Artigo do Padre José do Vale: Máfia e Religião


06.02.2013 - “Poucas palavras são tão conhecidas quanto ‘máfia’. E, ironicamente, os próprios mafiosos nunca a utilizaram, preferindo sempre denominações como ‘Fraternidade’, ‘Honorável Sociedade’ e, sobretudo, Cosa Nostra, ou Coisa Nossa”. “A Máfia representa uma potência criminosa centralizada, hierarquizada, piramidal e unitária”, afirma Jean-François Gayraud, doutor em direito pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris e pelo Instituto de Criminologia de Paris. É autor de: Mundo das Máfias - Geopolítica do crime organizado (1). 

NEGÓCIOS GLOBALIZADOS

Se, por um milagre, todo o dinheiro da máfia italiana desaparecesse, a Itália seria 90 bilhões de euros mais pobre. Isso em um ano, pois este é o faturamento anual dos gângsters. Segundo estudo da Associação dos Comerciantes Italianos divulgado em 2007, a quantia representa 7% do PIB da nação, ou seja, a maior emprese do País.
         A pesquisa ainda revela que cerca de 160 mil comerciantes são obrigados a dar dinheiro para mafiosos regularmente, um total em euro de 10 bilhões anuais. Os meios utilizados para conseguir a quantia são os mais antigos e tradicionais: extorsão, mais usado; e chantagem. O roubo não foi deixado de lado e, graças a ele, a cada 12 meses, 7 bilhões são depositados nos cofres do grupo. Mas não só de violência são feitos os negócios. Eles também apelam para fraudes em jogos ilegais, que movimentam aproximadamente 2,5 bilhões.
         Tantas cifras se dão devido à mudança de comportamento na gestão. A Cosa Nostra, por exemplo, passou a diversificar suas ações e enviar suas famílias para atuarem diretamente em outros países da Europa Ocidental, na Rússia e América Latina – principalmente no Brasil, Colômbia e Venezuela. Os novos negócios da Cosa Nostra globalizada são a lavagem de dinheiro dos cartéis colombianos e das tríades chinesas, em troca de narcóticos, principalmente cocaína e heroína.
         “A legitimidade das atuações mafiosa é tão relevante para a sociedade que hoje observamos mafiosos buscando relações de cooperação com agentes estatais, ou até mesmo agentes estatais que são verdadeiros chefes de grupos mafiosos”, escreve Tatiana Martins Alméri que é mestre em sociologia política (2).


TRANSIÇÃO CAPITALISTA

A queda do muro de Berlim e o fim da ditadura na União Soviética trouxeram para os russos uma nova realidade: o capitalismo. No início dos anos 90, quase todas as empresas, comércios e instituições de crédito foram introduzidas repentinamente em uma economia capitalista. A transição foi brusca. Enormes conglomerados de empresas estatais foram privatizados a preços muitos menores do que os de mercado. Resultado: caos econômico.
         Aproveitando a falta de regras do processo de privatização e a evidente ligação entre o Estado e as máfias, eles se apoderaram das riquezas das ex-repúblicas. A abertura econômica também permitiu que grupos criminosos usassem empresas de fachada, sobretudo, casas noturnas, cassinos, boates, lazer em geral, para lavagem de dinheiro.
         O livro “O século do Crime”, de Arbex Jr. E Cláudio Tognolli, traz um retrato deste processo de surgimento das organizações criminosas no cenário internacional. “O resultado é que nos primeiros meses de 1992 existiam mais de 2 mil bancos operando na Rússia, a grande maioria dos quais servindo apenas de fachada para os negócios das máfias. O processo desenfreado de privatizações tornou-se, assim, um excelente meio de ‘lavar’ dinheiro ‘sujo’, ao mesmo tempo em que deu às máfias um poder tremendo sobre a política interna da Rússia.
         Outro fator que fez as máfias se desenvolverem foi à desmobilização do Exército Vermelho. Desesperados por dinheiro, boa parte dos militares passaram a contrabandear armas. Até membros do Komitet Gosudarstveno Bezopasnosti (KGB), em português Comitê de Segurança do Estado, entraram no crime. Ou seja, o governo não podia nem mais confiar em sua polícia secreta devido ao seu envolvimento com as gangues. Eles passaram a assessorá-las com sua inteligência e táticas de ação encoberta. O crime que eles costumavam combater passou a ser cometido por eles. Tanto descontrole no crescimento do crime fez o então presidente da Rússia, em 1994, Boris Yeltsin declara que o País era “o mais mafioso do mundo”.


