será ao menos menos difícil encarar o que vem, mesmo que venha com a carga dramática vislumbrada por Pieper, com todo o orbe – como a ficção já o demonstra – comutado em um único e gigantesco cárcere. Por isso Cristo se revela bastante antecedente.

Não obstante a lição de S. Jerônimo, na esteira do conselho de S. Alfonso, nos põe cientes de que a coisa não é para brincadeira. Os maiores e melhores loucos da história bem o demonstraram. Antes mesmo do profeta carmelita víamos já homens como Noé e Abraão como peregrinos em fuga de algo ao encontro de Alguém. Como sempre, entes incompreendidos porque a linguagem da cruz é sempre loucura. Podemos daí inferir que também a prisão global antevista pelo filósofo alemão será natural sucessora de outra prisão, a do espírito, que já leva presa grande parte dos homens sem que disto se dê conta o homem. Já foi advertido: “… é mais fácil um camelo passar pelo fundo duma agulha, do que entrar um rico no Reino dos céus” (Mt XIX, 24). A razão é simples e lógica, uma vez que o verbo “entupir”, com seus derivados, sempre foi mui utilizado na saga do homem decaído. O demônio não brinca em serviço: logrando entupir os primeiros pais com o fruto entorpecente, desde então nos entope de tudo o que presta, e do que não presta também. Vai enchendo os aposentos, as casas, as ruas, as cidades mantendo-nos bem “baixos”, nos vales, pesados, congestionados. Lembro-me de ainda criança de uma antiga novela brasileira[14] cuja uma sua personagem retratou bem isto que digo. Chamava-se “Dona Redonda” (o nome já é uma apresentação). Morreu explodindo, com partes de seu todo por todas as partes. Melhor se fosse santa: pouparia trabalho ao relicário eclesiástico. Mas, ao contrário, explodiu por seu pecado, evidentemente o da gula, o que produz uma moral da história. Em cena dantesca, Dante põe os gulosos em maus lençóis, vivendo uma eternidade em meio à lama, ao vômito e devorados por Cérbero[15]. Mas a analogia deve servir antes – ainda que não unicamente – ao propósito deste texto, e este é que há que começar a tomar a peito a vigilância para com as “ofertas do mundo moderno”, que nos entope à medida que nos esvaziamos do que importa, e de Quem importa.

5) Os santos doutores deste artigo, seguindo ao seu Senhor e Mestre nos apontam fugas não só necessárias como desejáveis, em que pese o estranhamento do mundo. Tais fugas não são em si algo bom ou ruim, tampouco servem a todos os espíritos. O digo com relação às geográficas ou materiais. Contudo, todos somos chamados à fuga do pecado, venha da forma que vier, e de onde vier. Enquanto não vier “o homem de pecado” (2 Tes II,3s) tudo o que a reta intenção nos apontar, sejam famílias, escolas, capelas, igrejas, comunidades, bairros, vilas, cidades, que o primeiro passo seja o do renunciar a si, tomar a cruz e seguir[16]. Nas famílias, escolas, igrejas, no trabalho, nos bairros, vilas, cidades, estados, países. Que “ali” saibamos renunciar, tomar a cruz e seguir. Que “ali” desde já iniciemos a subida, a saída de Sodoma, deixando para trás o que ficou, mas sem olhar para trás. Que os olhares estranhados, as palavras de escárnio, as brincadeiras mórbidas, os bullings, as agressões, violências diversas, perseguições e morte sejam sinais de que vamos pelo caminho certo, que é o estreito. Não há com o que preocupar-se, afinal “quem nos separará do amor de Cristo” (Rom VIII, 35ss)?

Que comecemos ou intensifiquemos a purgação do excesso, que nos esvaziemos de tudo o que é vazio e que nos assemelham a bolhas de sabão. Há que trabalhar duro, mas na hora da prova nos livraremos do vermelho, como certamente nos livraremos do vermelho do inferno, ou mesmo do purgatório. Ouvi estes dias uma expressão interessante de um velho coronel. Falando sobre campos e áreas rurais dizia-me ele que “o gado das áreas acidentadas é mais forte, porque se exercita mais”. Um óbvio que naquele contexto ganhava novos contornos. Os terrenos acidentados, ao contrário dos planos, forçam ao exercício, como as áreas montanhosas forçam (ao tempo que facilitam) à ascese e os acidentes cotidianos, à resistência humana. É uma relação de tensão. Por isso os gulosos e preguiçosos são tristes. Ali não há exercício, não há tensão. Ali haverá “pernas”, mas não “pra que te quero”, quando a hora for a de literalmente fugir.

Santos confessores e mártires, rogai por nós!

Em 15 de março do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2017.

Airton Vieira

Notas

[1] http://www.sensusfidei.com.br/2017/03/17/comida-sombra-e-agua-fresca-um-oasis-no-deserto-ii/#.WNLuuvkrLIU

[2] http://www.sensusfidei.com.br/2017/03/10/antes-tarde-que-nunca-um-oasis-no-deserto/#.WNUGZfkrLIU

[3] Cf. Lc XXI, 1-4.

