31.08.2013 -
Esta é a história de Bashir Abdelsamad, que começa em sua infância, nos anos 60, no Sudão do Norte, um menino muçulmano como tantos outros que ia à escola e aprendia o Corão.
“O clérigo islâmico que nos dava aula nos explicou que Deus nos permitia a nós, os muçulmanos, matar os cristãos e os ateus, os que não creem no Corão”, recorda Bashir.
- Por que criou Deus, que é misericordioso, essas pessoas, se não as ama? -perguntou o menino na aula. O professor o castigou duramente diante de todos por fazer perguntas incômodas. Mas ele, com 10 anos, tinha claro que Deus não podia ser assim.
O menino muçulmano que viu Jesus “Nessa noite, tive uma visão de Jesus”, explica Bashir, quase 50 anos depois. “Jesus me apareceu com dois livros em suas mãos: na direita tinha a Bíblia; na esquerda tinha o Corão. Pediu-me que escolhesse qual livro era o correto. Quando escolhi a Bíblia, desapareceu”.
Essa é a visão sobre a qual Bashir edificou sua vida em um entorno hostil à fé cristã. Ele disse que nem sequer havia visto uma imagem de Jesus, algo perfeitamente lógico no Sudão do Norte dos anos 60. Mas quando um tempo depois viu uma igreja católica em seu país, com imagens de Jesus, o reconheceu. Era o homem de sua visão.
Estudando com os combonianos Até a educação secundária, num instituto dos Missionários Combonianos, Bashir não teve nenhuma oportunidade de conhecer nada mais de Jesus e do cristianismo. Cresceu durante a primeira guerra civil sudanesa (1955 a 1972) e depois viveria a guerra do governo islâmico do norte contra os independentes cristãos e animistas do sul (de 1983 a 2005).
No instituto dos combonianos pôde conhecer a fé, estudar a Bíblia e convencer-se: essa era a verdade. Ninguém queria batizar-lhe, os sacerdotes temiam represálias do governo islâmico, mas o jovem insistiu tanto que no final recebeu o batismo. Sua família não lhe molestou, exceto pelas possíveis represálias se se soubesse. Mas Bashir tinha já claro: queria ser sacerdote.
Primeiro foi aprovado no noviciado comboniano, mas só caía enfermo e a saúde é muito importante para os missionários. Depois estudou em um seminário de sua diocese, e foi ordenado como sacerdote diocesano.
Com os refugiados nas montanhas Foi então quando seu bispo o enviou para ajudar os refugiados dos Montes Nuba no Sudão central, gente deslocada pela guerra e muito maltratada pelos islâmicos do norte e pelas forças governamentais. “Eu os organizava, lhes ajudava nas necessidades básicas como comida, remédios, cobertores e alojamento”, recorda.
Mas isso não agradava as tropas do norte que percorriam os Montes Nuba. Quem ajudasse os refugiados, quem não fosse muçulmano, era suspeito de simpatizar com o inimigo. Duas vezes detiveram Bashir e lhe interrogaram, acusando-o de colaborar com os rebeldes do sul. Na terceira vez que lhe prenderam, em 1991, decidiram fuzilar-lhe, e o juntaram com outras 8 pessoas para executar.
“Levaram-me a uns barracões militares e me meteram em uma cela pequena um tempo. Depois, nos juntaram para fuzilar-nos. Éramos nove. Só eu fui resgatado”, aponta.
Salvou-se porque outro sacerdote conseguiu encontrar um comandante amigo de Bashir e chegaram correndo ao pelotão de fuzilamento… Os outros oito condenados já tinham sido executados. Bashir se salvou por muito pouco.
A caminho do exílio Seu amigo comandante lhe recomendou deixar o país. E o fez: primeiro fugiu para o Cairo, depois ao Quênia, depois ao Sudão do Sul. Ali voltou a atender aos refugiados, mas ao cair enfermo o bispo o enviou para recuperar-se em Nairobi. E dali, a estudar na universidade jesuíta de Xavier, em Ohio, Estados Unidos , onde chegou em 1994. Acabados os estudos, não pôde voltar ao Sudão até muito depois, avisado de que ainda o buscavam.
Tardou 21 anos em voltar a sua terra, a ver seus parentes. “Minha família me aconselhava não caminhar só em público, mas lhes disse que se me matam, minha morte valerá a pena, porque alguém que ama seu país e morre faz que as pessoas aprendam com essa morte”, declarou na revista de Xavier University. “Quando me prenderam para matar-me, estava feliz de morrer sabendo que não poderiam matar meu espírito”.
Hoje Bashir segue nos Estados Unidos, como vigário em várias paróquias da diocese de Sioux City, e atendendo também imigrantes sudaneses na América do Norte. “A Bíblia, meu livro preferido, sempre está comigo, e o Rosário também. Creio que Deus tem planos para mim, aqui, ou em qualquer outro lugar”, comenta o padre Bashir Abdelsamad.
Fonte: www.comshalom.org/blog/carmadelio
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