Magistério contra magistério: Papa Pio XII responde à nova moralidade (adaptada às circunstâncias) da Amoris Laetitia, do Papa Francisco


21.04.2016 - Hora desta Atualização - 13h13

Discurso do Papa Pio XII ao Congresso Internacional da Federação Mundial da Juventude Feminina Católica.

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O tema do Congresso

Sejam bem-vindas filhas amadas da Federação Mundial da Juventude Feminina Católica. Eu vos saúdo com o mesmo carinho que recebi, há cinco anos em Castel Gandolfo, por ocasião do grande encontro internacional das Mulheres Católicas.

Os estímulos e os sábios conselhos que foram proporcionados a vocês neste Congresso, assim como as palavras que então dirigimos não foram certamente infrutíferos. Sabemos os esforços que neste intervalo vocês têm desenvolvido para atingir os objetivos precisos dos quais vocês tinham uma visão clara. Isso também prova o relatório impresso durante a preparação deste Congresso que fizemos lá: “La Foi des Jeunes – Problème de notre temps”. Suas 32 páginas têm o peso de um grosso volume, e Nós temos analisado com muito cuidado, porque resume e sintetiza os ensinamentos de numerosas questões sobre a situação da fé na juventude católica da Europa, cujas conclusões são altamente instrutivas.

Em muitas das questões levantadas lá, Nós mesmos tratamos em nossa alocução de 11 de setembro de 1947 (1), que vocês assistiram, e em muitos outros discursos antes e depois. Hoje, Nós queremos aproveitar a oportunidade proporcionada por este encontro com vocês para dizer o que pensamos sobre um fenômeno que ocorre em todos os lugares, na vida de fé dos católicos e que afeta um pouco a todos, mas de uma forma particular afeta os jovens e seus educadores, como quando vocês dizem (p. 10): “Confundindo o cristianismo com um código de preceitos e proibições, os jovens têm a impressão de afogar-se nesse clima de “moral imperativa” e não é uma pequena minoria que deixa de lado esse “fardo constrangedor.”

Uma nova concepção da lei moral

Podemos chamar esse fenômeno de “uma nova concepção da vida moral”, uma vez que é uma tendência que se manifesta no campo da moralidade. No entanto os princípios da moralidade se baseiam nas verdades da fé e vocês sabem bem que é importância capital para a conservação e o crescimento da fé que a consciência da jovem se forme o mais cedo possível e se desenvolva segundo as normas morais justas e saudáveis. Assim, a concepção de “nova moralidade cristã” toca muito diretamente o problema da fé dos jovens.

Já falamos da “nova moral” em nossa mensagem de rádio em 23 de março passado, para os educadores cristãos. O que estamos discutindo hoje não é apenas uma continuação do que dissemos então; queremos descobrir as profundas origens dessa concepção. Pode-se qualificá-la de “existencialismo ético” de “realidade ética” do “individualismo ético”, entendidas em sentido estrito que vamos explicar e tal como se encontram no que em outros lugares se tem chamado de “Situationsethik” “moral de situação”.

A “moral de situação”, seu caráter distintivo

A marca desta moral é que ela não é de forma alguma baseada em leis universais de moral, por exemplo, os dez mandamentos, mas em condições ou circunstâncias reais e concretas nas quais se deve agir e de acordo com as quais a consciência individual vai julgar e escolher. Este estado de coisas é ação humana. É por isso que a decisão de consciência, afirmam os defensores desta ética, não pode ser comandada pelas idéias, os princípios e as leis universais.

A fé cristã baseia as suas exigências morais no conhecimento da verdade “essencial” e de suas relações; assim faz São Paulo na Epístola aos Romanos (1, 19-21) para a religião como tal, seja esta cristã ou anterior ao Cristianismo: a partir da criação, diz o Apóstolo, o homem percebe e sente de alguma forma o Criador, o seu eterno poder e divindade, e que, com tais provas de que ele sabe e sente-se compelido a reconhecer Deus e dar algum culto, de modo que desprezar este culto ou depravá-lo na idolatria é gravemente culpável para todos e em todos os tempos.