FAMA INTERNACIONAL

Não há estatísticas seguras sobre o tamanho das organizações da Rússia e das ex-repúblicas soviéticas. Por não haver uma lei que defina o crime organizado, não há como contabilizar o número de máfias. Para se ter a idéia da falta de controle, existem estimativas que variam entre 25 e 5 mil grupos.
         Um estudo realizado pela Rutgers University, nos Estados Unidos, indica que eles controlam pelo menos 40 da economia do País. Entre seus negócios estão contrabando, extorsão, lavagem de dinheiro, tráfico de armas, de drogas e de influências.
         Além de dominarem a sua região, a máfia também age em outros continentes. As principais parcerias são com Europa, Estados Unidos, Israel, Canadá e Austrália.
         A prova disso foi à operação realizada na Espanha, em junho de 2008, que causou a prisão de pelo menos 20 membros da organização Tambovskaya-Malyshevska, considerada a maior estrutura criminal de origem russa no mundo. Entre os detidos, estava até mesmo o chefe do clã, Gennadios Petrov.
         Os mafiosos presos são de Moscovo e São Petersburgo e, em sua maioria, têm antecedentes criminais em alguns países da União Européia e na Suíça. Assassinatos, extorsões, tráficos de drogas são alguns crimes do qual são acusados.

Oportunidade do Crime

A onda de privatização na Rússia nos anos 90 também abriu possibilidades para que grupos mafiosos faturassem com o contrabando de matérias-primas e produtos da indústria pesada. Com a introdução dos países da ex-União Soviética na rede do crime internacional, grandes áreas do Cáucaso, Ásia Central e Sibéria agora são usadas para produção e distribuição interna e externa de papoula e maconha. Além disso, a máfia russa também se tornou uma economia “auto-suficiente” na produção de haxixe, heroína e outras drogas sintéticas.


LÍCITOS E ILÍCITOS

No Japão, não é segredo para ninguém que quem comanda a jogatina ilegal e a prostituição do País é a Yakuza. Aliás, as duas atividades são a marca registrada da organização. Obviamente, não são os únicos negócios que mantém. Ameaçar com violência proprietários de negócios e outros cidadãos e fazer com que paguem uma contribuição são itens que formam a sua famosa rede de proteção. O contrabando de mercadorias proibidas, como drogas armas e pornografia forma outro filão. Sem contar o tráfico ilegal de mulheres, especialmente vidas do leste europeu.
         Porém, o que difere a Yakuza das outras é a ousadia. Sem medo de mostrar quem são, afinal tatuagens e dedos cortados dificilmente passam despercebidos, eles são agressivos também nos negócios legais. Exatamente, negócios legais. A inteligente gangue usa os lucros de ilícitos para investir em imóveis e construção. A rede de trens metropolitanos de Tóquio, só para dar um exemplo, passou a ser controlado pelo chefe Susumu Ishii, em 1989. O negócio rende cerca de US$ 255 milhões. O entretenimento é outro setor escolhido por eles e as ligas locais de luta livre profissional são particularmente conhecidas pelo envolvimento da Yakuza.
         Os mafiosos de alto nível têm predileção por mercado de ações. A participação deles varia entre legal e ilegal. Caso descubram informações que possam incriminar uma empresa, usam como chantagem para conseguir comprar ações dela. O passo seguinte é enviar alguns membros para participar de reuniões. E é lá que eles dão o bote final. Ameaçando divulgar o que sabem, conseguem influenciar os negócios a seu favor ou exigir dinheiro em troca de silêncio.
         A extorsão é sempre feita de uma maneira cuidadosa para não chamar a atenção. Participar de torneios de golfe, fazer doações para instituições de caridade que não existem e comprar produtos a preços muito altos são ações que os líderes das empresas decidem fazer apenas com um simples pedido da Yakuza. É tudo feito de um jeito muito polido. Às vezes, não existe nenhuma intimidação direta, mas os líderes das empresas sabem que existe uma ameaça implícita e não titubeiam em cooperar com a gangue.
         Em 1992, o governo japonês começou a pegar pesado com a máfia. Uma lei rigorosa contra o crime organizado foi criada. Depois dela, os chefes passaram a responder pelos delitos cometidos por seus membros. A polícia começou a fazer mais pressão e algumas gangues mudaram para novas áreas, gerando guerras sangrentas entre os clãs. As ações das quadrilhas começaram a diminuir, juntamente com a quantidade de integrantes. Hoje, são 110 mil, divididos em 2,5 mil famílias, metade dos clãs na época do ápice.
         E se depender do Estado Japonês, este número tende a diminuir. O plano das autoridades é fazer com que os membros desistam de participar do esquema, tentando recolocá-los de volta na sociedade. Algumas empresas estão apoiando essa iniciativa e dão espaço para Yakuzas que quiserem abandonar o crime.
        Mas, apesar disso, não se pode dizer que a Yakuza esteja enfraquecida. Tanto é que o último cálculo da movimentação dos negócios da máfia, feito pelas autoridades japonesas em 2004, confirma uma quantia assustadora: US$ 13 bilhões. 


