01.03.2014 -
Por Dom Antonio Carlos Rossi Keller, publicado em Janeiro 2012
A primeira leitura deste domingo apresenta uma série de normas inspiradas na revelação divina e que regulamentavam o culto, os sacrifícios, as festas, as instituições e a vida social e civil do povo de Deus do Antigo Testamento.
O trecho de hoje faz parte deste código e se destina à regulamentação da instituição e do serviço profético. A profecia é um dom de Deus, uma vocação e, consequentemente, um serviço aos demais irmãos. É Deus quem faz surgir os profetas para o seu povo.
O profeta sempre será um homem escolhido por Deus, tirado do meio dos irmãos, sem compromissos com ninguém e com nenhuma espécie de poder, para assim poder realizar plenamente a sua vocação, servindo exclusivamente a Deus seu Senhor e ao povo para o qual ele foi enviado. O profeta sempre foi uma espécie de mediador entre Deus e os homens.
Por não ter compromissos com ninguém além de Deus, o profeta fala abertamente, denunciando as injustiças, gritando contra a opressão dos pequenos, apontando as falsidades dos corações dos homens, chamando a atenção dos poderosos e convidando todos indistintamente para a conversão, mostrando-lhes a bondade e a misericórdia de Deus. Ele sempre foi uma pessoa incômoda para homens do seu tempo. Como aquilo que ele anuncia ou denuncia é sempre vindo de Deus e revela a sua vontade, ainda que não agrade, deve ser seguido e acolhido com carinho, pois Deus nos pedirá contas de tudo quanto os seus profetas nos anunciam em seu nome.
Ainda que estejamos acostumados a pensar que vocação profética é coisa do passado, temos que saber que pelo nosso batismo, todos nos tornamos participantes por direito e por dever da missão sacerdotal, real e profética do Cristo. Pela graça do Espírito Santo que nos foi derramada no batismo, todos fomos colocados em condição de ser estes mensageiros de Deus entre os homens. Todos estamos envolvidos nesta árdua missão e para cumpri-la com dignidade, precisamos ser homens e mulheres de Deus.
Não podemos nos comprometer com nenhuma pessoa ou com algum tipo de poder humano, mas permanecer livres de qualquer compromisso para podermos servir somente a Deus e o seu plano salvífico em favor dos homens filhos seus.
Temos que ter consciência de que no exercício desta nossa participação na missão profética de Cristo, seremos amados por poucos e odiados por muitos. Seremos mal vistos, mal falados, maltratados e perseguidos. Nada poderá nos assustar ou diminuir a força do nosso testemunho, pois é muito mais seguro permanecer fiel a Deus, do que se comprometer com os homens e seus pecados. Devemos temer somente ao juízo divino que é eterno e absolutamente justo e não àquele dos homens, que é passageiro, limitado, leviano e muitas vezes, completamente injusto.
O Evangelho nos apresenta Jesus em pleno exercício de sua missão profética. Ele é o profeta por excelência, pois não somente anuncia, mas realiza o plano do Pai. Ele é o próprio Deus e tudo quanto anuncia, se realiza, pois com Ele chegou a plenitude dos tempos e o momento oportuno para a plena realização de todas as promessas de Deus em favor dos seus filhos.
Num dia de sábado, dia dedicado ao Senhor Deus, Jesus entra no templo e começa a ensinar. Ele não se limita a ler as escrituras como qualquer outro homem do seu povo, mas ensina, isto é, interpreta, aplica, dá vida à Palavra de Deus lida no templo, pois tudo o que era lido no templo sob forma de oração e que era apresentado ao povo sob a forma de promessa da parte de Deus, encontrava em Jesus a sua plena realização. Diversamente do que ensinavam os doutores da Lei, o ensinamento de Jesus era oferecido com autoridade e causava a admiração de todos os ouvintes. Jesus não se perdia nos infinitos detalhes que foram criados pelos doutores do templo, mas ensinava o povo a ver com profundidade o que era essencial na Lei, a vontade do Pai, garantia de vida e salvação para todos os filhos de Deus.
Tudo aquilo que Jesus anunciava era confirmado pelo Pai. Ele foi o único que em tudo e sempre cumpriu a vontade do Pai, por isto, tudo o que ele anunciava se cumpria. Aquilo que Jesus anunciava era tão verdadeiro e de acordo com o desejo do Pai, que até mesmo o demônio, maior inimigo dos filhos de Deus e do seu Reino, lhe obedecia e ficava completamente impotente.
Deste modo de fazer de Jesus, podemos tirar algumas conclusões práticas para a nossa vida de filhos: Jesus já venceu o demônio e todo o mal. Aqueles que são seus, também caminham para isto e um dia, todos terão vencido o demônio, o mal e todas as suas conseqüências.
Porém, enquanto estamos no caminho desta vida, seremos sempre tentados pelo demônio que nos quer ver longe do cumprimento da vontade de Deus. As vezes até caímos em suas ciladas, mas temos modos para nos livrarmos delas, como nos ensina Jesus hoje. O caminho mais seguro é escutar a sua Palavra salvífica, seguir o seu Evangelho e, seguindo o seu exemplo, permanecermos fiéis ao Pai em tudo até o fim. No coração de todo aquele que guarda as palavras de Jesus e procura fazer a vontade do Pai, não sobra espaço para a ação do demônio.
Com a chegada de Jesus entre nós, chegou-nos a salvação e o mal não tem mais poder sobre os filhos de Deus. Basta que enchamos nossas vidas de Deus, das suas palavras e nenhum mal nos acontecerá.
Finalmente, o evangelho de hoje nos traz um forte questionamento a respeito do testemunho que damos da nossa fé em Jesus. O espírito mal que havia possuído aquele homem, reconhece e proclama publicamente que Jesus é o Santo de Deus, o Messias esperado e enviado por Deus. Ao contrário, nós que somos os filhos de Deus e que tudo recebemos Dele, somos acomodados, medrosos e muito fracos no nosso testemunho de Jesus e do seu evangelho.
Portanto, hoje devemos nos perguntar com toda sinceridade: o que há em nossos corações que muitas vezes nos faz tão frios e duros, diante de um Deus que é tão bom e misericordioso para conosco? A nossa participação na missão profética do Cristo exige que sejamos anunciadores e incansáveis testemunhas da pessoa e da obra de Jesus, pois Nele realizou-se tudo o que o Pai havia prometido ao longo dos tempos, em favor dos homens, filhos seus.
Dom Antonio Carlos Rossi Keller - Bispo de Frederico Westphalen (RS)
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