Isto não é, de modo algum, o que afirma a ética sobre a qual Nós falamos. Ela não nega os conceitos e princípios morais gerais (embora às vezes chegue muito perto de semelhante negação), mas se move do centro para a extrema periferia. Pode acontecer que a decisão de consciência muitas vezes esteja de acordo com ela. Mas não são, por assim dizer, uma coleção de premissas a partir do qual a consciência tira as conseqüências lógicas, no caso particular, o caso “de uma vez”. De jeito nenhum! No centro se encontra o bem, que é necessário realizar ou manter o seu valor real e individual, por exemplo, no domínio da fé, a relação pessoal que nos une a Deus. Se a consciência formada seriamente diz que o abandono da fé católica e a adesão a outra confissão leva para mais perto de Deus, esse passo seria “justificado”, quando é geralmente descrito como “a deserção da fé”.

Ou, no campo da moral, a doação de si mesmo, corporal e espiritual, entre os jovens. Aqui a consciência seriamente formada estabeleceria que devido a sincera inclinação mútua são permitidas intimidades do corpo e dos sentidos, e estas, embora permitidas apenas entre cônjuges, poderiam ser manifestações permitidas. (A consciência aberta de hoje estabeleceria assim porque deduz da hierarquia de valores este princípio, segundo o qual os valores da personalidade, sendo os mais altos, poderiam utilizar os valores inferiores do corpo e dos sentidos ou descartá-los, como sugerido por cada situação). Tem sido dito com insistência que precisamente segundo este princípio, em matéria de direitos dos cônjuges seria necessário, em caso de conflito, deixar à consciência séria e reta dos cônjuges, de acordo com as exigências das situações concretas, o poder de tornar absolutamente impossível a realização dos valores biológicos a favor dos valores da personalidade.

O parecer de uma consciência desta natureza, por muito contrário que pareça à primeira vista aos preceitos divinos, valeria, no entanto, diante de Deus, porque, dizem eles, a consciência sincera seriamente formada é mais importante diante de Deus do que o “preceito” e a “lei”.

Esta decisão é, portanto, “ativa” e “produtora” e não “passiva” e “receptiva” da decisão da lei escrita por Deus no coração de cada um, e menos, todavia da do Decálogo, que o dedo de Deus esculpiu em tábuas de pedra, encarregando a autoridade humana a promulgá-la e preservá-la.

A “nova moral” eminentemente “individual”

A nova ética (adaptada às circunstâncias), dizem seus autores, é essencialmente “individual“. Na determinação da consciência cada homem, em particular se entende diretamente com Deus e diante Dele se decide sem a intervenção de nenhuma lei, nenhuma autoridade, nenhuma comunidade, de nenhum culto ou religião, em nada e de nenhuma maneira. Aqui tudo que há é o eu do homem e o Eu do Deus pessoal; não o Deus da lei, mas sim Deus Pai, ao qual o homem deve unir-se com amor filial. Visto por este prisma, a decisão da consciência é, portanto, um “risco pessoal”, segundo o conhecimento e a valorização próprias, com toda a sinceridade diante de Deus. Estas duas coisas, a intenção correta e resposta honesta, são o que Deus vê, a ação não se importa. De maneira que a resposta pode ser a de alterar a fé católica por outros princípios, de divorciar-se, de fazer aborto, de recusar obediência à autoridade competente na família, na Igreja, no Estado e assim em outras coisas.

Tudo isso seria perfeitamente compatível com o estatuto de “maioridade” do homem e, na ordem cristã, com a relação de filiação, e em virtude do qual, de acordo com os ensinamentos de Cristo, Nós oramos “Pai Nosso…”. Esta abordagem pessoal poupa ao homem o dever medir a cada momento se a decisão que há de tomar corresponde aos artigos da lei ou aos cânones das normas e regras abstratas; ela se preserva da hipocrisia de uma fidelidade farisaica à lei; ela se preserva tanto do escrúpulo patológico como da tenuidade ou falta de consciência, porque, faz cair pessoalmente sobre o cristão a responsabilidade total diante de Deus. Assim falam aqueles que pregam a “nova moral”.

Está fora da fé e dos princípios católicos

Exposta desta forma a nova ética, ela está tão totalmente fora da fé e dos princípios católicos que até uma criança que conhece seu catecismo percebe isso. Por conseguinte, não é difícil ver como o novo sistema moral deriva do existencialismo, que faz abstração de Deus ou simplesmente O nega e em todo caso abandona o homem a si mesmo. Pode ser que as condições atuais tenham levado a esta tentativa de transplantar esta “moral nova” ao terreno católico para tornar suportável aos fiéis as dificuldades da vida cristã. De fato, a milhões deles se exige hoje em um grau extraordinário que se tenha firmeza, paciência, constância e espírito de sacrifício, se quiserem permanecer íntegros em sua fé, quer sob os golpes da fortuna, ou sob as seduções de um ambiente que põe ao alcance de suas mãos tudo aquilo que forma a aspiração e o desejo de seu coração apaixonado. Mas semelhante tentativa jamais poderá ter êxito.