[4] Jo XVII, 14ss.

[5] Ver artigo anterior.

[6] Mt XXIV, 3.15-25.

[7] Josef Pieper (1904-1997); filósofo alemão.

[8] O fim dos tempos e sete autores modernos – Pieper (aqui, em primeira mão). Ver nota 12 do artigo anterior.

[9] Cf. Dn VIII, 11-14; IX, 26s; XI, 31; XII, 8-11. Vale observar as reiterações do profeta acerca desta mesma questão.

[10] Cf. 1 Jo II, 16.

[11] Cf. Mt XXIV, 17s.

[12] Cf. Gen XIX, 26.

[13] Jn I, 17.

[14] Saramandaia, de Dias Gomes.

[15] Cão de três cabeças que guarda a entrada do mundo subterrâneo na mitologia grega.

[16] Mc VIII, 34.

Fonte: www.sensusfidei.com.br

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Nota de www.rainhamaria.com.br

Lembrando o Padre Leonardo Castellani: O Homem do Pecado (anticristo) tolerará e se aproveitará de um cristianismo adulterado. Imporá por todas as partes o reino da iniqüidade e da mentira.

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“O Homem do Pecado tolerará e se aproveitará de um cristianismo adulterado... Imporá por todas as partes o reino da iniqüidade e da mentira, o governo puramente exterior e tirânico, a “Liberdade” desenfreada dos prazeres e diversões, a exploração do homem; e seu modo de proceder hipócrita e sem misericórdia. Haverá em seu Reino uma estrondosa alegria falsa e exterior, cobrindo o mais profundo desespero. Em seu tempo acontecerão os mais estranhos distúrbios cósmicos, como se os elementos se houvessem revoltado. A humanidade estará numa grande expectativa e reinará grande confusão e dissipação entre os homens. Rompidos os laços de família, de amizade, de lealdade e bom relacionamento, os homens não poderão confiar em ninguém, e correrá no mundo como um tremor frio, um universal e ímpio “salve-se quem puder”. Será atropelado o que há de mais sagrado e nenhuma palavra terá mais fé, nem pacto algum terá vigor, senão pela força. A caridade heróica de alguns fiéis, transformada em amizade até a morte, manterá no mundo ilhotas de fé; porém mesmo ali, ela estará continuamente ameaçada pela traição e pela espionagem". (Padre Leonardo Castellani 1899-1981, Los Papeles de Benjamin Benavides)

Devo também lembrar as palavras do Padre Emanuel, ainda no século XIX, em seu escrito: O Drama do Fim dos Tempos.

“Estas são as marcas da vinda do Anticristo:

Quando os velhos não tiverem nem bom senso nem prudência,
Quando os cristãos estiverem sem fé,
Quando os cristãos estiverem sem amor, eles falarão de amor, mas não terão amor pelo próximo,
Quando os ricos forem sem misericórdia.
Quando os jovens não tiverem respeito,
Quando as mulheres tiverem perdido o pudor,
Quando, no casamento, não houver mais continência,
Quando os clérigos forem sem honra e sem santidade,
Quando os religiosos não tiverem verdade nem austeridade, sacerdotes bispos e padres, serão homens frívolos, completamente incapazes de distinguir entre o caminho da direita e o da esquerda,
Quando os bispos não tiverem piedade. As igrejas serão privadas de pastores piedosos e tementes a Deus, e infelizes dos cristãos que estiverem na terra nesses momentos! Perderão a fé, porque não haverá mais quem lhes mostre a luz da verdade,
Quando os governantes da terra não tiverem nenhuma misericórdia”.

Em outras palavras, estas são as marcas, os sinais claros, que o anticristo está as portas do mundo, prestes a surgir no cenário mundial, para dar inicio ao complemento final do Apocalipse.

Todas estas marcas acima descritas, podemos ver claramente em nossos dias.

Disse também o Padre Emanuel, no século XIX:

Sobre o aparecimento do Anticristo...

“Apresentar-se-á como cheio de respeito pela liberdade das religiões, uma das máximas e uma das mentiras da besta revolucionária.

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Dirá aos budistas que é um Buda; aos muçulmanos, que Maomé é um grande profeta... Talvez até irá dizer, em sua hipocrisia, como Herodes seu precursor, que quer adorar Jesus Cristo. Mas isso não passará de uma zombaria amarga. Malditos os cristãos que suportam sem indignação que seu adorável Salvador seja posto lado a lado com outras seitas e mestres. E Deus, infinitamente bom, vendo a decadência da raça humana, abreviará os dias, por amor ao pequeno número dos que deverão ser salvos, porque o inimigo desejaria arrastar até mesmo os eleitos a tentação, se tal fosse possível. Então a espada do castigo virá de repente e derrubará o Corruptor e seus servidores".

 

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