Psicóloga conta sua relação com menino doente pelo ebola na Libéria


25.09.2014 -  A psicóloga Ane Bjøru Fjeldsæter, de 31 anos, ficou um mês trabalhando em Monróvia, na Libéria, pelo Médicos Sem Fronteiras. O país é mais afetado pelo ebola, com 1.677 óbitos em 3.280 casos registrados (até 24 de setembro).

Moradora de Trondheim, na Noruega, ela conta em depoimento uma das experiências que mais marcaram durante a estadia na área afetada pelo vírus.

Ao site do jornal norueguês "Dagbladet", Ane conta que, antes de atuar na Libéria, trabalhou em um campo de refugiados do Sudão do Sul e auxiliou doentes pelo ebola em Serra Leoa. Sobre a epidemia, ela disse sentir que "apagava um incêndio florestal com uma pistola de água". Ela considera o seu trabalho de psicóloga importante, porque "ajuda as pessoas isoladas por causa do ebola a se sentirem menos sozinhas".

Veja abaixo o depoimento.

Meu amigo do outro lado da cerca

A Libéria está dividida por uma cerca dupla laranja. Construímos isso para manter a doença sob controle. Construímos para nos separar (os saudáveis, os privilegiados) deles (os doentes, os necessitados). Construímos a cerca para nos sentirmos menos mortais. A fizemos com um nobre propósito de barreira sanitária.

Patrick está no interior da cerca, eu, do lado de fora. Eu o vejo todos os dias e nós sorrimos e acenamos um para o outro. Ele é apenas uma criança, mas está brincando com meninos cinco vezes mais velhos, como se estivesse tentando compensar o fato de ser jovem demais para morrer.

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Eles jogam dama e pôquer quando têm energia para isto e escutam a BBC Africa pelo rádio que eu trouxe um dia na minha roupa de “invasora espacial”. Patrick tem um sorriso torto, tímido, e um hematoma perto do olho direito. Acaba de perder sua mãe, mas seu pai está com ele neste lugar horrível.

Todo dia eu digo a mim mesma: Ane, não perca o seu coração para esta criança que logo não estará mais entre os vivos. Ele está aqui por uma semana e, então, terá partido para sempre. Como você vai fazer o seu trabalho quando ele se for?  Você não sabe com o que está lidando? “Isso é coisa do ebola”, como dizem no rádio. Taxa de mortalidade de 90%. As pessoas que estão daquele lado da cerca não voltam para este lado. Você sabe que é perigoso se aproximar.

Digo isso a mim mesma todos os dias e nunca ouço. É impossível não olhar para o sorriso torto dele quando eu chego ao trabalho pela manhã. É impossível não notar as pequenas mudanças diárias em seus níveis de energia. Não resisto em acenar para ele ou verificar seu rosto e seu prontuário médico por qualquer indicação, qualquer uma que me permita ter esperança de que ele vai melhorar.

Tudo que me permita ter esperança de que vamos jogar pôquer juntos um dia, sem todo o incômodo de eu ter que usar máscara, óculos de proteção e luvas duplas.

 

Efeito ebola

Então, a manhã horrível chegou. Aquela para a qual eu tinha tentado me preparar. A manhã na qual Patrick não acenava mais. Eu olho através da cerca e o vi deitado em um colchão na sombra. Seus amigos mais velhos o rodeiam, na ponta dos pés, preocupados.

Eu me visto. Temo o pior. Faço o meu caminho passando pela enfermaria. Seu pai me diz que Patrick se queixou de dores no estômago durante toda a noite. O menino tem os lábios ressecados, febre, olhos brilhantes e nada da sua energia habitual. Ele tenta sorrir quando me vê.

- Patrick, meu amigo, você não parece tão bem. Me preocupa te ver assim. Posso fazer alguma coisa por você?

Ele olha para cima, sussurra alguma coisa. Eu me inclino em minha “roupa espacial”. O que ele disse?

- Eu disse, você pode me arranjar uma bicicleta?

Oh, Patrick, onde você andaria de bicicleta? Você amava sua mãe e estava perto dela quando ela ficou doente. Agora você está rodeado por cercas laranjas e nunca vai aprender a andar de bicicleta. Você acha que isso é apenas uma dor de estômago? Seus amigos mais velhos não te falaram sobre o ebola? Ou será que eles abaixaram o volume quando na BBC África falaram que, em breve, você estaria evacuando sangue?

Saio do lugar. Não quero começar a chorar dentro dos meus óculos de proteção. Eu me odeio por ter conhecido esse garoto. Por que eu nunca fico em casa?

Tiro o resto do dia de folga. Prometo a mim mesma que vou procurar um emprego normal.

