24.04.2015 -
O partido de Jesus e do mundo
[7] Eis aqui, meus caros Confrades, eis aqui dois partidos (21) que se defrotam todos os dias; o de Jesus Cristo e o do mundo.
O de nosso amável Salvador está à direita, em aclive, num caminho estreito e que assim cada vez se tornou devido à corrupção do mundo.
Caminha à frente o bom Mestre, os pés descalços, a cabeça coroada de espinhos, o corpo todo ensanguentado, e carregando uma pesada Cruz. Apenas algumas pessoas, e das mais corajosas, o seguem, porque sua voz tão delicada não se ouve no meio do tumulto do mundo; ou então, não se tem coragem para seguí-lo em sua pobreza, suas dores, suas humilhações e suas outras cruzes, que necessáriamente é preciso carregar, a seu serviço, todos os dias da vida.[8]
À esquerda está o partido do mundo, ou do demônio, que é mais o numeroso, o mais signífico e o mais brilhante, pelo menos na aparência. Todos os indivíduos mais brilhantes correm para ele; apressam-se, apesar de serem os caminhos largos, mais largos, do que nunca em virtude das multidões que por eles passam como torrentes, e de estarem juncados de flores, marginados de prazeres e divertimentos, cobertos de ouro e de prata (22).
B) Espírito totalmente oposto dos dois partidos.
[9] À direita, o rebanhosinho que segue a Jesus Cristo só fala em lágrimas, em penitências, em orações e em desprezo do mundo; ouvem-se continuamente estas palavras (23), entrecortadas de soluços: “Soframos, choremos, jejuemos, oremos, ocultemo-nos, humilhemo-nos, empobreçamo-nos, mortifiquemo-nos; porque o que não tem o espírito de Jesus Cristo, que é um espírito de cruz, não pertence a Ele; os que são de Jesus Cristo mortificaram a carne com as suas concupiscências; é preciso ser conforme à imagem de Jesus Cristo (24) ou condenar-se. Coragem! exclamam eles. Coragem! Se Deus está por nós, quem estará contra nós? Aquele que está em nós é mais forte que o que está no mundo. O servo não é maior que o senhor. Um momento de leve tribulação redunda em peso eterno de glória.
Há menos eleitos do que se pensa. Só os corajosos e os violentos arrebatam o céu de viva força; ninguém será lá coroado se não houver combatido legitimamente, segundo o Evangelho, e não segundo a moda. Combatamos, pois, vigorosamente, corramos depressa para atingir a meta, a fim de ganharmos a coroa!” Eis uma parte das palavras divinas com que os Amigos da Cruz mutuamente se animam.
[10] Os mundanos, ao contrário, gritam todos os dias, para animar-se a perseverar em sua malícia sem escrúpulos (25) “Vida, vida! Paz, paz! Alegria, alegria! Comamos, bebamos, cantemos, dancemos, brinquemos! Deus é bom, Deus não nos fez para que nos danássemos; Deus não proíbe que nos divirtamos; Não nos danaremos por isso. Nada de escrúpulos! Non moriemini. etc…”
C) Amoroso apelo de Jesus
[11] Lembrai-vos, meus caros Confrades, que nosso bom Jesus nos olha neste instante e diz a cada um de vós em particular: “Eis que quase todos me abandonaram no caminho real da Cruz. Os idólatras cegos zombam de minha cruz como de uma loucura, os Judeus obstinados se escandalizam (26) com ela, como se fosse objeto de horror, os herejes quebraram-na e derrubaram-na como coisa digna de desprezo. Mas, e isto só posso dizer com lágrimas nos olhos e com o coração transpassado de dor, os filhos que criei em meu seio e que instruí em minha escola, os meus membros, que animei com meu espírito, me abandonaram e desprezaram, tornando-se inimigos de minha cruz! (27) – Numquid et vos vultis abire?(28) Quereis, vós também, abandonar-me, fugindo da minha Cruz, como os mundanos, que nisto são outros tantos anticristos: antichristi multi? (29) Quereis enfim, conformar-vos ao século presente (30), desprezar a pobreza de minha Cruz, para correr após as riquezas? Evitar a dor de minha Cruz para procurar aos prazeres? Odiar as humilhações de minha Cruz, para ambicionar as honras? Tenho, na aparência, muitos amigos que me fazem protestos de amor, e que, no fundo, me odeiam, pois não amam minha Cruz; muitos amigos de minha mesa e pouquíssimos amigos de minha Cruz (31)
[12] A este apelo amoroso de Jesus, elevamos acima de nós mesmos; não nos deixemos seduzir pelos nossos sentidos, como Eva; não olhemos senão o autor e consumador de nossa fé, Jesus crucificado (32), fujamos da corrupção da concupiscência do mundo (33) corrompido; amemos Jesus Cristo da melhor maneira, isto é, através de toda sorte de cruzes. Meditemos bem estas admiráveis palavras de nosso amável Mestre, que encerram toda a perfeição da vida cristã: “Si quis vult venire post me, abneget semetpsum, et tollat crucem suam, et sequatur me! (34)
Carta aos Amigos da Cruz – São Luiz de Montfort
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(21) Estas páginas comovente sobre os dois partidos – o de Jesus Cristo e do Mundo – evocam, em paralelo, a meditação dos dois estandartes, dos Exercícios espirituais. Santo Inácio e São Luís Maria pregam, cada um à sua maneira, a necessidade de tomar partido, ou por Jesus, ou por Satanás, príncipe deste mundo.
(22) Este quadro dos dois partidos é o comentário exato da lição do divino Mestre: “O caminho que conduz à perdição é espaçoso e são numerosos os que nele entram. A via que conduz à vida … é estreita, e pequeno é o número dos que a encontram” (Mat., VII. 13,14)
(23) Esta palavras dos discíspulos de Jesus são quase todas tiradas dos livros santos. Ver particularmente Rom., 8, 9; Gal., 5, 24; Rom., 7, 29-31; II Cor., 4, 17; Jo., 13, 16; 25, 20; Mat., 20, 16; Luc., 13, 23; Mat., 11, 12; III Tim., 2, 5; I Cor., 9, 24-25.
(24) São Paulo (Rom., 8, 29) estabelece, com efeito, a predestinação dos fiéis na conformidade à imagem do Filho de Deus. Os comentadores modernos o entendem geralmente quanto ao estado de glória; é mistér, entretanto, não esquecer que o estado de glória é o coroamento do estado de graça, e é , para cada um, proporcional a este último.
(25) Os sentimentos dos mundanos aqui revelados foram igualmente tirados da Sagrada Escritura: Is., 22, 13; Jer., 6, 14; 8, 11; Cor., 15, 32; Gen., III, l.
(27) Cf. Is., 1, 2; Fil., 3, 18.
(28) Jo., 6, 68.
(29) I Jo., 2, 12.
(30) Rom., 12, 2 .
(31) Estas palavras resumem o belo capítulo da “Imitação de Cristo” que tem por título: “Do pequeno número dos que amam a Cruz de Jesus Cristo” (liv. II, cap. XI).
(32) Hebr., 12, 2.
(33) II Ped., 1, 4.
(34) Mat., 16, 24; Luc., 9, 23. “Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga!” A partir deste ponto, tôda a “Carta”é o comentário deste programa de perfeição cristã, proposto pelo Divino Mestre a todos os seus discípulos: convocata turba (Marc. 8, 34) ad omnes … (Luc., ibid). O parágrafo seguinte nos fornece a divisão deste impressionante comentário.
Fonte: Dominus Est e imagens www.rainhamaria.com.br
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