MÁFIA AMERICANA

Não há na história da máfia americana gângster mais importante que Lucky Luciano. Mentor do que se tornou o Sindicato do Crime, virou o verdadeiro poderoso chefão dos Estados Unidos. Sua história começa na Itália, mais precisamente na Sicília em 1987. Salvatore Lucania, seu nome real, mudou-se com a família para Nova Iorque em 1906. No ano seguinte, aos nove anos de idade, foi detido pela polícia pela primeira vez. Salvatore ganhou o apelido de “Lucky”, pois, quando era jovem, costumava sempre ganhar as apostas de corrida de cavalo que participava.
         Em 1915, “Lucky” Luciano também entrou para mesma gangue dos Cinco Pontos, onde se tornou amigo de Al Capone. Cinco anos depois, abria seu primeiro prostíbulo e, em 1927, já se tornara um milionário chefe de uma rede de casas de prostituição em Nova Iorque.
         Através de uma estratégia arriscada, em 1931, “Lucky” Luciano se tornou o Capo di tutti capi (Chefe de todos os chefes) na organização criminosa que participava. Naquele ano, uma guerra nas ruas de Nova Iorque pelo controle do submundo entre Salvatore “Little Caesar” Maranzano e Giuseppe “Joe the Boss” Masseria acumulava mortes entre os dois grupos. Isso seria prejudicial para os negócios de Luciano, por isso, ele assassinou Masseria e Maranzano, tornando-se comandante da Família Genovese.
         Em 1935, foi preso e condenado a cerca de 50 anos de prisão por crimes como extorsão e prostituição. Porém, durante a Segunda Guerra Mundial, o exército norte-americano recorreu à sua influência na máfia e na política italiana para ajudar as tropas aliadas na invasão da Sicília. Em troca, Luciano foi deportado para Itália.
         Insatisfeito por não poder retornar aos Estados Unidos e retomar suas atividades, passou a escrever as memórias de sua vida, de suas ações criminosas e do “auxílio prestado” ao exército norte-americano. Em suma, sonhava com um filme sobre a sua vida.
         Só em janeiro de 1962, finalmente, conseguiu se reunir com um produtor de cinema norte-americano interessado em sua biografia. Porém, enquanto caminhava até o produtor, preparando para lhe estender as mãos, sentiu uma forte dor no coração, levou a mão ao peito e morreu ali mesmo, de ataque cardíaco.