Na manhã seguinte, algo me leva de volta. Quero estar lá pelo pai de Patrick, não importa o que ele estiver passando. Ele parece cansado, mas sorri assim que me vê do outro lado da cerca. Assim que sento numa cadeira ao seu lado, alguém me manda um sorriso torto e tímido. Acenamos.

Vejo que Patrick não tem energia para sair da cadeira, então me visto com a roupa especial para entrar na área de isolamento. Apesar de ver apenas uma fração do meu rosto, ele me reconhece:

- Vejo minha amiga. Não vejo minha bicicleta!

Não posso contar a ele que não achava que sobreviveria até o dia seguinte. Tento encontrar as palavras certas. Posso dizer que me esqueci? Patrick olha para mim com firmeza.

- A mulher esquece, mas o homem não!

Patrick, de onde você tira essas coisas? Esse é o tipo de conversa que você ouve do seu grupo? Prometa que vai começar a brincar com crianças da sua idade um dia.

Patrick recebeu alta no domingo passado com o pai. Ambos pareciam cansados. Eu mal podia acreditar que Patrick tinha se curado do ebola antes que o hematoma perto de seu olho direito desaparecesse. Ele tinha emagrecido tanto, que tivemos de amarrar suas calças com um pedaço de barbante.

Receber alta do centro de tratamento é algo confuso. Depois de semanas nas quais as pessoas têm medo de chegar perto de você, de repente, elas querem te abraçar e te beijar. Isso pode confundir qualquer um, até mesmo um jovem experiente como Patrick.

Nas raras ocasiões em que alguém se recupera, fornecemos um certificado que comprova sua cura. Patrick Poopel, de pé aqui do meu lado da cerca, sorrindo timidamente e segurando certificado de cura de ebola, pronto para aprender a andar de bicicleta.

Ao contrário do que se poderia pensar, Patrick, isso é algo que a mulher nunca vai se esquecer.

Fonte: G1

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Nota de www.rainhamaria.com.br

LEMBRANDO...

Artigo de 26.08.2014 -

Mesmo após 15 colegas morrerem de Ebola, enfermeira segue trabalho em Serra Leoa.

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A melhor defesa contra o desespero era continuar trabalhando. Muitas vezes, essa escolha estava longe de óbvia: Josephine Finda Sellu perdeu 15 de suas enfermeiras para o ebola em rápida sucessão e pensou em deixar o trabalho.

Ela não o fez. Sellu, a vice-chefe de enfermagem, é uma rara sobrevivente que nunca deixou de trabalhar arduamente no hospital público daqui, a maior armadilha mortal em Serra Leoa para o vírus durante os meses sombrios de junho e julho. O clube dela é seleto, consistindo talvez de três mulheres da equipe original de enfermagem para o ebola que não contraíram o vírus e que assistiram a colegas morrerem, mas que ainda continuam trabalhando.

"Eu sou necessária aqui", disse Sellu, 42 anos, que supervisiona as enfermeiras para o ebola. "Eu sou uma veterana. Todas as novas enfermeiras olham para mim." Se ela partir, ela disse, "a coisa toda ruiria".

As outras enfermeiras a chamam de Mamãe, mas ela parece um marechal de campo em avental médico marrom claro. Ela vai avançando, exortando as enfermeiras a voltarem ao trabalho, inspecionando os alimentos para os pacientes, realizando uma dança para colegas de trabalho que contraíram o vírus e que sobreviveram –"enfermeiras sobreviventes", ela as chama com entusiasmo– e dando ordens de dentro do traje da cabeça aos pés que a protege de seus pacientes.

Na campanha contra o vírus ebola, que está varrendo partes do Oeste da África em uma epidemia pior do que todos os surtos anteriores da doença somados, a linha de frente é costurada por pessoas como Sellu: médicos e enfermeiros que dão suas vidas para tratar pacientes que provavelmente morrerão; faxineiros que limpam as poças letais de vômito e dejetos, para que os centros de saúde em dificuldades possam permanecer abertos. Motoristas que se aventuram nas aldeias tomadas pela doença para pegar pacientes; funcionários encarregados da tarefa perigosa de impedir que outras pessoas sejam infectadas pelos cadáveres altamente contagiosos.

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O sacrifício deles é evidente pelas estatísticas. Pelos menos 129 funcionários de saúde morreram combatendo a doença, segundo a Organização Mundial da Saúde. E apesar de muitos trabalhadores terem fugido, abandonando sistemas de saúde já precários, muitos novos recrutas se apresentaram voluntariamente –com frequência por pouca ou nenhuma remuneração, às vezes abandonando suas casas, comunidades e até mesmo famílias no processo.

