Pessoas que deveriam se impressionar diante de certos acontecimentos, não se incomodam, porque estão indiferentes. Elas não se incomodam com nada a não ser com sua própria vidinha individual


17.03.2017 -

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O sabugo social

O milho é a principal matéria-prima de vários pratos da culinária típica brasileira, como cuscuz, canjica, polenta, curau, angu, mingaus, pamonhas, cremes, bolos, pipoca, ou simplesmente milho verde cozido. Mas, com tal folha de serviços, ele também tem suas fraquezas: vira sabugo! E aí não serve para mais nada, a não ser para ser eliminado, ou… comparado!

Comparado? Sim! Pois existem homens — e até jovens! — “sabugos”, a respeito dos quais um amigo meu fez uma poesia: “Eu não vivia, vegetava; não pensava, mas passava toda a vida sem viver!”

Mas o que é o homem “sabugo”, para usarmos a comparação sugerida? Consideremos o que disse Plinio Corrêa de Oliveira diante de uma situação grave: “Vemos que as pessoas que deveriam se impressionar [diante de certos acontecimentos], não se incomodam, porque estão indiferentes.

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Elas não se incomodam com nada a não ser com sua própria vidinha individual; a não ser com seus próprios problemas individuais. O resto, o mundo, a Causa da Igreja, a Revolução, a Contra-Revolução, a grande batalha das almas e dos homens, tudo isso para elas é insípido, é insignificante. Elas querem a vidinha delas” (Conferência em 30-12-76).

Se em vez de dividirmos os homens em direita e esquerda, colocarmos um terceiro bloco — os “sabugos” —, estaremos provavelmente muito mais próximos da realidade! E eles parecem constituir a maioria!

O “sabugo” sabe se utilizar com habilidade dos conceitos de perto e longe. O que está longe não entra em suas cogitações. Viu-o com genialidade imortal o grande Eça de Queiroz, em suas Cartas Familiares e Bilhetes de Paris:

No jornal que o criado trouxera e ela nos lia, abundavam as calamidades. Era uma dessas semanas também em que pela violência da Natureza e pela cólera dos homens se desencadeia o mal sobre a Terra.

Ela lia as catástrofes lentamente, com a serenidade que tão bem convinha ao seu sereno e puro perfil latino. ‘Na ilha de Java um terramoto destruíra vinte aldeias, matara duas mil pessoas’… Ninguém comentou, sequer se interessou pela imensa desventura de Java. Java é tão remota, tão vaga no mapa!

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Depois, mais perto, na Hungria, ‘um rio trasbordara, destruindo vilas, searas, os homens e os gados’… Alguém murmurou, através de um lânguido bocejo: ‘Que desgraça!’ A delicada senhora continuava, sem curiosidade, muito calma, aureolada de ouro pela luz. Na Bélgica, numa greve desesperada de operários que as tropas tinham atacado, houvera entre os mortos quatro mulheres, duas criancinhas’… Então, aqui e além, na aconchegada sala, vozes já mais interessadas exclamaram brandamente: ‘Que horror!… Estas greves!… Pobre gente!’… De novo o bafo suave, vindo de entre as rosas, nos envolveu, enquanto a nossa loura amiga percorria o jornal atulhado de males. E ela mesma então teve um ‘oh!’ de dolorida surpresa. No Sul da França, ‘junto à fronteira, um trem descarrilando causara três mortes, onze ferimentos’… Uma curta emoção, já sincera, passou através de nós com aquela desgraça quase próxima, na fronteira da nossa península, num comboio que desce a Portugal, onde viajam portugueses… Todos lamentaríamos, com expressões já vivas, estendidos nas poltronas, gozando a nossa segurança.’

E, de repente, solta um grito, leva as mãos à cabeça:

— Santo Deus!…

‘Todos nos erguemos num sobressalto. E ela, no seu espanto e terror, balbuciando:

— Foi a Luísa Carneiro, da Bela Vista… Esta manhã! Desmanchou [torceu] um pé!

Então a sala inteira se alvorotou num tumulto de surpresa e desgosto.

As senhoras arremessaram a costura; os homens esqueceram charutos e poltrona; e todos se debruçaram, reliam a notícia no jornal amargo, se repastavam da dor que ela exalava!… A Luisinha Carneiro! Desmanchara [torcera] um pé! Já um criado correra, furiosamente, para a Bela Vista, buscar notícias por que ansiávamos. Sobre a mesa, aberto, batido da larga luz, o jornal parecia todo negro, com aquela notícia que o enchia todo, o enegrecia.

‘Dois mil javaneses sepultados no terremoto, a Hungria inundada, soldados matando crianças, um comboio esmigalhado numa ponte, fomes, pestes e guerras, tudo desaparecera — era sombra ligeira e remota. Mas o pé desmanchado da Luísa Carneiro esmagava os nossos corações… Pudera! Todos nós conhecíamos a Luisinha — e ela morava adiante, no começo da Bela Vista, naquela casa onde a grande mimosa se debruçava do muro, dando à rua sombra e perfume.

Mas voltemos ao “sabugo”, enquanto as mimosas nos dão sombra e perfume. Dr. Plinio imagina um “sabugo” desta vez num navio: “Ele não quer chegar; ele quer chupar, ele quer beber; ele quer levar a bordo uma vidinha agradável; que haja ou não haja Batalha de Lepanto, que o final chegue ou não chegue a bom termo, para ele pouco importa, contanto que ele possa bebericar sua bebidinha e viver sua vidinha nos tombadilhos, nos camarotes de bordo”. (Conferência em 18-6-66). 

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Com o prestígio que ainda lhe for possível angariar!

Por que dizemos estas coisas, que superficialmente consideradas parecem não ter nexo com nada?

Ora! Nossa época é um tempo cheio de acontecimentos grandiosos, com horizontes grandiosos, onde “nosso vizinho” deverá viver como um herói, ou … um “sabugo”!

Fonte: http://ipco.org.br  via  www.rainhamaria.com.br

 

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