O HOMEM DE CHICAGO

Se for para falar de gângster famoso, Al Capone está no topo da lista. Sua vida virou roteiro de filmes hollywoodianos e seu codinome Scarface – em português, cicatriz no rosto – virou até nome de filme. O apelido vem de uma cicatriz ao lado esquerdo do rosto. E a astúcia da longa experiência com a máfia.
         Nascido em 1889, Alphonse Gabriel Capone foi criado em uma vizinhança muito pobre e pertenceu a duas quadrilhas juvenis na infância. Aos 14 anos, foi expulso da escola por agredir um professor. Integrou a gangue dos Cinco Pontos (em inglês Five Ponts), em Manhattan, e trabalhou para o gângster Frankie Yale. Em 1919, foi mandado por Frankie para Chicago onde se tornou braço-direito de John Torrio, mentor de Frankie Yale.
         Quando Torrio foi morto por membros de uma gangue rival, Capone se tornou chefe e logo se mostrou mais eficiente para comandar o grupo criminoso. A partir daí, expandiu o sindicato do crime para outras cidades naquela década. O poder de Capone lhe permitia controlar informantes, casas de jogos, prostíbulos, bancas de apostas em corridas de cavalos, clubes noturnos, destilarias e cervejarias. Durante a Lei Seca norte-americana, chegou a ganhar em torno de U$ 100 milhões por ano.
         Em 1925, já era reconhecido como um homem sem escrúpulos, frio e violento. Sua fama era tão grande, que, em 1929, foi reconhecido como homem mais importante do ano, ao lado do físico Albert Einstein e do líder pacifista Mahatma Gandhi.
         Mas, em 1931, foi preso pela polícia norte-americana acusado de sonegar impostos. Foi condenado a 11 anos de prisão, mas sua pena foi revisada em 1939, devido seu frágil estado de saúde. Capone tinha sífilis e apresentava traços de distúrbios mentais, por isso tomava grande quantidade de remédios. Graças ao uso da penicilina, a saúde física do ex-mafioso melhorou bastante, mas seu estado mental já não apresentava mais perspectivas de cura. Alphonse Gabriel Capone morreu na Flórida, em 25 de janeiro de 1947.


AMÉRICA DO SUL

É na América do Sul que estão os principais parceiros das máfias que usam o tráfico de drogas como fonte de renda. A razão para esta região ser o principal fornecedor de coca do mundo é sua economia. Da época em que estes países eram governados por ditaduras até hoje, a estrutura do atraso econômico não só se manteve intocada, mas se aprofundou. A falta de investimento estrangeiro aumentou as taxas de desemprego. O povo, procurando uma maneira de sobreviver, se rendeu aos encantos do cultivo ilegal de coca.
         Os países que se destacam devido ao grande número de plantações são Bolívia, Peru e, principalmente, Colômbia. O comércio internacional de drogas ocupou o vazio econômico. Setores inteiros das economias nacionais passaram a girar em torno do narcotráfico.
         Na Colômbia, os traficantes compraram as terras que antes eram fazendas agrícolas, o que foi um bom negócio para os antigos proprietários já que estavam praticamente falidos. Na Bolívia, os militares mantinham aliança com o narcotráfico. O poder das drogas criou economia e Estado paralelos, enquanto destruía as atividades convencionais.


CARTÉIS

 Economicamente, cartéis são acertos entre empresas concorrentes que têm como objetivo a fixação de preços, sendo que combinam de não vender produtos abaixo do valor combinado. Mas, na América Latina, cartéis são sinônimos para crime organizado e drogas.
         Durante muitos anos, eles serviram como principal base produtora de cocaína, a droga mais importante do século XX. Para se ter idéia, na década de 90, mais de 60% das folhas de coca produzidas no mundo eram plantadas pelo cartel colombiano apenas na Amazônia peruana.
         Hoje, não se pode dizer mais o mesmo, já que, com as parcerias com grupos mafiosos internacionais, grande parte da plantação de coca foi transferida para outros continentes. Os países da ex-União Soviética são exemplos de tal mudança. Em troca, o haxixe e a papoula, planta usada para a produção de heroína, passaram a diversificar a produção dos solos latinos.

DON PABLITO: O REI DA COCAÍNA

Você já ouviu falar da estratégia prata ou chumbo de Pablo Escobar? Não? Mas a maioria dos homens que foram subornados ouvia o mais rico e famoso traficante encorajá-los com sua política violenta. Plata e plomo, em espanhol, significava que ou a pessoa aceitava o seu dinheiro, a prata, ou levaria suas balas de brinde, referindo-se ao chumbo.
         A caçada a Pablo Escobar ficou documentada no livro “Matando Pablo: A caçada final ao rei da cocaína”, do autor Mark Bowden. Em Outubro de 2007, começou a produção de um filme baseado no livro. Na pele do chefe do narcotráfico estava o ganhador do Oscar, Javier Barden. Christian Bale também está no elenco.