As obrigações fundamentais da lei moral

Alguém pode se perguntar como a lei moral, que é universal, pode bastar e até mesmo ser obrigatória em um caso particular, o qual, em sua situação particular é sempre único e de “uma vez”. Ela pode e ela o faz, porque, precisamente por causa de sua universalidade, a lei moral inclui necessária e “intencionalmente” todos os casos particulares nos quais se verificam seus conceitos. E nestes casos, muito numerosos, ela o faz com uma lógica tão conclusiva, que até a consciência de um simples fiel percebe de imediato e com absoluta certeza a decisão a tomar.

Isto é especialmente verdadeiro para obrigações negativas da lei moral, aquelas que exigem um “não fazer”, um “deixar de lado”. Mas de nenhuma maneira para estas somente. As obrigações fundamentais da lei moral baseiam-se essencialmente na natureza do homem e suas relações essenciais, e valem, por conseguinte em todas as partes nas quais se encontre o homem; as obrigações fundamentais da lei cristã, ultrapassando, portanto, as da lei natural, são baseadas na essência da ordem sobrenatural constituída pelo divino Redentor. Das relações essenciais entre o homem e Deus, entre o homem e o homem, entre cônjuges, entre pais e filhos; das relações essenciais de comunidade na família, na Igreja, no Estado, resulta, entre outras coisas, que o ódio a Deus, a blasfêmia, idolatria, a defecção da fé verdadeira, a negação da fé, o perjúrio, o assassinato, o falso testemunho, a calúnia, o adultério, a fornicação, o abuso do matrimônio, o pecado solitário, o furto e o roubo, a subtração do que é necessário à vida, a fraude no salário justo (Tg 5, 4), a monopolização de produtos alimentares de primeira necessidade e os aumentos injustificados dos preços, a falência fraudulenta, as manobras de especulações injustas: tudo isso é severamente proibido pelo Legislador divino. Não há nenhuma razão para duvidar. Seja qual for a situação do indivíduo, não há escolha senão obedecer.

Além disso, Nós opomos à ética da situação três considerações. A primeira: concedemos que Deus queira acima de tudo e sempre a intenção correta; mas esta não é suficiente. Ele quer também a boa obra. A segunda: não é permitido fazer o mal para que resulte o bem (Rom 3, 8). Mas esta ética age – talvez sem perceber – pelo princípio de que o fim santifica os meios. A terceira: pode haver circunstâncias nas quais o homem – especialmente o cristão – não possa ignorar que deve sacrificar tudo, até mesmo sua vida, para salvar sua alma. Todos os mártires nos lembram disso. E estes são muito numerosos mesmo ainda em nosso tempo. A mãe dos Macabeus e seus filhos, as santas Perpétua e Felicidade, apesar de seus recém nascidos, Maria Goretti e milhares de outros, homens e mulheres que a Igreja venera, teriam, portanto, contra a “situação” incorrido inutilmente ou até mesmo equivocando-se na morte sangrenta? Certamente que não, e eles, com seu sangue, são as testemunhas mais eloqüentes da verdade contra a “nova moral”.

O problema da formação da consciência

Onde não há regras absolutamente obrigatórias, independente de qualquer circunstância ou evento, a situação “de uma vez” em sua unidade exige, de fato, uma análise aprofundada para decidir quais as regras a serem aplicadas e como. A moral católica tratou sempre e com extensão este problema da formação da própria consciência com o exame prévio das circunstâncias do caso a ser resolvido. Tudo o que ela ensina fornece uma valiosa ajuda nas determinações da consciência tanto teóricas quanto práticas. Basta citar os ensinamentos, não superados, de Santo Tomás sobre a virtude cardeal da prudência e as virtudes a ela associadas (Suma Teológica, 2-2, q. 47-57). Suas explicações revelam um sentido da atividade pessoal e da realidade, que contém tudo o que é justo e positivo na ética segundo a “situação” e evita todas as confusões e distorções. Bastará, portanto, ao moralista moderno continuar na mesma linha, se quiser aprofundar os novos problemas.

