05.01.2013 - "As cisternas se acabando lá no sol e a gente precisando. Pra que o Governo mandou aquilo?". O desabafo é de dona Damiana Antônia de Souza Félix, 55 anos. Ela mora com a mãe de 90 anos, a irmã e um sobrinho no Sítio Jardim de Fora, área rural do município de Solidão, no Sertão do Pajeú, distante 411 km do Recife. Todos os dias, desde que a cacimba da sua casa secou há cinco meses, Dona Damiana precisa caminhar cinco quilômetros até encontrar um dos últimos poços com água na região, ainda assim salobra. A água - levada para casa em latões por um jumento que, por não ter o que comer, "já anda cruzando as patas", como ela definiu - mal dá para beber, cozinhar e tomar banho. Sobrevivendo em meio à pior seca no Nordeste brasileiro dos últimos 40 anos, não consegue entender o motivo de centenas de cisternas, que poderiam mudar a realidade de várias famílias, estarem acumuladas desde setembro em um terreno na entrada do município de Solidão. Uma verdadeira tortura para os moradores que transitam todos os dias pela cidade, na expectativa de serem contemplados com uma delas.
As cisternas, feitas de polietileno, foram adquiridas pelo Ministério da Integração Nacional (MIN) como parte da ação do programa Água para Todos para atender as famílias da Região Nordeste. O primeiro lote de 60 mil unidades foi comprado em novembro de 2011 por R$ 210 milhões, através de licitação que teve como única concorrente a empresa mexicana Dalka, que no Brasil tem o nome fantasia de Acqualimp. A licitação foi realizada pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), que também coordenou os pregões eletrônicos para contratação das empresas responsáveis em instalar as cisternas em oito estados da região Nordeste e em Minas Gerais. Em Pernambuco, a Engecol, sediada em Petrolina, ganhou a concorrência para instalação de 22.679 cisternas.
Somando os valores da compra da cisterna de polietileno e da instalação, cada unidade custou em média R$ 5.090 para os cofres públicos, quase o dobro do preço das cisternas de placa (alvenaria), até então únicas construídas no País por ONGs que recebem apoio financeiro do Governo Federal. Cerca de 500 mil cisternas de placas, que custam em média R$ 2.500, já foram construídas no Brasil. Alegando que, apesar de mais caras, as cisternas de polietileno são mais duráveis, resistentes e, principalmente, mais rápidas de ser instaladas - tendo em vista a urgência das famílias que enfrentam a seca -, o Ministério da Integração Nacional optou em adotar essa nova tecnologia. O problema é que a "rapidez" prometida pelo órgão não saiu do papel.
A instalação das 60 mil cisternas de polietileno nos estados nordestinos deveria ter sido concluída no último mês de agosto. Cinco meses depois, a Dalka ainda não concluiu a fabricação e a entrega de todas as unidades, e as empresas contratadas para a instalação estão com serviços atrasados. No início de dezembro, a reportagem do NE10 percorreu alguns municípios do Sertão pernambucano para acompanhar a instalação das cisternas. Durante a passagem pelas cidades de Sertânia, Solidão, Ouricuri, Exu e Bodocó, além de queixas dos moradores sobre a demora na entrega das unidades, a reportagem encontrou centenas de cisternas acumuladas em terrenos, expostas ao sol. Uma montanha de plástico cinza em meio ao solo batido do Sertão. Apenas na cidade de Bodocó foi possível localizar cisternas de polietileno em funcionamento.
Sem ter visto ainda nenhuma cisterna instalada, Dona Damiana, em Solidão, já perdeu toda a plantação de feijão e milho. A maior dor, porém, foi a morte dos seus dois garrotes, cujo empréstimo de R$ 2 mil para comprá-los ainda nem foi pago. Damiana reza todos os dias para que Amorosa, Maravilha e Coração, as únicas três vacas, consigam sobreviver em um pasto onde até as folhas secas estão acabando. "Não sei o que será de mim se elas morrerem", afirma, sem conter as lágrimas.
Fonte: UOL noticias
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