NIGÉRIA-ÁFRICA

 Uma porta aberta. Foi isso que os traficantes encontraram no continente africano, durante o início da década de 80. Na época, a crise mundial do petróleo assolou todos os países da região, em especial a Nigéria, um dos mais populosos países do continente. Localizado na África Ocidental, a Nigéria ocupa uma área de cerca de 920 quilômetros quadrados. Lagos foi a capital do País até 1991 e ainda é uma das zonas mais povoadas e urbanizadas da Nigéria.
         Até meados de 1970, diversos emigrantes recorreram às plantações de cacau e seringais dos países vizinhos como principal fonte de renda. Mas com a descoberta de numerosos poços de petróleo, o ouro negro, essa corrente de migração se inverteu. A Nigéria passou a receber diversas pessoas de países vizinhos procurando por trabalho, como Níger e Benin. Tudo corria bem até que a crise mundial de 1980 inverteu a situação novamente. Não demorou para que os preços dos barris dos nigerianos caíssem drasticamente, provocando um verdadeiro êxodo da mão-de-obra.
         Os remanescentes tiveram de lidar com a crise da principal e, talvez única, fonte de renda de um País ainda subdesenvolvido. Desta forma, a população local precisou enfrentar problemas comuns a qualquer crise, como pobreza, incerteza e desemprego. Surgia uma nova classe de trabalhadores sem qualificação que acabaram vendo no narcotráfico a única possibilidade de sobrevivência econômica.


DESTRUIÇÃO

Aliada a um longo processo de guerra civil, essa sociedade em ruínas foi um prato cheio para a entrada do narcotráfico no País. A partir daí, fica fácil de imaginar como a indústria da droga se alastrou pela nação e pelo continente. Uma vez que militares, políticos e figuras públicas influentes recebiam salários miseráveis, criou-se um quadro propício à multiplicação de traficantes que praticamente assumem o comando do governo de seu País. A então capital, Lagos, chegou a ser conhecida como a “capital do crime no continente africano”.
         Os líderes do narcotráfico conseguiram facilmente iludir os mais jovens e pobres com discursos ideológicos. Em uma situação bastante parecida com o que acontece nas favelas do Rio de Janeiro. Os grupos de traficantes surgiram com a “alternativa” aos problemas sociais que aconteciam na região.
         A máfia nigeriana atua em países como Índia, Paquistão e Tailândia, tendo acesso a cerca de 90% de toda heroína produzida no mundo. Diferentemente do modelo estrutural de outras máfias atuais, as organizações criminosas originadas na Nigéria costumam ser formadas a partir de agrupamentos familiares ou tribais, sendo menos suscetíveis à ação de agentes policiais infiltrados.
         Os aeroportos de Lagos e Kano, também na Nigéria, serviram durante os anos 90 como principal centro de distribuição de heroína proveniente do Paquistão e da Tailândia, destinada aos Estados Unidos e Europa. O aeroporto de Lagos, em especial, também servia como base de distribuição da cocaína vinda de São Paulo e Rio de Janeiro. A Nigéria, até então símbolo da esperança econômica e política da áfrica, tornou-se um dos centros de traficantes daquele continente.