"Se não fosse voluntário, quem faria este trabalho?", perguntou Kandeh Kamara, um dos cerca de 20 homens jovens que realizam um dos trabalhos mais sujos da campanha: encontrar e enterrar os cadáveres por todo o leste de Serra Leoa.

Quando o surto começou meses atrás, Kamara, 21 anos, foi ao centro de saúde em Kailahum e ofereceu ajuda. Quando os responsáveis pelo centro disseram que não tinham como pagá-lo, ele aceitou assim mesmo.

"Não há outras pessoas para fazer isso, então decidimos fazê-lo para ajudarmos a salvar nosso país", disse sobre si mesmo e outros homens jovens. Eles chamam a si mesmos de "os meninos de sepultamento".

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A organização Médicos Sem Fronteiras os treinou para aprenderem a vestir o equipamento de proteção e a como remover em segurança os cadáveres potencialmente infectados pelo ebola. Eles percorrem estradas de terra esburacadas por até nove horas por dia.

Ao fazerem seu trabalho, os meninos de sepultamento se tornaram párias. Muitos foram excluídos de suas comunidades por temor de que possam trazer o vírus para casa. Algumas famílias se recusam a deixá-los voltar.

Depois que Kamara começou a trabalhar, sua família disse que ele não era mais bem-vindo em sua aldeia. Seu tio, o patriarca da família, lhe disse para nunca voltar. Inicialmente, ele ficou hospedado com um amigo, mas a esposa do homem ficou com medo e também o expulsou. Sem salário por meses, ele às vezes mendigava na rua após o trabalho para conseguir dinheiro suficiente para comer. Recentemente, ele conversou com o proprietário de uma pequena loja sobre liberar espaço suficiente em uma sala nos fundos, para que ele dormisse lá.

Ele finalmente está sendo remunerado, cerca de US$ 6 por dia, e espera encontrar um quarto para alugar, provavelmente a um preço inflacionado. Alguns dos outros meninos de sepultamento tentaram alugar apartamentos, mas foram rejeitados.

"Se eu tiver uma vida longa, eu poderei voltar ao meu povo", disse Kamara. "Eu poderei dizer a eles: 'Eu estou fazendo este trabalho por vocês'. Talvez eles possam me entender."

No hospital público a poucas horas de distância de Kenema, fotos das enfermeiras mortas ainda estão coladas nas paredes deterioradas. Bilhetes para as mulheres jovens ceifadas repentinamente, como Elizabeth Lengie Koroma –"Lengie, nós te amamos, mas Deus te ama"– oferecem lembretes visuais da dor que permanece.

"Hoje três, amanhã quatro –é assim rápido", lembrou Sellu, com seu modo alegre rapidamente dando lugar à tristeza. "Nós dissemos: 'O que está acontecendo?'"

Ela acrescentou: "Você pergunta: 'Quem será o próximo?'" Ao todo, 22 funcionários do hospital morreram.

Pouca proteção

Enfermeiras e médicos daqui empregaram sua experiência no tratamento da febre de Lassa, outra doença mortal que causa sangramento. Mas o ebola é de uma ordem diferente, e eles nunca o tinham visto antes.

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Com os primeiros casos, as enfermeiras simplesmente usavam os óculos de Lassa. O ebola exige uma maior proteção à face. Elas também usavam "luvas leves", disse Sellu. Agora, ela usa dois pares de luvas de borracha grossas. As precauções iniciais inadequadas tiveram consequências fatais, mesmo para o reverenciado médico jovem que chefiava a unidade de Lassa, o dr. Sheik Umar Khan.

"Era um homem cuidadoso, sempre dizendo, 'Não faça isso, não faça aquilo'", disse Sellu. "É um mistério." Khan morreu em 29 de julho, um duro golpe à nação.

Sellu também falou sobre as enfermeiras que perdeu para o ebola. Geralmente atenta em projetar força para suas subordinadas, ela começou a chorar.

"Tem sido um pesadelo para mim", disse, com seus traços contorcendo. "Desde que a coisa toda começou, eu tenho chorado muito." Ela acrescentou: "Chegou a um ponto em que pensei em deixar este trabalho. Era demais para mim".

Fonte: UOL noticias

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Diz na Sagrada Escritura:

"Levantar-se-á nação contra nação, reino contra reino, e haverá fome, peste e grandes desgraças em diversos lugares". (São Mateus 24, 7)

"E vi aparecer um cavalo esverdeado. Seu cavaleiro tinha por nome Morte; e a região dos mortos o seguia. Foi-lhe dado poder sobre a quarta parte da terra, para matar pela espada, pela fome, pela peste e pelas feras". (Apocalipse 6, 8)

 


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