A educação cristã da consciência está muito longe de esquecer a personalidade, inclusive dos jovens e crianças, e de eliminar sua iniciativa. Porque toda boa educação tende a tornar o educador mais desnecessário gradualmente e ao educando independente dentro dos justos limites. E isso também é verdade na educação da consciência por Deus e pela Igreja: o seu objetivo é, como diz o apóstolo (Ef 4, 13, cf. 4, 14) “um homem perfeito, à medida da plenitude de Cristo“. Portanto, o homem adulto, tem também o brio da responsabilidade.

É necessário apenas que esta maturidade se coloque no lugar certo! Jesus continua a ser o Senhor, o Chefe e o Mestre de cada homem de todas as idades e de todos os estados, através da sua Igreja, através da qual Ele continua a agir. O cristão, por sua vez, deve assumir o grave e grande compromisso de fazer valer em sua vida pessoal, em sua vida profissional e na vida social e pública, no que depender dele, a verdade, o espírito e a lei de Cristo. Esta é a moral católica, o que deixa um vasto campo aberto à iniciativa particular e à responsabilidade pessoal do cristão.

A nova moral traz grandes perigos para a juventude

Eis aqui o que eu nós quisemos dizer. Os perigos para a fé dos nossos jovens são hoje extraordinariamente numerosos. Todos sabiam e sabem, mas a vossa memória é particularmente instrutiva a este respeito. No entanto, acreditamos que poucos destes perigos são tão grandes e tão cheios de conseqüências como os que a “nova moral” traz para a fé. Os extravios a que tanto levam tais distorções como o enfraquecimento dos deveres morais, que fluem naturalmente de fé, terminariam com o tempo a corromper a própria fonte. Assim a fé morre.

Fé Orante e Sacrificada

De tudo o que Nós dissemos sobre a fé, vamos tirar duas conclusões, duas diretrizes que Nós queremos deixar no final, para que elas orientem e incentivem toda a vossa ação e toda a vossa vida de cristãs corajosas:

A primeira: a fé da juventude deve ser uma fé “orante”. A juventude deve aprender a orar. Que isso seja sempre na medida e forma que correspondam à sua idade. Mas sempre conscientes de que sem oração não é possível manter-se fiel à fé.

A segunda: a juventude deve ter orgulho de sua fé e aceitar que “custe” algo; ela deve se acostumar desde cedo a fazer sacrifícios por sua fé, a caminhar diante de Deus com uma consciência reta, a reverenciar Suas ordens. Então crescerão espontaneamente no amor de Deus.

Que a caridade de Deus, a graça de Jesus Cristo e a comunicação do Espírito Santo (2 Cor 13, 13) estejam com vocês todas é o que desejamos com o afeto mais paternal. E para testemunharmos isso damos de todo o coração a cada uma de vós e às vossas famílias, aos seus movimentos, a todas as suas ramificações mundo inteiro, a todas as vossas companheiras que a elas pertencem a Bênção Apostólica.

Papa Pio XII

Notas:
(1) Discorsi e Radiomessaggi, IX, pag. 221-233.

Fonte: http://catolicosribeiraopreto.com

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Nota de www.rainhamaria.com.br

Lembrando novamente as palavras do Arcebispo  francês Marcel Lefebvre:

"Não será dever de um católico julgar entre a fé que lhe ensinam hoje e a que foi ensinada durante vinte séculos de tradição da Igreja? Ora, eu acredito sinceramente que estamos tratando com uma falsificação da Igreja, e não com a Igreja católica. Por quê? Porque eles não ensinam mais a fé católica. Não defendem mais a fé católica. Eles arrastam a Igreja para algo diferente da Igreja Católica. A verdade e o erro não estão em pé de igualdade. Isso seria colocar Deus e o diabo em pé de igualdade, visto que o diabo é o pai da mentira, o pai do erro".

Disse Padre Romano: "Mas, que consciência têm nossos pastores dessas verdades fundamentais? A perda da consciência do pecado é, certamente, o maior drama da nossa época. E se aqueles que são chamados a pregar o Evangelho a todas as gentes, e a anunciar que, sem conversão, não há salvação, omitem-se em anunciar tais verdades, estamos diante de uma situação catastrófica! De fato, o discurso atual, dentro da Igreja, e que se refletiu sobre o Sínodo, é o de quase absoluto silêncio sobre as verdades últimas da nossa existência – os novíssimos -: morte, juízo, inferno e paraíso, e sobre o pecado, que condiciona a nossa salvação. Verdades basilares da nossa Santa Religião, e que devem determinar a nossa vida sobre esta terra, porque, como diz Nosso Senhor, “que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder a sua alma?” (Cf. Mc 8, 36)

 

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