COMBATE E CORRUPÇÃO

O governo da Nigéria tenta combater o tráfico. Em 1989 as autoridades do País fundaram o NDLEA (um departamento de luta contra as drogas inspirado na DEA dos EUA). Infelizmente, a entidade não passou incólume à corrupção. Anos mais tarde, foi descoberto que o próprio departamento estava envolvido no tráfico e na distribuição de droga. Outros fatos curiosos ligados à corrupção do NDLEA acorreram em 1993, quando nada menos do que 47 presos da penitenciária do departamento, em Kano, conseguiram escapar. Em outra ocasião, policiais encontraram em um armazém da organização apenas 12 embalagens de heroína. Nos arquivos constavam um total de 637 embalagens estocadas. A conclusão na qual se chegou foi que os agentes do NDLEA estavam agindo como traficantes.
         Essa situação só mudou em 1995, quando o departamento ganhou mais autonomia e dinheiro dos cofres públicos. Na ocasião, o general Musa Bamayi foi convidado para dirigir o departamento de repreensão às drogas. Rígido, Bamayi demitiu mais de 330 funcionários nos primeiros meses à frente da NDLEA, sendo que boa parte deles precisava prestar contas aos tribunais. Outros 500 foram despedidos em 1996.
         O Governo da Nigéria chegou a impedir a aterrisagem de aviões de determinadas companhias aéreas conhecidas por servirem de meio de transporte para os traficantes de droga. As fiscalizações nos aeroportos foram intensificadas e os centros de comércio dos traficantes fechados. Tudo isso graças às informações fornecidas pela norte-americana DEA. Em 1995, foram apanhadas 15 toneladas de drogas e mais de mil pessoas presas, em 1997. O tráfico de heroína e cocaína parecia diminuir, mas, no final dos anos 90, aumentava a produção, a venda e o consumo da maconha que, segundo o próprio Bamayi, é o maior perigo para a Nigéria atualmente.
         “Se o Brasil quisesse, por exemplo, cuidar do problema das drogas, deveria começar, em primeiro lugar, a cuidar do controle dos insumos químicos, porque sem insumo químico não há refino de droga. Colômbia, Peru e Bolívia, que são grandes fornecedores, não têm indústria química. Eles só têm a matéria prima, que é a folha de coca. E com a folha de coca não se tira o cloridrato de cocaína”, ensina Walter Maierovicth, ex-secretário nacional anti-drogas da Presidência da República do Brasil.
         Os jornalistas José Arbex Jr. e Cláudio Julio Tognolli receberam o prêmio Jabuti, em 1996, por O Século do Crime, o livro-reportagem que retrata o Brasil como um dos grandes corredores de exportação de drogas e palco privilegiado de atuação dos grupos mafiosos internacionais. Além do submundo das drogas, desvenda o tráfico de crianças e órgãos humanos. Os autores constroem um painel sobre as estruturas das principais organizações criminosas multinacionais e analisam os principais episódios.


Ritual de Batismo

Todas as máfias possuem um ritual de orientação para os homens que buscam fazer parte das famílias. Este é um caminho para se tornar um membro e, logo em seguida, um soldado. Quando Tommaso Buscetta revelou os segredos da máfia ao juiz Giovanni Falcone, disse que, no ritual, o novato é trazido à presença de três “homens de honra” da família e o membro mais velho presente o adverte que “esta Casa” tem como função proteger o fraco do abuso do poderoso; então, fura o dedo do iniciado e pinga seu sangue sobre uma imagem sagrada, geralmente uma santa. A imagem é colocada na mão do iniciado e é ateado fogo nela. Ele deve agüentar à dor, passando a imagem de uma mão para a outra, até a imagem ser consumida por completo, enquanto promete manter fé aos princípios da “Cosa Nostra”, jurando solenemente “que minha carne queime e como este santo se eu falhar em manter meu juramento”.
         As crenças religiosas do inconsciente coletivo dos mafiosos perpassam em seus rituais e em suas organizações a prática religiosa e faz parte fundamental do sustentáculo das “Honoráveis Sociedades”.
         A máfia nasceu e atua em países ditos religiosos e seus membros vivem como se fossem fiéis das suas respectivas religiões. Em si, máfia é uma religião criminosa. Com maldição hereditária, rituais satânicos e idolatria pelo poder, dinheiro e luxúria.
         “Solidão, loucura e marginalidade são destinos das criaturas que se corrompem no dinheiro e no desejo-carcereiros da alma”, disse Tennessee Williams, escritor e dramaturgo americano.


Pe. Inácio José do Vale
Pesquisador de Seitas
Sociólogo em Ciência da Religião
Professor de História da Igreja
Instituto Teológico Bento XVI
E-mail: [email protected]

www.rainhamaria.com.br


Notas:

(1) História Viva, nº 102, p. 64.
(2) Máfia: a tradição do crime: por dentro dos grupos mais temidos da sociedade moderna. São Paulo: Editora Escala, 2009, pp. 11, 22 e 48.

Bibliografia

Saviano, Roberto. Gomorra. Rio de Janeiro: Record, 2008.

Puzo, Mário. O Poderoso Chefão. Rio de Janeiro: Record, 2006.

Follain, John. Os últimos mafiosos: a ascensão e queda da família mais poderosa da máfia. São Paulo: Larousse, 2010.

Signier, Jean-François. Sociedades Secretas. São Paulo: Larousse, 2008

 


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